Estima-se que a Copa do Mundo de 2014 custará R$ 28 bilhões. Tomando o estudo do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial) como referência, com R$ 25,277 bilhões daria para construir unidades escolares para todos os 3,7 milhões de brasileiros de 4 a 17 anos que estão fora da escola.
São Paulo, 20 de junho de 2013.
Um dos motivos da justa onda de protestos que toma o Brasil é o alto custo da Copa do Mundo de 2014.
Estive a trabalho na África do Sul no período da Copa das Confederações (2009) e da Copa do Mundo (2010). É bom que todos os brasileiros tenham ciência: em qualquer lugar do mundo, os eventos FIFA são demasiadamente onerosos e elitizados. Contudo, no Brasil a situação está mais grave.
Ontem (19/6), o jornalista Jamil Chade, do grupo Estado, informou que em abril o governo estimava que a Copa do Mundo de 2014 custaria de R$ 25,5 bilhões. Anteontem (18/6), o secretário-executivo do Ministério dos Esportes, Luis Fernandes, anunciou que a Copa deverá custar R$ 28 bilhões.
Em comparação com outros Mundiais, o evento no Brasil é o mais dispendioso. Em 2006, a Alemanha gastou na 3,7 bilhões de euros para sediar a Copa, cerca de R$ 10,7 bilhões. Em 2002, Japão e Coreia, gastaram juntos US$ 4,7 bilhões, cerca de R$ 10,1 bilhões. Na África do Sul, em 2010, o custo do evento foi de US$ 3,5 bilhões, perto de R$ 7,3 bilhões. Conclusão: a Copa do Mundo de 2014 será a mais cara da história.
E é um acordo estranho. O Brasil paga a conta, mas é a FIFA quem lucra. Segundo seus próprios dados, a “entidade máxima do futebol” estimava, em 2011, que gastaria US$ 3,2 bilhões para organizar o Mundial, obtendo uma receita de US$ 3,6 bilhões. Mas Jerome Valcke, o mal humorado secretário-geral da FIFA, admitiu que a renda irá superar a marca de US$ 4 bilhões, dobrando o lucro da entidade com o evento.
Com base nessas informações, realizei um rápido exercício de cálculo. Fui estimulado pela imagem de um cartaz que figurou nos protestos de São Paulo, altamente compartilhada nas redes sociais. O texto dizia: “Eu quero escolas e hospitais ‘padrão FIFA'”.
Aviso, logo de cara, que tal como ocorre com os estádios de futebol, o chamado padrão FIFA é um luxo desnecessário. Portanto, como referência, vou tomar o único instrumento brasileiro capaz de contabilizar o custo de construção, equipagem e manutenção de escolas dedicadas à relação de ensino-aprendizagem. O mecanismo é de autoria da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e se chama CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial).
Fiz o seguinte exercício: o que os R$ 28 bilhões que serão gastos com a Copa do Mundo de 2014 fariam pela educação pública?
Como parâmetro de demanda, tomei como base o dado do relatório brasileiro “Todas as crianças na escola em 2015 – Iniciativa global pelas crianças fora da escola”, produzido pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e, novamente, pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. A principal conclusão do documento é que 3,7 milhões de crianças e adolescentes brasileiros, de 4 a 17 anos, estão fora da escola. No entanto, segundo a Emenda à Constituição 59/2009, todos os cidadãos dessa faixa-etária devem estar obrigatoriamente matriculados até 2016.
Assim, o primeiro desafio é o de dimensionar o volume de pré-escolas e escolas que precisam ser construídas. Operando os cálculos, faltam 5.917 estabelecimentos de pré-escolas, 782 escolas para os anos iniciais do ensino fundamental, 593 escolas para os anos finais e 1.711 unidades escolares de ensino médio.
Em segundo lugar, é preciso dimensionar os custos de construção e aquisição de equipamentos. Para os 5.917 prédios de pré-escola são necessários R$ 15,047 bilhões. No caso das unidades de ensino fundamental, o custo seria de R$ 1,846 bilhão para os anos iniciais e 1,769 bilhão para os anos finais. Por último, para construir e equipar as escolas de ensino médio, o investimento seria de R$ 6,615 bilhões.
Tudo somado, o Brasil deve aplicar R$ 25,277 bilhões para construir e equipar pré-escolas e escolas capazes de matricular todas as crianças e adolescentes de 4 a 17 anos até 2016. Ainda assim, subtraindo esse montante dos R$ 28 bilhões que devem ser despendidos com a Copa, sobram R$ 2,721 bilhões. É um bom recurso!
Obviamente, esse cálculo trata apenas do investimento em construção e aquisição de equipamentos, com base em um padrão mínimo de qualidade mensurado no CAQi. Não estão sendo considerados, por exemplo, a imprescindível construção de creches, instituições de ensino técnico profissionalizante e de ensino superior. Muito menos estão sendo contabilizados custos essenciais para a manutenção das matrículas com qualidade, como salários condignos para os professores e demais profissionais da educação, custos com uma boa formação inicial e continuada para o magistério, além de uma política de carreira atraente.
Como é de conhecimento geral, se tudo isso fosse considerado, tomando outros fatores do CAQi como referência, além de outros instrumentos, o Brasil precisaria investir, em 10 anos, cerca de R$ 440 bilhões em educação pública, ou o equivalente a 10% do seu PIB (Produto Interno Bruto) de 2012.
Hoje investe, conforme dados oficiais, cerca de R$ 233,2 bilhões.
Portanto, o exercício apresentado aqui serve basicamente para estimular uma reflexão: o orçamento público deveria obedecer a uma lógica de prioridade. Por mais que o povo brasileiro ame o futebol, os manifestantes têm declarado que preferem educação pública, saúde pública e transporte público de qualidade. A FIFA tem dito que a Copa de 2014 será um festa, a nossa festa. Se for verdade, será uma comemoração indigesta, pois já estamos sendo obrigados a engolir regras, padrões e ingressos caros e para poucos. E pior: todos os contribuintes brasileiros pagarão a conta.