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Entrevistas

Escola de diversidade

Militante ambientalista francês defende um pacto ecológico que seja amparado por uma nova pedagogia, em que o estudante efetivamente viva a natureza, e não suas representações

Publicado em 10/09/2011

por Redação revista Educação


Nicolas Hulot

Militante ambientalista e apresentador do programa de televisão Ushuaia Nature, Nicolas Hulot, também presidente de uma fundação voltada à natureza que leva o seu nome, chegou a assumir uma pré-candidatura à presidência da França em 2007. Sua principal proposta era o pacto ecológico, conjunto de propostas ambientais que envolvia do redimensionamento dos subsídios agrícolas europeus até um controle mais rigoroso do uso de energias fósseis.


Chegou a angariar 11% das intenções de voto, mas, uma vez conquistado o espaço para o tema ecologia na campanha – Hulot conseguiu a adesão dos principais candidatos ao pacto que propunha – abriu mão da candidatura. Alegou que um fracasso eleitorial poderia ser prejudicial à causa e aos ecologistas de maneira geral.


Mas, renovadas as baterias, continua a luta por uma nova pedagogia, influenciada pelo também francês Théodore Monod, em que a natureza não seja apenas representada, e sim vivida e sentida em seu próprio cenário. Leia, a seguir, a entrevista concedida a Nicolas Truong, do Le Monde de L´Éducation. 




Em que sentido Théodore Monod (explorador e ecologista francês, ex-membro da Academia de Ciências francesa) foi para o senhor um despertador?




Insistiram demais no lado anedótico do velho no deserto, em busca de um meteorito, o que às vezes dissimulou seu engajamento ecológico. É um humanista e um despertador sem falha que soube, pela conformidade de sua vida com seu pensamento, despertar-me para a consciência ecológica.

Lendo seus livros, percebe-se que o primeiro caminho para a consciência ecológica viria da propensão em ativar nossa capacidade para o encantamento… Nosso encantamento vem de nossa capacidade de olhar. Entretanto, precisamos hoje reaprender a ver, pois o essencial é muitas vezes invisível aos olhos, como dizia Saint-Exupéry. O encantamento que toma os sentidos trabalha no conhecimento e conduz à tomada de consciência. Observar a beleza de uma árvore leva a querer compreender a natureza, o papel que ela tem no ecossistema, e daí respeitá-la. Em Elogio da planta (1999), o grande botânico tropicalista Francis Halle mostra a que ponto os vegetais, que apareceram antes do homem e que lhe sobreviverão, são para ele totalmente indispensáveis. Pelos exemplos muito claros que abundam em seu livro, é possível compreender que o homem depende das árvores e das plantas que lhe trazem seu indispensável oxigênio. Uma abordagem que permite, inclusive, relativizar a distinção entre a boa e a má erva.


No plano da escola, qual é a melhor pedagogia da ecologia?


Se não tecermos novamente a relação emocional com a natureza, ela mesma continuada por uma relação de conhecimento, a abordagem pedagógica não funcionará. Se ficarmos na abstração, não funcionará. Como mostrou Théodore Monod, a hipertrofia da tecnologia perturbou nossa percepção da realidade. A natureza se afastou numa representação, perdeu sua dimensão sagrada. O homem não tem mais consciência de que é ela a provedora inicial das necessidades humanas. Em educação, é preciso ir à origem das coisas e fazer compreender que, atrás da indústria e da tecnologia, é a natureza que nos fornece a matéria-prima. Trata-se de tomar consciência de que se destruirmos essa usina de recursos é o homem quem padece. Não basta descrever nossa dependência com relação ao planeta, é preciso vê-lo, senti-lo, compreendê-lo. No plano pedagógico, creio que seja tempo de ir além de nossas simpáticas aulas verdes.


Sobre quais princípios repousa o sucesso pedagógico da escola Nicolas Hulot, instituição que o senhor criou em Morbihan?


O cenário é, primeiro, muito propício, pois essa escola se situa no imenso parque botânico de Branféré, onde animais estão em semiliberdade. Aberta numa área de 40 hectares, com variadas espécies vegetais plantadas, nesse verdadeiro planeta reconstituído em miniatura, as turmas que nos visitam ficam em contato direto com uma extraordinária fauna exótica (perto de 2 mil animais originários do mundo inteiro). Há encantamento, então há escuta. E o conhecimento não é pensante, mas vem completar a observação. Depois da visita, há seqüências em que as crianças se colocam diante de um computador a fim de reviver cientificamente seu percurso. Entrando numa arborescência de informações, dirigem-se naturalmente a um ensino mais acadêmico. A experiência e o conhecimento se combinam. Descobre-se, por exemplo, que em certos corais residem princípios ativos que vão ajudar a lutar contra o câncer. Coisas que qualquer criança é capaz de entender. É preciso então partir das relações puramente afetivas para caminhar para a racionalidade.


Quais correspondências se devem introduzir entre o respeito ao homem e a seu ambiente?


A compreensão da necessidade da diversidade vale para os seres vivos, mas também para os humanos. Há uma similaridade entre o enriquecimento da natureza pelo choque, pelo encontro e amontoamento das culturas humanas. Foi, aliás, uma das principais mensagens de
Théodore Monod: a unidade dos seres vivos depende de sua diversidade. O aprendizado da natureza é a escola da diversidade.


A fim de escapar a uma abordagem moralizante da ecologia, não seria preciso também mostrar que se pode brincar com ela e, ao mesmo tempo, respeitá-la?


Exatamente. Hoje vamos buscar montes de prazeres fúteis com uma devassidão de meios artificiais, enquanto a natureza é uma provedora infinita de alegrias e de jogos. Não devemos ter uma visão rigorosa da natureza. Tudo pode ser enxertado. A natureza pode ser de uma grande violência, claro, mas há também nela essa profusão de prazeres que pode ser fonte de equilíbrio. Não sou simplesmente alguém que fica beato diante da natureza, eu brinco com ela. Confesso que sou louco por kyde-surf-sport náutico no qual o surfista é puxado por um cervo-volante. E o que me dá prazer é tanto o esforço quanto essa intensa comunicação com a água que vem me chicotear com o vento.


Em seu Pacto ecológico, o senhor queria promover uma grande política nacional de educação e sensibilização para a ecologia. O Grenelle de l’environnement [instituição pública francesa que zela pelo desenvolvimento sustentável] levou em conta?


Muito sinceramente, é uma das grandes falhas do Grenelle de l’environnement. Eu já o havia denunciado no fim desses trabalhos. A educação faz parte das coisas que foram tratadas à margem. Nós tínhamos o desejo muito maior de criar uma Escola de Altos Estudos de formação sobre a ecologia, um novo corpo de Estado…


A idéia não é então criar um ensino ecológico como disciplina?


Não, a criação da disciplina "ecologia" não é recomendada. Todas as matérias permitem saltar para esse assunto: as ciências e a vida da Terra, claro, mas também a história, a geografia, ou até a literatura. Como não visar hoje Correspondências, de Baudelaire, sob um ângulo poético e ecológico: "A natureza é um templo onde vivos pilares deixam às vezes escapar confusas palavras. O homem passa ali através das florestas de símbolos que o observam com olhares familiares"? Se voltássemos ao terreno como às lições de coisas em ciências naturais, já estaria bom.


O senhor acredita que, por algum motivo, as crianças possam ser mais portadoras dessa consciência ecológica do que os adultos?


Infelizmente, não tenho tanta certeza, pois todo o trabalho de sensibilização ecológica concluído pelo meio educativo e associativo está contraposto pelas influências perversas e inversas da sociedade de consumo. O que se ensina hoje às crianças não é usufruir, mas consumir. Dito isto, creio que quando conseguirmos captar a atenção e o olhar de uma criança para um cocoricó ou para uma formiga, ela se lembrará, mesmo se no entretempo for desviada dessa simplicidade pela força colossal de persuasão clandestina que é a publicidade. A natureza educa. Pois, como dizia Théodore Monod, ela ensina os limites. A natureza não conhece desperdícios.


(Tradução: Mônica Cristina Corrêa)

Théodore Monod (1902-2000)

Explorador e ecologista engajado, entrou no Museu de História Natural em 1922, onde defendeu sua tese em 1926. Descobriu o continente africano graças a duas missões de pesquisa: o zoólogo se tornou aos poucos geólogo, botânico, arqueólogo, paleontólogo e encadeou viagens (mais de 24 missões no Saara e no continente africano). Em 1938, foi enviado a Dakar para criar o Instituto Francês da África Negra, voltado à pesquisa. Eleito para a Academia de Ciências em 1963, esse cristão nutrido pelas sabedorias do mundo não deixou de insurgir-se contra o nuclear e a devastação planetária.

Trechos da obra


Levar a sério o futuro de nosso mundo.
Da poluição ao desperdício dos recursos, a urgência ecológica obriga o homem moderno a encontrar a relação perdida com a natureza.

Uma nova era que virá se o homem deixar de se considerar como o rei da criação. (…) Será necessário, a partir de agora, levar a sério o futuro de nosso pequeno planeta – o único de que dispomos – e cuidar para que a vida, sob todas as suas formas, vegetal, animal, humana, não corra mais o risco de desaparecer sob os esforços conjugados dos poluentes, dos massacradores, dos pirotécnicos do átomo ou dos pavimentadores. Isso quer dizer, claramente, que algo se acaba, que uma era termina e que outra começa, enfim… Pois será mesmo necessário levar as coisas a sério, quando nos prometem que em 900 anos – amanhã de manhã para o biólogo ou o geólogo! -, com as taxas atuais de crescimento demográfico, haverá 60 bilhões de homens na Terra. (…) Mirabeau, em intenção dos promotores de grandes conjuntos de arranha-céus havia já dito: "Os homens são como as batatas: quando os amontoamos, eles apodrecem!". É preciso humildemente confessar: os três grandes monoteísmos se fecharam na concepção triunfalista de um homem predisposto à dominação do mundo, tendo cientificamente recebido do Criador um direito de vida ou morte sobre outras criaturas, e pouco propenso a aceitar a solidariedade que deveria unir todos os vivos, menos ainda a piedade e a misericórdia. Esse mito orgulhoso de rei da criação é, reconheçamos, perfeitamente escriturário, e não nos surpreenderemos de vê-lo instalar-se a título de postulado no coração da teologia cristã, esconder-se durante séculos e quase não manifestar o desejo de sair. Acrescentemos, aliás, que essa poderosa corrente antropocêntrica que quer um cosmos criado para uma espécie animal em particular, o Homo sapiens, viu-se poderosamente reforçada pela insensibilidade do cartesianismo em relação ao animal. (…) As conseqüências do postulado serão incalculáveis no domínio do pensamento, mas também, o que é mais grave ainda, no da ética.

Trecho de Quem te fez rei? (prefácio) Et si l’aventure humaine devait échouer (1991), Théodore Monod, reedição Grasset, 2000.

Autor

Redação revista Educação


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