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Academia Líderes de Educação

Autor

Redação revista Educação

Publicado em 02/12/2025

Escola fast-food x escola bistrô

O aprendizado na lógica de larga escala torna-se um produto de linha de montagem — com pouca variação, pouca experimentação e pouca escuta

Por José Ruy Lozano*, diretor do Colégio Madre Alix | No mundo da gastronomia, não é difícil distinguir entre uma rede de fast-food e um restaurante com culinária autoral. O primeiro opera em larga escala, com redes de franqueados, seguindo uma padronização muito estrita de produtos e processos. O objetivo é aumentar o número de clientes, entregando algo absolutamente idêntico a todos de forma rápida, sem margem para criação. O chapeiro frita o hambúrguer que já veio embalado do fornecedor previamente designado; as fritas e o shake são feitos por máquinas com pouca intervenção humana e os refrigerantes estão nos dispensers. Muitos alimentos ultraprocessados, escala industrial, produção em massa.

Já o segundo opera dentro de outra lógica. O cardápio tem variação constante, procurando adaptar-se aos produtos mais frescos da estação. Os pratos são concebidos por um chefe de cozinha, que traz o seu toque para as receitas, às vezes clássicas, outras inovadoras. Os fornecedores são locais, muitas vezes pequenos produtores que mantêm uma relação de proximidade e parceria com o restaurante. Os clientes esperam sabor apurado e serviço personalizado.

A analogia da gastronomia com o universo da educação básica particular é possível? Você, leitor, consegue enxergar essa relação? Se não, vejamos.

escola fast-food

Enquanto a escola fast-food busca previsibilidade e expansão, a escola autoral busca coerência e sentido (Foto: Shutterstock)

Escola fast-food: modelos padronizados

Assim como há redes de fast-food e restaurantes autorais, também há escolas que operam sob lógicas muito distintas — uma voltada à padronização e à escala, outra à criação e ao propósito formativo singular. Ambas entregam ‘alimentação’ — no caso, intelectual e humana —, mas a natureza dessa nutrição e o modo como é produzida mudam completamente.

A escola fast-food é aquela que adota um modelo padronizado de ensino, com processos rigidamente definidos e materiais didáticos uniformes. Seus professores seguem apostilas pré-fabricadas, cronogramas pouco flexíveis e metodologias que prometem resultados rápidos e mensuráveis. 

Assim como na rede de lanchonetes, há pouco espaço para autoria: o professor é o executor de um cardápio pedagógico concebido por outros, e o aluno é o consumidor passivo de um produto pensado para ser idêntico em todas as unidades.

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Essas escolas, geralmente, vendem a ideia de eficiência: notas elevadas em exames externos, altos índices de aprovação, prêmios e rankings. A ‘cozinha’ pedagógica é organizada em torno de metas quantitativas e processos reprodutíveis. As avaliações são padronizadas, o conteúdo é transmitido em sequência fixa e o tempo escolar é cronometrado. 

O aprendizado torna-se um produto de linha de montagem — com pouca variação, pouca experimentação e pouca escuta. O resultado é um ensino rápido, previsível, capaz de saciar momentaneamente a fome de resultados, mas pobre em densidade formativa. Alimenta a memória, mas raramente o pensamento crítico; forma repetidores competentes, mas não criadores; gera satisfação imediata, mas pouca reflexão. 

Assim como no fast-food, o aluno sai com a sensação de ter sido ‘atendido’, mas não necessariamente nutrido.

Escola que se envolve

Já a escola autoral funciona com outra lógica — mais próxima de um restaurante com culinária de autor. Nela, o currículo é uma construção viva, ajustado às realidades locais, às experiências dos alunos e às inquietações do tempo presente. O professor é chef: conhece os ingredientes, domina as técnicas, mas cria com liberdade e sensibilidade. Ele tem repertório, pesquisa, experimenta, combina saberes de forma original, sem perder de vista o gosto e a necessidade dos seus comensais — os alunos.

O cardápio pedagógico muda com as estações da vida escolar. Projetos, itinerários formativos e experiências interdisciplinares substituem o conteúdo fragmentado e engessado. 

A escola autoral privilegia a relação com o território, com as famílias, com os desafios éticos e sociais do entorno. Os ‘fornecedores’ — seus parceiros — são muitas vezes instituições culturais, científicas e comunitárias que ampliam a experiência educativa. O aluno é convidado a participar do processo, a experimentar, a colocar as mãos na massa.

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Nessas escolas, o tempo não é apenas cronológico, mas formativo. As aprendizagens acontecem em ritmo humano, com espaço para o erro, para a reflexão e para a criação. A avaliação, em vez de medir resultados de forma automática, busca compreender trajetórias, processos e avanços individuais.

Enquanto a escola fast-food busca previsibilidade e expansão, a escola autoral busca coerência e sentido. A primeira opera para entregar o mesmo produto a todos; a segunda, para descobrir o que cada um pode criar e aprender. A primeira promete satisfação imediata e resultados uniformes; a segunda aposta em formação integral e autonomia intelectual.

Assim como o cliente que distingue o sabor genuíno de uma refeição preparada com intenção e cuidado, também as famílias e os alunos percebem, ainda que intuitivamente, quando uma escola serve educação verdadeira. A diferença, afinal, não está apenas no prato — mas no modo de preparar, de servir e de acreditar no valor de cada experiência vivida à mesa do conhecimento.

*José Ruy Lozano é sociólogo e autor de livros didáticos. É diretor do Colégio Madre Alix, em SP, conselheiro da comunidade Reinventando a Educação e da Academia Líderes de Educação, da revista Educação

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