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Por Multiverso das Letras

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Publicado em 16/10/2025

Quando a literatura convida a lidar com as emoções

Boas histórias permitem ao leitor o encontro com diferentes vozes e mundos. Entenda como a escola, da seleção da obra à mediação de leitura, pode oportunizar esse processo

No campo escolar, a literatura infantil não deve ser uma cartilha com ensinamentos. Tal prática distancia a criança, que percebe quando está diante de um conteúdo educativo para ‘forçadamente’ ensinar algo. A orientação é de Marília Mendes, gerente editorial de literatura infantojuvenil da Multiverso das Letras, grupo detentor de dois selos dedicados à literatura infantil e juvenil: Via Lúdica e Cantinela. “A discussão do tema da obra deve estar nas entrelinhas para que a criança se sinta mais à vontade”, indica. Nisso, para o encontro livro-leitor gerar sentido, a mediação de leitura via docente necessita receber sua devida importância. “Nenhuma obra deve ser apresentada ao aluno sem contextualização, acompanhamento e abertura para discussões”, destaca Marília Mendes, que é pós-graduada em Literatura Infantojuvenil e também em Língua Portuguesa.

Visando um retorno eficaz das atividades escolares, uma grande janela que precisa ser aberta é a participação de obras literárias em diferentes disciplinas. “É fundamental que a escola reconheça a literatura como um patrimônio de todos os campos do saber, não apenas da Língua Portuguesa. A coordenação pode incentivar projetos de leitura interdisciplinares. Uma obra como 70 milhas para o paraíso (saiba mais no final da matéria) pode ser lida, mediada e discutida nas aulas de Geografia, História, Artes e, claro, Português”, explica Regiane Boainain, editora da Via Lúdica, pertencente à Multiverso, e doutora em Literatura e Crítica Literária.

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“O professor, independentemente da disciplina, precisa ser um mediador de experiências. Quando ele se abre para ler com os alunos, para ouvir suas interpretações e acolher suas percepções, emoções, cria um espaço de diálogo que fortalece vínculos e amplia horizontes. O papel da coordenação é oferecer formação continuada e dar legitimidade para que essa mediação aconteça em todas as áreas, pois a literatura não é da ordem da obrigação, mas da partilha”, pontua Regiane. Em síntese, o que Regiane Boainain coloca é a necessidade de a literatura estar no centro do trabalho escolar de maneira sistemática: “A leitura literária não pode se restringir a ler para fazer prova ou a projetos isolados: ela precisa ser experiência contínua, planejada, incorporada à rotina da sala de aula, em qualquer etapa da educação básica”.

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“Ler é habitar a vida do outro por meio da linguagem”, define Regiane Boainain, editora da Via Lúdica (Foto: divulgação)

Escola como espaço de sensibilidade

A compreensão de escola como instituição que precisa enxergar e desenvolver seus estudantes de maneira plena e integral tem aumentado no Brasil e no mundo. Tanto é que as habilidades socioemocionais — entendimento e manejo das emoções — estão presentes na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Sendo assim, o letramento emocional, incluindo aqui prevenção ao bullying, pode estar presente de distintas maneiras nas histórias, nisso, a escolha de um livro com essa temática para a sala de aula que dialogue com cada fase da criança e adolescente, e com o projeto pedagógico da escola, é fundamental. 

“Para a primeira infância, um livro cartonado ou interativo aguça o olhar e faz com que ela fique mais atenta ao conteúdo atrelado à forma, por exemplo, em Na teia de uma aranha (ed. Via Lúdica), conto acumulativo que traz a relação de empatia e alteridade, de respeito ao espaço do outro. Quando a criança vai crescendo e aumentando seu conhecimento de mundo, quando começa a ter a relação com o outro e não só o conhecimento de si própria, os livros devem ser atrativos, mas por outros caminhos: ilustrações bem elaboradas, texto claro e assunto de fácil compreensão para seu universo”, diz Marília, que exemplifica com Caraminholas na cabeça [mesma editora], livro sem texto, mas que permite sentir a agonia do personagem e visualizar os recursos que ele vai utilizando para se livrar das questões que o estão incomodando.

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Marília Mendes, gerente editorial de literatura infantojuvenil da Multiverso das Letras, fala das linguagens e formatos literários para as infâncias e adolescências (Foto: divulgação)

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Já no fim da primeira infância, Marília destaca que a criança já tem repertório e vivências mais elaboradas, fazendo com que o texto possa ser um pouco mais denso e que o conteúdo esteja mais explícito no texto do que na ilustração — não que essa também não seja importante. 

Na adolescência, tudo muda de figura, pois o jovem entra na fase mais crítica, questionadora. “Nada melhor do que Dom Casmurro, por exemplo, para explicar o ciúme. E é preciso atentar à linguagem, pois a obra original pode afastar o leitor que ainda não está maduro para compreender Machado de Assis, mas uma adaptação em uma linguagem próxima à do jovem vai fazer com que ele compreenda esse sentimento. E com um amadurecimento maior vai ter interesse na obra original”, indica Marília.

Nesta história, aceitar as próprias emoções é destaque

Ler o outro e a si mesmo

“Não podemos perder de vista que a literatura é o território da alteridade, um espaço seguro, fértil e necessário. Quanto mais lemos, mais nos nutrimos do outro e, consequentemente, nos autoconhecemos. Ao mergulharmos em um livro literário (e aqui me refiro a obras de qualidade), entramos em contato com seres de linguagem, personagens tecidos com matéria universal: os dramas humanos. Medo, solidão, dor, alegria, angústia, abandono, tudo isso nos chega pelo discurso. E, ao nos depararmos com essas experiências, vivenciamos esses dramas como se fossem nossos, nos colocamos no lugar do outro”, aguça Regiane, que completa: “Ler é, portanto, habitar a vida do outro por meio da linguagem. E essa é, talvez, a forma mais segura e profunda de exercitar a empatia e perceber que há múltiplas formas de sentir, de agir e de enfrentar a existência”.

O livro 70 milhas para o paraíso é uma das novidades no catálogo da Via Lúdica, e narra a história de Siad e sua filha Sara, que, junto de outros refugiados, cruzam o deserto e o Mar Mediterrâneo em busca de um sonho: chegar à Europa, seu imaginado paraíso. “Ao acompanhar essa travessia, marcada por superlotações, perdas, desilusões e preconceitos, pude vivenciar, em ato, a vida do outro, experimentei seus medos, sua esperança, sua resistência. E, claro, a partir dessa experiência, algo em mim se transformou. Parece que renovei o meu combustível da resiliência. Saí acreditando ainda mais sobre a força do ser humano. Às vezes, a literatura nomeia aquilo que já sentimos, mas ainda não havíamos dado discurso para aquilo”, instiga Regiane Boainain.

Livro sobre refugiados é uma das novidades no catálogo do grupo

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