NOTÍCIA

Gestão

Autor

Luciana Alvarez

Publicado em 12/09/2025

PPP, documento para mobilizar em qualquer contexto

Se for tirado da gaveta e levado para o contexto real, o Projeto Político-Pedagógico pode se tornar um instrumento de mobilização da comunidade, como acontece no Ciep Mané Garrincha e Associação Ceteb

Sua existência é obrigatória em cada unidade escolar do país, prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Mas ele tem o potencial de ser muito mais do que um pedaço de papel que existe só para cumprir uma norma. Se for tirado da gaveta e levado para o contexto real, o Projeto Político-Pedagógico (PPP) pode se tornar um instrumento de mobilização da comunidade, uma vez que acaba norteando as próximas ações e dando uma identidade única para as escolas.

A sustentabilidade virou um tema central no Ciep (Centro Integrado de Educação Pública) Mané Garrincha, em Petrópolis, Rio de Janeiro, porque era um assunto inescapável: a escola fica dentro de uma Área de Proteção Ambiental (APA), tem um rio próximo de sua sede, e os estudantes adoram se envolver com questões ambientais. “Até o logo da escola decidimos mudar, para incluir as duas montanhas que temos aqui atrás”, conta a diretora, Ana Carla Campos Alves.

Mas não foi sempre assim. Na primeira década dos anos 2000, a escola ‘conversava’ pouco com o seu entorno e tinha cada vez menos alunos, que acabavam preferindo outras unidades da região. Foi a partir de uma eleição para a direção que as coisas mudaram de rumo, quando um grupo de professores decidiu se articular em volta de Ana Carla.

“Sou professora de biologia, dei aulas de física também, e sempre fui apaixonada por projetos; carregava carrinhos com espelhos, ímãs, para mostrar como as coisas aconteciam”, analisa a diretora sobre um motivo que talvez a destacasse. Ao ouvir os colegas pedindo que se candidatasse à direção, ela aceitou com uma condição: que o grupo de professores a ajudasse na tarefa. “Eu disse: entro, mas vocês vêm comigo.”

Ana Carla Campos Alves, diretora no Ciep Mané Garrincha, se candidatou ao cargo a pedido de seus colegas. “Eu disse: entro, mas vocês vêm comigo” (Foto: arquivo pessoal)

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O primeiro projeto coletivo da escola foi a horta. Os alunos começaram a plantar, cuidar, colher, comer na merenda. A produção era boa e muitos levavam hortaliças até para casa. Ao perceber que os alunos estavam envolvidos, foi dado um passo além: decidiram conjuntamente que seriam uma escola lixo-zero. Tudo o que seria descartado passou a ser separado e reaproveitado de alguma forma. Dentro das salas de aula, em vez de latas de lixo, há garrafões plásticos que, depois de totalmente preenchidos, viram tijolos ecológicos — e ainda há uma competição entre as turmas para ver quem produz menos.

“Na reunião com as famílias, quando eu mostrei as salas de aula limpas, as fotos da felicidade deles cuidando da horta, claro que os pais gostaram”, conta a diretora. As mudanças foram incluídas no PPP da escola, de uma forma que abriram espaço para muito mais. Logo, um professor sugeriu criar um meliponário, algo que também deu certo. A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ofereceu um biodigestor e ensinou os alunos a usá-lo. Do lado de fora da escola, foi instalado um ecoponto; o lixo é vendido e a verba é revertida para a horta. E qualquer nova ideia, se for condizente com a proposta, ganha sempre apoio da direção.

Projeto Político-Pedagógico

A horta foi o primeiro projeto coletivo do Ciep Mané Garrincha (RJ). Na sequência e também conjuntamente, a comunidade escolar decidiu que a escola se tornaria lixo-zero (Foto: arquivo pessoal)

As ações da escola contribuem para o ambiente e para os aprendizados acadêmicos. “Temos um quadro branco do lado da horta e os professores podem ir para lá explicar conceitos, dar aulas ao ar livre. E teve uma vez que o biodigestor deu problema e foram os próprios alunos que investigaram o que estava acontecendo, como eram as reações químicas”, diz Ana Carla. Segundo ela, até as redações passaram a ser mais criativas graças à variedade de repertório dos estudantes.

Atualmente, qualquer novo professor, alunos e mesmo as pessoas da comunidade reconhecem: o Ciep Mané Garrincha é uma escola sustentável que trabalha com projetos e está aberta a novidades.

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Para Iracema Nascimento, professora na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), autora do livro Gestão da educação: a coordenação do trabalho coletivo na escola e conselheira editorial na revista Educação, o Projeto Político-Pedagógico deve ser encarado como um processo que gera uma identidade para a escola. 

“Ao escrever um PPP de modo autoral e coletivo, ele vira uma estratégia de engajamento para a equipe pensar seus problemas e potencialidades, nos sujeitos que encontram na escola”, explica.

Portanto, o documento deve ser autoral e modificável, nunca um documento pasteurizado vindo da Secretaria. “Pode-se dizer que é um documento vivo porque nunca é definitivo, congelado. E vivo porque serve de referência de trabalho para a equipe”, acrescenta Iracema. Segundo ela, o PPP é muito útil até mesmo quando há professores que trabalham em outras unidades. “Esse professor já tem o desafio de se adaptar. O ambiente sempre acaba direcionando suas práticas. Quando ele conhece o projeto, ao menos fica claro o que é esperado dele.”

As famílias também precisam ter participação, mas partindo do princípio de que não são profissionais de educação. “A equipe escolar tem que equilibrar os desejos e questionamentos com sensibilidade e profissionalismo. As famílias podem questionar uma proposta por trabalhar com questões de gênero e sexualidade e cabe à escola explicar os porquês, a importância do tema. Acaba havendo um processo formativo para as famílias também”, pontua Iracema.

projeto político-pedagógico

Iracema Nascimento, professora na USP: O Projeto Político-Pedagógico é um documento vivo porque nunca é definitivo, congelado (Foto: arquivo pessoal)

Pedagogia do afeto

Nas escolas geridas pela Associação Ceteb, em Feira de Santana, Bahia, e em Belo Horizonte e Sabará, Minas Gerais, a diretora pedagógica Lúcia Maria Araujo Machado diz que a pedagogia do afeto é central. Isso implica trabalhar o vínculo e tratar respeitosamente cada estudante e também suas famílias, mesmo quando há conflitos. 

“Família não quer ser chamada na escola para ouvir reclamações. Trazer alguém para a escola para dizer ‘seu filho não estuda’ é muito violento. Procuro conduzir o diálogo de outra forma, sempre apontar os pontos positivos do estudante, mostrar o quanto ele está crescendo e discutir o apoio de que ele precisa para se desenvolver mais”, afirma.

Mais do que explicar sobre o PPP para os responsáveis, há ocasiões em que se faz necessário tratar de questões legais. “Tem família que quer deixar o menino sem dormir para ficar estudando. Explicamos que essa não é nossa estratégia de trabalho. Tem pais que, quando o filho faz algo errado, nos dizem que vão dar uma surra nele. Aí falo que ele está aprendendo e que vai errar às vezes. Falo também do ECA, dos direitos que eles têm”, cita Lúcia Maria. A escola tem unidades particulares, mas também administra unidades públicas, com um público de extrema vulnerabilidade.

Segundo a coordenadora, adotar a pedagogia do afeto implica necessariamente conhecer bem os estudantes, independentemente do perfil socioeconômico, para trabalhar com projetos que os mobilizem. “Criança não aprende sem vínculo. Não se trata de dar beijos ou abraços, mas de tocar o sentimento, de mostrar afeto. A gente canta, faz poesia, brinca, joga, e abordamos temas relevantes para as turmas”, explica.

O PPP da Ceteb foi transformado em um diagrama mental, que fica exposto nas paredes de todas as unidades, conta a diretora Lúcia Maria Araujo Machado (Foto: arquivo pessoal)

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Quando professores reclamaram que uma turma falava muito palavrão, a resposta foi fazer um projeto sobre o tema, para eles estudarem sobre a origem dos palavrões e alternativas linguísticas. Em paralelo, a coordenadora foi trabalhando o comportamento. “A gente identificou o ‘líder’ e o chamei para uma conversa pedindo ajuda, contando que os professores vinham reclamando da turma, mas que eu tinha certeza de que ele me ajudaria a mudar esse estigma, que seria um exemplo para os colegas”, relata Lúcia.

Assim, a escola vai se adaptando, mas sem perder os princípios que a norteiam. E, para que não haja dúvidas, o PPP da escola foi transformado em um diagrama mental, que fica exposto nas paredes de todas as unidades. “Parece que dá muito trabalho, mas na maioria das vezes os professores gostam e querem ficar na escola. Os estudantes também”, garante Lúcia Maria Araujo Machado.

Pedagogia do afeto é central nas escolas da Associação Ceteb, unidades Bahia e Minas (Foto: arquivo pessoal)

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