NOTÍCIA
Com inscrições abertas até 1º de outubro, a iniciativa do Fneei, Instituto Socioambiental e Instituto Alana visa reconhecer e divulgar ações pedagógicas que fortaleçam a efetivação da Lei 11.645/08; candidatos concorrem a R$ 2 mil
Para fazer valer a Lei nº 11.645/08, que tornou obrigatório o ensino das histórias e culturas indígenas e afro-brasileira nas escolas, o Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena (Fneei), o Instituto Socioambiental (ISA), em parceria com o Instituto Alana, acabam de lançar o edital Aldear a Educação Básica: Fortalecendo a Lei 11.645/08, por mais histórias, culturas e saberes indígenas nas salas de aula no Brasil.
O objetivo é reconhecer e divulgar experiências educativas no ensino de histórias, culturas e saberes indígenas nas salas de aula brasileiras, como forma de valorizar a sociodiversidade indígena, combater o racismo contra povos indígenas, reconhecer a importância dos conhecimentos dos povos indígenas para o enfrentamento da crise climática e evidenciar histórias indígenas milenares até as mais recentes que têm lugar no território atualmente reconhecido como Brasil. As ações pedagógicas selecionadas serão disponibilizadas gratuitamente no site Mirim.org, tornando-se referência em escolas de todo o Brasil.
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“O edital é estratégico porque reconhece práticas já existentes, mas também funciona como um chamado à responsabilidade do Estado, da sociedade, das instituições de ensino e dos profissionais da educação para a efetivação real da Lei, que é fruto da luta histórica pelo reconhecimento dos saberes dos nossos povos. Ele atua como uma quebra do racismo da ausência, como afirma a deputada Célia Xakriabá, mostrando que o silêncio e a omissão também são racismo. É um convite à mudança de olhar — não genérico — sobre nossos corpos e povos, para não nos colocarem em caixinhas do folclore e para ensinar crianças, jovens e adultos que, antes da colonização, já estávamos aqui e somos construtores dessa invenção chamada Brasil”, afirma a professora-gestora da Escola Municipal Indígena Guarani Para Poty Nhe’ē Ja, em Maricá (RJ), e coordenadora-executiva do Fneei Martinha Mendonça, do povo Guajajara.
“Quando a gente considera um Brasil que é racista estruturalmente, pensar em práticas como essas que atravessam a escola é uma forma de resistência. Nesse sentido, o edital pode potencializar as resistências que a escola produz diante de um país que nos nega”, defende.
Foto: Shutterstock
Cada candidato poderá apresentar quantas propostas quiser, mas apenas uma poderá ser premiada por pessoa. As selecionadas integrarão a um repositório de boas práticas que estará disponível no site mirim.org. Além disso, as 10 mais criativas e com maior potencial de impacto na comunidade escolar receberão um certificado de reconhecimento e R$2 mil reais em um vale-presente.
A iniciativa é destinada a professores indígenas e não indígenas da educação básica, incluindo Educação de Jovens e Adultos (EJA) e educação profissional técnica de nível médio.
As práticas devem abordar temas como saberes indígenas no enfrentamento da crise climática; tecnologias indígenas e educação alimentar; histórias indígenas; violações de direitos dos povos indígenas; artes e expressões indígenas contemporâneas; línguas, literaturas e oralidades indígenas; racismo ambiental; saúde e bem-viver; enfrentamento ao racismo; sociodiversidade indígena, interculturalidade e respeito às diferenças.
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Para garantir a representatividade, 50% das atividades premiadas serão de autoria de professores(as) indígenas. Segundo Martinha Mendonça Guajajara, essa é uma política muito importante, mas recente nos editais e concursos. “Somos nós aqueles que sabemos falar melhor sobre os nossos povos. Então, nossas práticas podem contribuir com outras, em um diálogo intercultural que pode potencializar esse lugar”, explica.
As propostas serão avaliadas com base em critérios como impacto, adequação ao tema, criatividade e abordagem intercultural e interdisciplinar. Serão desclassificados trabalhos com conteúdo discriminatório ou em desacordo com os direitos humanos.
As inscrições estão abertas até o dia 1º de outubro de 2025 e os resultados serão divulgados em dezembro de 2025.
Para participar, os interessados devem acessar o regulamento do edital e enviar suas propostas de atividades via formulário. Clique aqui para saber mais e se inscrever.
Sancionada em 2008, a Lei nº 11.645 foi proposta como forma de expandir a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-brasileira, disposta na Lei nº 10.639/2003, ao ensino de História e Cultura Indígena e Afro-Brasileira. Ambas as normativas alteram o artigo 26-A da Lei nº 9394/1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). A mudança veio como resposta às demandas do movimento indígena e para valorizar e reconhecer as contribuições histórico-culturais, econômicas, sociais e ambientais dos povos indígenas.
A atuação de professores indígenas tem sido essencial para ampliar a efetivação da Lei que dentre as normativas que deveriam ter sido instituídas para orientar sua implementação, até o momento teve apenas o parecer nº 9 publicado pela Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação (CNE) em 2015.
É o caso da professora Marize Vieira de Oliveira, do povo Guarani, que atua em uma escola regular no Rio de Janeiro (RJ). Uma das professoras alcançadas pelo levantamento feito pelo ISA em parceria com o Fneei e o Instituto Alana, ela conta que começou a dar oficinas para aplicação da Lei ao perceber como a educação escolar é eurocêntrica e invisibiliza pessoas indígenas. “A grande maioria diz não saber onde procurar e como fazer. Saem das universidades sem nunca ter tido aulas sobre história e cultura indígena. Nos livros didáticos, nos congelam no século XVI e quando aparecemos, é só nas aldeias e de cocar”, relatou.
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A professora Rose Sateré-Mawé, secretária-executiva do Fneei, também lidou com um contexto parecido. Sua motivação para fazer formações com professores não indígenas, no entanto, veio de uma situação de racismo vivenciada por seu sobrinho numa escola pública em Brasília. “Ao acompanhar o caso, dialoguei com a diretora e os professores e percebi que havia uma grande dificuldade da equipe em lidar com a diversidade. Como resposta ao episódio, a escola chegou a sugerir a transferência do meu sobrinho para outra unidade que atendesse alunos indígenas”, conta.
Diante desta situação, Rose Sateré-Mawé propôs uma formação sobre a Lei ao corpo docente abordando aspectos como demografia indígena atual, línguas, modos de vida, lutas históricas, ciências e saberes indígenas, e suas contribuições para a sociedade brasileira em diversas áreas. Como resultado, ela relata que a escola passou a adotar uma nova postura nas práticas pedagógicas e no ambiente escolar, o que refletiu em um ambiente mais acolhedor tanto para seu sobrinho, quanto para outros estudantes indígenas e negros.
É para que iniciativas como estas se multipliquem que o edital Aldear a Educação Básica foi idealizado, explica Martinha Mendonça Guajajara.
“O edital é uma retomada política. Ele é fundamental para enfrentar o racismo da ausência, rompendo com a tentativa de invisibilizar nossos povos, nossas culturas e nossos conhecimentos, e para fortalecer práticas que reconhecem essa presença viva na escola e entre professores, sejam indígenas ou não. Sendo o currículo não apenas o que está prescrito em documentos, mas aquilo que se faz no cotidiano da escola. É esse cotidiano que queremos revelar e transformar através da Lei 11.645/08 e deste edital”, afirma.
O edital vem na sequência de uma série de ações realizadas por Fneei, ISA e Instituto Alana para a promoção da Lei nº 11.645/08, como o levantamento lançado em abril sobre o papel dos professores indígenas na aplicação da normativa, e da nota técnica “Lei 11.645/08: Ensino de História e Cultura Indígena”, lançada em dezembro de 2024, durante o Encontro Nacional de Educação Escolar Indígena, em Brasília.
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