NOTÍCIA
Em entrevista, advogado explica como as instituições terão de se adequar às novas diretrizes — prazo é até maio do ano que vem
Por Raul Galhardi | O Brasil vive uma epidemia de transtornos mentais provocados pelo trabalho, tendo o maior número de afastamentos do ambiente laboral dos últimos 10 anos. Dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) revelam que, em 2024, mais de 470 mil trabalhadores de diferentes áreas pediram afastamento das suas funções por esses motivos, o que representa um aumento de 68% em relação ao ano anterior.
Nesse contexto, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) decidiu atualizar, no ano passado, a Norma Regulamentadora 1 (NR-1), um dos principais instrumentos da lei trabalhista, para garantir a saúde e a segurança no ambiente de trabalho. Entre as principais novidades está a inclusão dos fatores de riscos psicossociais no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) das organizações, tornando o cuidado com a saúde mental uma obrigação dos empregadores de diferentes empresas, incluindo, também, as escolas.
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“Os ambientes de trabalho ligados à educação envolvem atividades complexas e emocionalmente exigentes, com riscos físicos, ergonômicos e, principalmente, psicossociais — que a NR-1 agora reconhece formalmente como parte dos riscos ocupacionais”, afirma Leonardo Almudim de Oliveira, advogado trabalhista com atuação na área da educação.
Nesta entrevista exclusiva para a Academia Líderes da Educação, o especialista trata dos principais pontos trazidos pela atualização da norma e o que as instituições de ensino devem fazer para se adequar às mudanças, levando em conta que, diante da pressão do setor empresarial, o MTE decidiu adiar por um ano (até maio de 2026) a aplicação integral das novas diretrizes, dando tempo para as organizações implementarem as alterações necessários exigidas pela NR-1. Confira.
Leonardo Almudim de Oliveira é advogado trabalhista com atuação na área da educação (Foto: arquivo pessoal)
Criada pela Portaria nº 3.214 em 1978, esta mudança recente tornou a NR-1 mais preventiva, centrada na gestão de riscos e na responsabilidade das empresas, com foco na prevenção e no bem-estar dos trabalhadores — especialmente relevante em contextos de estresse ocupacional, como o vivido nas instituições de ensino.
A partir desta mudança, houve a substituição do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPPRA) pelo Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO), que determina que todas as empresas tenham um sistema estruturado para identificar, controlar e monitorar todos os riscos ocupacionais (físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e psicossociais), devendo propor ações preventivas para proteger a saúde mental dos trabalhadores.
O GRO deve ser documentado por meio de dois instrumentos: o Inventário de Riscos Ocupacionais (IRO), no qual serão listados e classificados os riscos por função e ambiente; e o Plano de Ação, em que serão estabelecidas medidas preventivas e corretivas planejadas.
Alguns problemas comuns são: professores sobrecarregados com excesso de turmas e tarefas extracurriculares (provas, relatórios, reuniões); colaboradores que sofrem pressão por resultados (avaliações externas, metas de desempenho); assédio moral por parte de superiores ou pais de alunos; e falta de apoio psicológico institucional.
Também merecem atenção os riscos ergonômicos, frutos de longas horas sentados em cadeiras inadequadas ou em pé sem apoio, por exemplo, e a inobservância aos riscos físicos e ambientais: salas de aula com acústica inadequada, o que acaba por gerar esforço vocal excessivo e problemas na voz nos professores; má ventilação ou calor excessivo em salas e refeitórios; e exposição a produtos de limpeza fortes sem Equipamento de Proteção Individual (EPIs) adequados, no caso de colaboradores da cozinha, lanchonete e setor de limpeza.
Foto: Shutterstock
Elas devem implementar uma gestão ativa, contínua e documentada dos riscos ocupacionais, com atenção especial à saúde mental e emocional dos trabalhadores. Para tanto, precisam elaborar o IRO, através do qual serão identificados todos os riscos ocupacionais por setor e função (professores, coordenadores, administrativos, etc.), bem como avaliar frequência, gravidade e probabilidade desses riscos.
Após o inventário, a instituição deve definir ações preventivas e corretivas com prazos, responsáveis e metas (Plano de Ação). Alguns exemplos de ações voltadas para riscos psicossociais são: criar política interna de combate ao assédio moral e sexual; estabelecer canal sigiloso de escuta e denúncia, com suporte psicológico; rever a distribuição de carga horária e metas dos docentes.
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As instituições de ensino também devem promover treinamentos voltados à segurança do trabalho, sendo obrigatória a inclusão de conteúdos relacionados à saúde mental. Portanto, treinamentos sobre prevenção do estresse e burnout; oficinas de comunicação não-violenta e práticas restaurativas; capacitação das lideranças em escuta ativa e empatia; e orientação para identificar sinais de adoecimento emocional são exemplos.
Por fim, deve-se documentar tudo e revisar periodicamente o IRO e o Plano de Ação, conforme mudanças no ambiente ou relatos de novos casos, registrando-se formalmente os treinamentos, ações e entrega de equipamentos de segurança.
O adiamento tem como objetivo proporcionar um período de adaptação para os ajustes de processos e a promoção de ambientes de trabalho mais seguros com base no item 1.5 da NR-1, que trata de forma específica do gerenciamento de riscos ocupacionais. Para acompanhar a implementação da norma, será criada uma Comissão Nacional pelo governo federal, a qual atuará fiscalizando com o objetivo de auxiliar e orientar sobre o processo de adequação à NR-1.
Dentro deste período, não serão aplicadas penalidades nem feitas autuações, sendo papel da fiscalização orientar as instituições. Já após maio de 2026, as organizações poderão ser autuadas e multadas, caso elas não estejam de acordo com as normas.
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