NOTÍCIA

Olhar pedagógico

Autor

Sérgio Rizzo

Publicado em 06/08/2025

Em filmes, jovens se sentem estereotipados

Saúde mental está no topo do interesse deles no cinema e séries. Histórias de terror, com fantasia e metáforas também chamam a atenção das juventudes, revela pesquisa

Quem passa neste momento (ou já passou) pela adolescência sabe que o mundo adulto — pais, educadores e outras figuras professorais — costuma se colocar na posição de dizer com segurança o que o jovem quer e o que o jovem pensa, frequentemente sem se dar ao trabalho de ouvi-lo. No mundo regido pelos algoritmos, esse distanciamento aumentou mais um ponto: muita gente acredita que bastaria prestar atenção ao que os dados de navegação e interação pelas redes mostram para saber o que desejam os jovens. Na produção audiovisual, por exemplo, as métricas das plataformas de streaming se encarregariam de apontar para preferências, resistências e outras características do consumo de filmes e séries. Em tese, bastaria seguir tais parâmetros para satisfazer essa parcela do público.

Não foi bem o que revelou a pesquisa divulgada recentemente, Escutar para Criar, realizada pela produtora Haikai Filmes em parceria com a Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, através da Lei Paulo Gustavo. Participaram do estudo 533 adolescentes, na faixa de 16 a 18 anos, e que vivem na capital, na Baixada Santista e em cidades do interior do estado. 

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Ao responderem às 39 questões da pesquisa, divididas em quatro blocos, eles manifestaram opiniões que, em alguns casos, contradizem pressupostos utilizados pela indústria do audiovisual para criar narrativas audiovisuais dirigidas a essa faixa de público, representada na pesquisa por ‘um perfil de baixa renda, com uma diversidade racial relevante e uma considerável presença religiosa’ (ver quadro).

“Sempre tive o desejo de estudar um pouquinho mais, por uma perspectiva que não fosse só algorítmica, o que leva os adolescentes a escolher o que consomem”, conta a cineasta Caroline Fioratti, idealizadora e produtora da pesquisa. Especializada no público juvenil, ela é diretora dos filmes Meus 15 anos (2017) e Meu casulo de Drywall (2023), e das séries A grande viagem (2019) e Temporada de verão (2022), entre outros títulos. 

“Às vezes eu sugiro uma storyline (argumento), uma narrativa ou um gênero às empresas de streaming, e escuto muito: ‘ah, isso os jovens não querem, isso a nossa pesquisa mostrou, isso o algoritmo disse’. E eu fico sem ter como justificar.”

Escutar as juventudes por uma perspectiva que não apenas a algorítmica levou a cineasta Caroline Fioratti a ser idealizadora da pesquisa (Foto: divulgação)

Resultados

Caroline inclinou-se então a buscar informações ‘abertas para todos’ e ‘democráticas’ pensando em auxiliar os profissionais desse mercado, “para que a gente possa começar a questionar e sair um pouco do que é o padrão”. 

Os resultados de Escutar para Criar mostram que os adolescentes ‘se sentem estereotipados’ e que ‘não aguentam mais ver sempre os mesmos filmes’. Caroline destaca que “eles colocaram lá que gostam de filmes de terror, que têm fantasia, metáforas, e isso a gente não faz aqui no Brasil para eles”. Foi então uma forma de mostrar para o mercado um ‘potencial de criatividade’ para esse público e que “talvez a gente não esteja usando por medo e por falta de informação”.

filmes

O psicólogo e ator Fabio Redkowicz, coordenador da pesquisa, associou-se a Caroline na tentativa de entrar “na questão mais subjetiva, na singularidade” dos adolescentes. “O algoritmo é muito bom, uma ferramenta muito potente, mas ao mesmo tempo a gente queria escutar para criar mesmo”, afirma. “Até o título do projeto está relacionado com isso, escutar o que de fato essas pessoas querem ver. Temáticas que talvez possam parecer desinteressantes, para quem vai produzir, mas que são de interesse do adolescente. No grupo de mestrado em Psicologia Social de que faço parte na USP (Universidade de São Paulo), pesquisamos a questão algorítmica e a questão das redes sociais também. O quanto muitas vezes aquilo que a gente pensa desejar é de fato aquilo que a gente deseja? O quanto a gente tem, muitas vezes, uma opinião enviesada por conta daquilo que chega para a gente? De fato é aquilo que eu quero ver, ou eu gostaria de ver outra coisa?”

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A saúde mental apareceu no topo da lista de assuntos que os adolescentes gostariam de ver tratados em filmes e séries. “Em contrapartida, o que a gente viu é que as redes sociais e a internet, de uma forma geral, são um dos assuntos que eles menos querem ver no cinema”, afirma Caroline. “Isso não se sabe, né? Porque todo mundo coloca (nos filmes e séries) mais rede social, coloca mais eles interagindo por WhatsApp, por TikTok. E aí a gente descobre que eles não querem ver isso. Eles querem amizade, saúde mental, amor. E o que eles não querem? Rede social, tecnologia e sexo, separando o sexo do amor.” 

Fabio considera sintomático que a saúde mental venha em primeiro lugar. “Isso diz muito respeito à forma como a gente vive hoje, principalmente os jovens. Eles acabam passando por muitas situações de pressão, tendo que decidir que faculdade fazer, que curso fazer, além das próprias transformações corporais. Tem muita gente querendo respostas, ‘o que está acontecendo comigo?’ Outro ponto importante é que eles sentem que são representados de forma estereotipada. Então, de fato, acho que a gente não está ouvindo. E eu vou além. Acho que, de forma geral, a gente está com dificuldade de ouvir o outro.”

filmes

Jovens manifestaram opiniões que, em alguns casos, contradizem pressupostos utilizados pela indústria do audiovisual para criar narrativas dirigidas a essa faixa de público (Foto: Shutterstock)

Telas e mais telas

“Estamos muito conectados às telas, acho isso meio doido.” A percepção é de Enzo Leal, 19 anos, que estudava na Escola Estadual Leopoldo José de Sant´ Anna, em São Vicente, quando participou da pesquisa Escutar para Criar. Hoje ele está no segundo ano das Oficinas Querô e trabalha na pré-produção de um curta de ficção. 

“Passei grande parte da minha infância, da minha pré-adolescência, na frente ou da tela do computador ou do celular, vendo YouTube, desde vídeos mais longos até conteúdo mais curto. Infelizmente, eu não vou com tanta regularidade ao cinema quanto eu gostaria, devo admitir. Mas vejo bastante filme em casa, pelo serviço de streaming. A gente tem muito conteúdo pra ver em casa, mas a experiência do cinema é incomparável. Eu diria que vejo, em média, de 15 a 17 horas por semana de conteúdo audiovisual.”

Enzo diz que, no momento, tem assistido a mais produções nacionais e quer reassistir a toda a trilogia Minha mãe é uma peça. “Sempre vi o cinema como um espaço mais seguro e confortável para se expressar, para se sentir mais livre, para falar sobre certas coisas. Tem um filme que foi produzido aqui na Baixada Santista, Noroeste, que fala sobre tópicos que no Brasil não eram para ser tabus, mas hoje parece que voltou a ser algo perigoso de se falar, como a comunidade LGBTQIA+, corpos negros, corpos trans. Esse filme fala disso com uma naturalidade, com uma beleza. Eu queria ver mais filmes que tratam essas questões dessa maneira, com mais carinho, com mais naturalidade, com cuidado também, mas também sem medo algum”, destaca Enzo.

“Estamos muito conectados às telas, acho isso meio doido”, reconhece Enzo Leal, de 19 anos (Foto: arquivo pessoal)

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