NOTÍCIA
Governo federal afirma ter conseguido orçamento para compra integral dos livros previstos — anúncio inicial era de aquisição parcial. Editoras aguardam definição de calendário
Por Rosi Rico para a revista Educação | O Ministério da Educação (MEC) afirma ter assegurado toda a verba para a compra de livros didáticos e literários para as escolas públicas de educação básica, prevista no Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD).
Isso significa, segundo estimativa da Associação Brasileira de Livros e Conteúdos Educacionais (Abrelivros), complementar em cerca de R$ 1 bilhão o orçamento federal inicialmente aprovado, que era de R$ 2,04 bilhões e foi apontado como insuficiente.
“O MEC sofreu cortes relevantes no orçamento 2025 e trabalha com afinco pela recomposição orçamentária que garanta a plena execução dos programas da pasta. Para o PNLD, já estão garantidos todos os recursos para aquisição integral das obras previstas.” A afirmação, enviada por meio de nota oficial pela assessoria do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) — órgão responsável por executar e gerenciar o PNLD —, foi divulgada após a repercussão negativa, em julho, a respeito da compra parcial dos livros. Foram solicitadas às editoras apenas os livros de português e matemática dos anos iniciais e anos finais do ensino fundamental. Para disciplinas como ciências, história, geografia e arte não havia previsão de compra.
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“Português e matemática são disciplinas estruturantes na formação dos alunos, mas seria um prejuízo pedagógico muito grande eles não terem os conteúdos de ciências, história, geografia e arte”, diz José Ângelo Xavier, presidente da Abrelivros.
“A decisão de limitar a aquisição de livros a apenas duas disciplinas do ensino fundamental é inaceitável e pode levar o PNLD a um ponto de não retorno para a educação pública de qualidade. Em um cenário em que plataformas, produtos digitais e impressos desprovidos de avaliação são adquiridos por entes federados, questionamos: para onde caminha a educação pública brasileira?”, indagou Maria Cecilia Condeixa, presidenta da Associação Brasileira dos Autores de Livros Educativos (Abrale), em carta aberta ao ministro da Educação, Camilo Santana.
Corte no orçamento 2025 do MEC afeta o Programa Nacional do Livro e do Material Didático – PNLD (Foto: Marcelo Casal Jr/Agência Brasil)
Com a verba completa, a Abrelivros indica ser possível adquirir cerca de 240 milhões de exemplares, incluindo reposições de todos os componentes curriculares para os anos iniciais e anos finais do ensino fundamental, livros para o ensino médio e para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), além de obras literárias.
Até o fechamento desta edição, porém, a Abrelivros não havia recebido nenhum comunicado oficial do governo, de acordo com Ângelo Xavier. “É uma surpresa [o anúncio da aquisição integral] e estamos tentando verificar, porque até então a informação era de recurso restrito e compra parcial. Esperamos que o governo formalize essa posição para podermos tranquilizar os autores e as editoras associadas”, afirma o presidente da entidade. “Precisamos também saber mais detalhes do que será adquirido e qual será o calendário de compras”, completa.
A nota oficial é vaga sobre cronograma e informa apenas que “o FNDE está adotando a compra escalonada como estratégia para o ensino fundamental, atendendo a uma demanda das redes de ensino e em consonância com a avaliação das equipes pedagógicas do programa. As compras para a EJA, cuja licitação está na fase final, estão garantidas. Na sequência, serão adquiridas as obras para o ensino médio”. Questionada se há recursos também para os editais de obras literárias em andamento, a assessoria do FNDE afirmou que sim.
“Desde o início, temos discutido que não se trata apenas da negociação com as editoras. Há a parte industrial”, destaca Ângelo Xavier, da Abrelivros (Foto: divulgação)
Além da preocupação com a possível falta de material para estudantes de escolas públicas de todo o país, o alerta acionado pelas editoras e pelos autores foi feito por conta do prazo para finalizar o processo de produção e garantir a entrega até o início de 2026. Vale ressaltar que há ainda três etapas: a negociação com as editoras, a impressão nas gráficas e a logística para distribuição e entrega das obras.
“Desde o início, temos discutido que não se trata apenas da negociação com as editoras. Há a parte industrial. É preciso respeitar a capacidade instalada das gráficas e a logística de entrega dos Correios. Por isso, entendemos que a janela para a negociação é relativamente pequena e vai até a segunda quinzena de agosto”, explica Ângelo. “Se o governo realmente enviar os pedidos neste prazo, conseguimos encaixar dentro da produção gráfica, inclusive contando com os novos programas que virão na sequência”, completa.
O PNLD visa selecionar livros didáticos e literários para serem distribuídos gratuitamente em escolas públicas de educação básica. Antes da etapa industrial, o processo inclui, resumidamente, lançamento de edital com os critérios esperados para cada obra, elaboração dos materiais pelas editoras, avaliação pedagógica feita por especialistas para a definição do que irá compor cada catálogo e escolha por parte dos professores.
A cada quatro anos, uma etapa de ensino ganha novas obras didáticas e literárias. Historicamente, o governo segue a seguinte ordem para o lançamento de editais: anos iniciais do ensino fundamental, anos finais do ensino fundamental, ensino médio e educação infantil. Em 2023, saiu o edital de livros didáticos para a EJA, depois de um hiato de 10 anos, que agora está em fase final de licitação. Nos anos em que não há compra de obras novas, o FNDE distribui somente materiais para reposição.
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Em tese, todo o processo, do lançamento do edital à chegada dos livros às salas de aula, deveria durar 24 meses. Mas os atrasos são comuns, segundo Rafael Silvaro, coordenador editorial de livros, sócio das editoras Madrepérola e Verne, além de produtor cultural. “Ao menos desde 2018, quando ocorreram as inscrições para o edital 2020 de obras literárias, os atrasos são frequentes. O que faz isso ser corriqueiro? Em nossa percepção, o FNDE tem poucos servidores para atender toda a demanda”, diz.
Atualmente, há dois atrasos acumulados na compra de obras literárias. Em agosto, está prevista a negociação para a compra de cerca de 30 milhões de exemplares, segundo a Abrelivros, para o Programa Literário/PNLD 2023. A escolha dos livros do Programa Literário/PNLD 2024 foi adiada para setembro. A estimativa da Abrelivros é para uma compra entre 10 e 20 milhões de exemplares.
Dentre os programas didáticos, também há negociações referentes às compras atrasadas. De acordo com o levantamento da Abrelivros, duas são de reposições para o Programa Didático/PNLD 2023 dos anos iniciais do ensino fundamental: a previsão era de compra de 59 milhões de livros didáticos, considerando todas as disciplinas, mas só foram pedidos 23 milhões, que correspondem aos exemplares de português e matemática; e 40 milhões dos chamados livros de prática, nos quais os estudantes podem fazer exercícios e anotações e, portanto, não podem ser reutilizados de um ano para o outro.
Os atrasos nos editais estão comuns, afirma Rafael Silvaro, coordenador editorial de livros (Foto: arquivo pessoal)
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Para os anos finais do ensino fundamental, era prevista a compra de 12 milhões de livros didáticos para reposição dentro do Programa Didático/PNLD 2024. Depois de adiar de março para julho, o pedido ficou restrito a três milhões de exemplares de português e matemática.
A compra parcial, anunciada inicialmente, iria atingir também o Programa Didático 2026 do ensino médio, para o qual está prevista a compra de 84 milhões de exemplares, que irão incorporar as novas diretrizes para o segmento, resultado das propostas enviadas pelo governo e aprovadas pelo Congresso no ano passado.
Para Rafael, quando o governo consegue que os servidores agilizem os processos, esbarra na questão orçamentária, como ocorreu agora. “Uma vez que se decidiu por realizar mudanças na reforma do ensino médio, já era previsível o atraso deste edital. Então, o governo deveria ter se organizado para compor o orçamento contando com esse acúmulo de editais”, acredita Rafael. “Nós não sabemos exatamente como ocorrem as discussões orçamentárias no Congresso, mas todo esse volume de compras já era previsível”, reforça Ângelo Xavier.
Agora que, segundo MEC e FNDE, o governo conseguiu completar o orçamento, resta o desafio de reorganizar o calendário do PNLD para que os atrasos não continuem se acumulando.
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