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Débora Garofalo

Primeira sul-americana finalista do Global Teacher Prize, prêmio que a colocou entre os 10 melhores professores do mundo

Publicado em 17/07/2025

Sem professor, não há plano: o desafio de colocar a carreira docente no centro do PNE

Concretização do novo PNE depende de ação política coordenada e priorização orçamentária nas três esferas de governo. Entenda os principais pontos para uma real valorização docente – destaque para a meta 16

No Brasil, discutir a qualidade da educação sem falar sobre professores(as) é ignorar a espinha dorsal do sistema educacional. A valorização da carreira docente não pode mais ser um apêndice das políticas públicas, mas, sim, o centro de qualquer proposta séria de transformação. 

O novo Plano Nacional de Educação (PNE) está em discussão, reconhece esse desafio e aponta diretrizes importantes. No entanto, o caminho entre o plano e a prática ainda é tortuoso e exige coragem política, financiamento adequado e, sobretudo, compromisso com a realidade das escolas públicas brasileiras.

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Dados que preocupam

Os dados mais recentes reforçam a urgência da pauta. Segundo a pesquisa Profissão docente, da Fundação Carlos Chagas (2023), mais de 40% dos professores e das professoras afirmam considerar deixar a profissão. 

A desvalorização salarial é um dos principais fatores: o rendimento médio dos docentes corresponde a apenas 86% do salário de outros profissionais com o mesmo nível de escolaridade, segundo o IBGE. Essa realidade contraria a meta 17 do PNE anterior, que previa a equiparação até 2020 — uma meta não cumprida.

Outro dado alarmante vem do Censo Escolar 2023: 58,3% dos docentes não haviam participado de nenhuma formação continuada no último ano. A ausência de planos de carreira estruturados também é preocupante: apenas 48,1% das unidades federativas e 22,5% dos municípios atendem plenamente os critérios estabelecidos de piso e progressão profissional.

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Esses números revelam um sistema que ainda depende da resiliência individual de seus educadores para funcionar. Sem condições de trabalho adequadas, formação constante e valorização real, qualquer plano educacional corre o risco de naufragar.

carreira docente

No Brasil, discutir a qualidade da educação sem falar sobre professores(as) é ignorar a espinha dorsal do sistema educacional (Foto: Shutterstock)

O que o novo PNE aponta?

O novo PNE traz avanços significativos, especialmente na meta 16, dedicada à valorização e ao desenvolvimento da carreira docente. Entre as principais estratégias, destacam-se:

  • Incorporação do Custo Aluno-Qualidade (CAQ): isso permite que o financiamento da educação leve em conta salários dignos e estrutura adequada, tornando a valorização algo financiável, e não apenas discursivo;
  • Meta 16.d: determina que pelo menos 70% dos professores e das professoras tenham vínculo estável via concurso público — uma resposta à precarização das contratações temporárias;
  • Estratégia 16.15: introduz o cuidado com a saúde mental de docentes como uma diretriz de política pública, reconhecendo os altos índices de adoecimento da categoria;
  • Estratégia 16.2: propõe a articulação entre União, estados e municípios para garantir formação continuada de forma universalizada, com base nas competências digitais e nos desafios contemporâneos da profissão.

Essas diretrizes são fundamentais, mas sua concretização depende de ação política coordenada e da priorização orçamentária nas três esferas de governo.

Caminhos para as políticas públicas 

A valorização docente exige planejamento e ação local. Algumas estratégias que podem ser adotadas por redes de ensino para colocar a carreira docente no centro de suas políticas merecem ser pontuadas.

Primeiramente, garantir a valorização docente passa, necessariamente, pela implementação de planos de carreira sólidos e pela efetiva aplicação da Lei do Piso (11.738/2008). 

Isso significa não apenas assegurar a remuneração mínima, mas também revisar os planos de carreira, estabelecendo critérios claros e justos de progressão, como titulação, tempo de serviço e desempenho pedagógico. 

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Hora de reavaliar a avaliação escolar

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Experiências bem-sucedidas em municípios como Sobral (CE) e Teresina (PI) mostram que, quando o professor é valorizado, os resultados de aprendizagem também melhoram significativamente.

Outro ponto central é a formação continuada. Ela deve ser constante, de qualidade e, sobretudo, pertinente ao cotidiano escolar. A criação de percursos formativos específicos por etapas de ensino garante que os docentes consigam aplicar o que aprendem, fortalecendo sua prática pedagógica. Ferramentas como o AVAMEC e parcerias com universidades públicas podem potencializar essa oferta formativa.

Cuidar da saúde mental e do bem-estar dos educadores e das educadoras também é fundamental. A sobrecarga, o adoecimento emocional e o isolamento são realidades enfrentadas diariamente. Políticas que promovam a escuta ativa, apoio psicológico, horários equilibrados e gestão participativa contribuem para a permanência desses profissionais na rede com qualidade de vida e motivação. 

O programa Gerência de Atenção ao Bem-Estar dos Profissionais da Educação – GABEPE, da Seduc-TO, é um bom exemplo de como ações institucionais podem fazer a diferença.

Sem punição e com diálogo

Além disso, é preciso repensar os modelos de avaliação docente. Avaliações devem ter caráter formativo, e não punitivo. Quando combinadas com políticas de incentivo, como bonificações coletivas, reconhecimento público e apoio pedagógico, tornam-se ferramentas potentes para o aprimoramento profissional e o engajamento com os objetivos da rede.

Nenhuma política de valorização será eficaz se construída sem diálogo. É imprescindível escutar professores e professoras. Grupos de trabalho, consultas públicas e comissões compostas por gestores(as) e docentes contribuem para legitimar e sustentar as decisões no longo prazo. A escuta ativa fortalece vínculos e permite que as políticas reflitam as reais necessidades das escolas. 

Colocar o professor e a professora no centro das políticas educacionais requer ação coordenada, escuta, financiamento e, sobretudo, compromisso com a transformação da educação pública brasileira.

Professor(a) devidamente reconhecido(a)

Mais do que retórica, a valorização docente precisa ser compreendida como condição estruturante de qualquer avanço educacional. Como aponta o relatório da OCDE Teachers and school leaders as valued professionals (2020), países que mais avançaram em qualidade educacional foram aqueles que colocaram o(a) professor(a) no centro da política — como Coreia do Sul, Canadá e Finlândia.

O Brasil tem discutido um novo PNE. Mas, para que ele se concretize, é preciso investir onde realmente importa: o plano é o meio, e o professor é o motor para a transformação da educação.

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