Diretora pedagógica do Colégio Santa Cruz, SP. É pedagoga com especialização em educação. Participou da produção e implementação do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores do MEC.
Publicado em 09/07/2025
Longe de meras ferramentas, as tecnologias impactam a experiência humana. Assim sendo, nós, educadores, temos um importante papel a desempenhar
Continuando a conversa sobre o tempo da escola entre permanências e transformações, proponho pensarmos: estudamos o uso de tecnologias apenas como ferramentas nas escolas, ou refletimos sobre a presença, em nosso currículo, das diversas manifestações da cultura digital? E qual seria o problema entre assumirmos uma ou outra perspectiva?
A relação da escola com as tecnologias sempre foi controversa e complexa. No passado, resistimos bravamente ao advento das canetas esferográficas substituindo as canetas-tinteiro, ao uso escolar das máquinas de datilografia e das calculadoras, bem como aos embates entre o giz e as canetas para quadros brancos ou digitais. E não seria diferente com os computadores e demais suportes digitais.
Mas, afinal, em quais concepções fundamentamos essas resistências? Seria nossa tendência ao saudosismo de tempos que nos parecem (seria uma ilusão?) menos controversos e complexos para a experiência escolar? Ou ainda, uma reação à ameaça ao pretenso controle do professor sobre a produção dos alunos? Resistimos ao que, de fato, poderia colocar em risco a experiência civilizatória oferecida pela escola ou, como alguns afirmam, temos um longo relacionamento com práticas obsoletas?
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A escola entre permanências e transformações
Sem tabus: como avaliar a educação midiática?
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Se nossas resistências revelam, de fato, um posicionamento crítico, ou ainda a exigência de que a comunidade docente possa construir formas de uso consistentes, não podemos considerar as tecnologias — e seus possíveis usos — como meras ferramentas ou ‘soluções’ para tornar o ensino mais ágil, lúdico ou interessante, sem refletirmos sobre os efeitos radicais na experiência humana, nas formas de aprender e ensinar a pensar, e, sobretudo, sem considerar o contexto ou panorama global no qual essas práticas se inserem e os propósitos a que elas servem.
Insisto que não são meros recursos, limitados às características técnicas e ferramentais. São meios de comunicação, práticas, modos de pensar e de funcionar, que carregam princípios e ideias que deveriam ser sempre ‘interpretados’ criticamente por seus usuários — e, sobretudo, pelos educadores.
Felizmente, podemos contar com pesquisadores que abordam essa temática numa perspectiva crítica e democrática, como David Buckingham, que nos convida à seguinte reflexão: “As escolas podem desempenhar um papel proativo ao apresentar tanto perspectivas críticas quanto oportunidades de participação em relação às novas mídias. E a participação dos jovens nos mundos cibernéticos levanta algumas questões fundamentais quanto ao futuro da escola como instituição”.
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Proibição dos aparelhos celulares não pode impedir a inserção da tecnologia nas aulas
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Se fazemos coro às vozes de Masschelein e Simons que definem a escola como a instituição que deve oferecer o mundo — como um bem comum — aos alunos, a fim de permitir sua renovação por meio da formação do interesse e da curiosidade, também deveríamos assumir nossa responsabilidade pelo ensino de modos de uso que permitam a construção de uma geração de usuários — consumidores ou produtores! — mais conscientes, críticos, éticos e criativos, atravessados também pela experiência digital.
Aos que acreditam que proteger é impedir o uso, defendo que a escola não deveria ignorar a cultura que tem atravessado a vida de seus alunos e alunas. A educação midiática, a cidadania digital, a fluência tecnológica, entre outros campos da experiência digital, não podem ser desconsideradas como objetos de conhecimento. Representam, de forma contundente, elementos da cultura contemporânea, que podem oferecer sofisticados insumos para o currículo, desde que sejam reconhecidas como formas legítimas de cultura.
A escola teria o direito, ainda que como forma de proteção, de evitar o trabalho com as culturas do digital? A questão é que, ao negar, não a enfrentamos como um direito de aprendizagem, abandonando nossos estudantes às lógicas do mercado, da cultura do consumo, do cyberbullying, das fake news…
Não se nega a urgência de regular usos e práticas, mas também não deveríamos cercear o direito — como educadores — de nos colocarmos, mais uma vez, no papel de mediadores comprometidos (Foto: Shutterstock)
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Deram-nos o espelho e vimos um mundo doente
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Da mesma forma, há aqueles que defendem um ensino restrito, limitado exclusivamente à preparação para a vida profissional, o que tampouco contribui para a formação primeira e essencial — educar pessoas melhores e mais justas, para um mundo melhor e mais justo.
Não se nega a urgência de regular usos e práticas, mas também não deveríamos cercear o direito — como educadores — de nos colocarmos, mais uma vez, no papel de mediadores comprometidos com a construção de habilidades fundamentais para o uso crítico.
Nossa responsabilidade, portanto, se afirma na construção de um currículo de cultura digital que estabeleça eixos, conteúdos, expectativas de aprendizagem e modalidades didáticas, capazes de garantir a progressão, a continuidade e a diversidade de situações de ensino ao longo de toda a vida escolar.
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