NOTÍCIA

Bett Brasil

Autor

Carol Firmino

Publicado em 29/04/2025

Phil Lambert: currículo escolar deve formar cidadãos globais

Consultor internacional aponta caminhos para manter a escola mais relevante e humana, alinhada às necessidades do presente e às incertezas do futuro

Reconhecido por atuar em projetos de reforma curricular em governos como os da Austrália e também em outros países, o educador e consultor internacional Phil Lambert conversou com a revista Educação sobre como preparar estudantes para os desafios globais do século 21. Professor adjunto na Universidade de Sydney e à frente de iniciativas da Unesco, OCDE e Banco Mundial, Lambert tem sido uma voz ativa em debates sobre equidade, inclusão e desenvolvimento sustentável dentro das salas de aula.

————————-

Agenda Bett

Phil Lambert estará presente na Bett Brasil 2025*, em 29 de abril, às 17h, para o painel Educação para um futuro sustentável: o papel do currículo na formação de cidadãos globais. Será na plenária, térreo.

————————-

 

Confira, a seguir, nossa entrevista exclusiva, realizada antes de sua viagem ao Brasil para o evento.

Quais são os elementos-chave de um currículo voltado para o futuro que realmente apoia a cidadania global?

Um currículo voltado para o futuro precisa valorizar a importância do que capacita os jovens a navegarem nesse mundo complexo e, por vezes, volátil. Precisa equilibrar habilidades e disposições essenciais, assim como competências que os permitam ser pensadores críticos, bons cidadãos globais, inovadores e ágeis em seus pensamentos e comportamentos, respeitosos com os outros e éticos em suas ações.

De que forma os educadores podem equilibrar o ensino de conhecimentos essenciais com o desenvolvimento dessas habilidades?

Não se apegando a conteúdos e práticas que foram mantidos apenas por tradição e que ocupam espaço em um currículo já sobrecarregado. Em seguida, reconhecendo que conhecimentos e habilidades fundamentais são essenciais, mas não suficientes para a vida e o futuro do trabalho, se quisermos que os jovens não apenas sobrevivam, mas prosperem.

Phil Lambert currículo escolar

Phil Lambert liderou o desenvolvimento do primeiro currículo nacional da Austrália (foto: divulgação)

Como preparar melhor os estudantes para navegar e contribuir positivamente em um mundo cada vez mais interconectado?

Para muitos estudantes, a escola pode parecer algo desconectado do que está acontecendo fora dela. Portanto, se queremos que os jovens vejam relevância no quê e em como estão aprendendo, os sistemas educacionais precisam utilizar tudo o que está disponível em seu ecossistema, local e globalmente. Isso significa abraçar a tecnologia — com medidas de segurança adequadas — e envolver profissionais de diversos setores para enriquecer as experiências de aprendizagem dos estudantes.

———————

Leia também

António Nóvoa: professores para libertar o futuro

Interdisciplinaridade: currículo que dialogue com a vida e dê sentido

———————

Quais seriam medidas de segurança adequadas nesse mundo interconectado — e qual deve ser o papel das escolas nesse sentido?


Precisamos, com cuidado, garantir que todas as medidas de segurança estejam presentes para proteger o uso da tecnologia, como bloqueios para certos conteúdos. Mas também temos que ensinar aos jovens habilidades relacionadas ao pensamento crítico — reconhecer que toda informação fornecida foi construída, e que, como audiência, eles julgam se aquilo é válido, se contém algum viés.

E isso não dá pra fazer pelos métodos tradicionais de ensino. Então, de certa forma, temos que expor os alunos às realidades da informação, às fake news, às imagens falsas — mas de um jeito que possamos apoiá-los e orientá-los para que reconheçam os mecanismos de checagem e o equilíbrio que precisam adotar. É evidente que eles têm acesso à tecnologia fora da sala de aula, então, temos que ensinar as competências de letramento digital.

Ainda nesse contexto, muitos países, incluindo o Brasil, enfrentam o aumento do discurso de ódio e da polarização. Qual é o papel da educação na promoção do diálogo respeitoso e da convivência democrática?


Devemos promover o respeito e os relacionamentos respeitosos, em termos de cultura, fé, religiões e gênero. Mas um dos primeiros passos é respeitar a própria identidade, garantir que os jovens se sintam bem consigo mesmos — com sua origem cultural, com qualquer que seja sua fé. Não basta que as crianças saibam as respostas certas, o que realmente importa é o comportamento que vemos na prática.

E, quando há atitudes negativas, precisamos reagir a elas e explicar por que são inapropriadas.

É claro que existem leis contra o discurso de ódio — isso seria, digamos, a intervenção em um nível mais extremo. Porém, o que deveríamos fazer nas escolas é aquilo que chamamos de prevenção primária. Ou seja, evitar que esses comportamentos negativos comecem.

Qual é o papel da formação e do desenvolvimento profissional dos professores na implementação de um currículo alinhado às demandas do século 21?

Esses fatores são fundamentais para a implementação. Muitas reformas impressionantes não se concretizaram devido ao que normalmente se chama de ‘preparo dos professores’. Existem dois tipos de preparo: um é relacionado à formação e ao desenvolvimento profissional serem oportunos e darem suporte às mudanças necessárias.

O outro diz respeito aos sistemas de crença dos professores… eles estão dispostos a mudar o que e como ensinam? Para abordar esse segundo tipo de preparo, os líderes em todos os níveis precisam abraçar a mudança e comunicar com clareza os benefícios para os estudantes, os educadores e o país.

Outro ponto que não pode ser ignorado, se quisermos que reformas necessárias realmente aconteçam, é a avaliação. De pouco adianta mudar o currículo e investir em formação de qualidade se não houver mudanças correspondentes nas abordagens tradicionais de avaliação da aprendizagem e do progresso dos alunos.

O Brasil é um país com realidades diferentes dentro do mesmo território. Como um currículo voltado para o futuro pode ser adaptado para atendê-las e reduzir as desigualdades educacionais?


Vocês têm um país lindo, uma população indígena, paisagens incríveis, áreas rurais e remotas… Muitos recursos naturais e regiões degradadas ambientalmente por negligência ou por práticas do passado que não foram sustentáveis. Então, há muitas semelhanças com a Austrália.

É importante reconhecer as particularidades do seu contexto, mas também é essencial perceber que os jovens, no futuro, vão trabalhar e se relacionar com pessoas de outros países, de outras culturas, em fusos diferentes — e, para tirar o melhor proveito disso, eles precisam ter uma visão global.

Ter um currículo voltado para o futuro significa ter sede por novos conhecimentos, isso implica ser curioso, incentivar os jovens a fazerem perguntas e a buscar respostas, mas também guiá-los nesse processo. [Quando se fala em empreender] não se trata apenas de garantir que a economia seja sustentável, mas também desenvolver o empreendedorismo social, que procura enfrentar as desigualdades, analisar os dados, entender as lacunas e encontrar estratégias [educacionais] para grupos específicos.

[…] Às vezes os dados podem ser enganosos. Eles podem mostrar que houve progresso, mas esse progresso — por exemplo, no caso das mulheres — pode estar concentrado em áreas urbanas ou mais desenvolvidas, sem atingir as mulheres em situações de maior vulnerabilidade ou das áreas rurais. Por isso, precisamos olhar constantemente para os dados e nos perguntar: “Quem não está se beneficiando da riqueza do país? O que podemos fazer para apoiá-los?”

Porque, no fim das contas, precisamos elevar todos

Em tempos de rápidas transformações sociais, quais princípios orientadores líderes escolares devem seguir ao revisar ou redesenhar seus currículos?

Existem vários, sendo os mais importantes:

  • incorporar competências transformadoras, quando apropriado, no conteúdo de diferentes áreas de aprendizagem;
  • eliminar conteúdos que não são mais relevantes ou úteis em uma era de rápido crescimento do conhecimento;
  • articular os conteúdos de forma a permitir certa flexibilidade, para que as circunstâncias locais e os contextos informem as experiências e os temas de aprendizagem — e também para que novos conhecimentos possam substituir os que se tornaram obsoletos;
  • ajustar e desenvolver ferramentas e estratégias de avaliação relevantes para monitorar e relatar os avanços e conquistas dos estudantes com base nos novos padrões.

Com tantas mudanças acontecendo no mundo, como apoiar os professores para que se sintam confiantes e preparados para ensinar o que realmente importa?


A primeira coisa, claro, é entender que o mundo é complexo. No trabalho que realizei no passado com a OCDE, falamos sobre um mundo VUCA, que significa volátil, imprevisível, complexo e ambíguo (em inglês, volatile unpredictable, complex, and ambiguous, que compõem a sigla). Esse é o mundo que nós, adultos, criamos para os jovens.  Portanto, temos responsabilidade, e eles têm o direito de receber uma educação que os prepare para lidar com esse mundo — e não apenas sobreviver nele, mas prosperar.

O primeiro passo é ajudar os professores a compreenderem que a mudança já é uma realidade. Eles precisam ser ágeis, capazes de se adaptar com as novas tecnologias, de reconhecer que práticas antigas talvez não funcionem mais e de explorar o que é novo. Precisamos constantemente questionar o que ensinamos e por que estamos ensinando.

Por fim, que conselho daria a educadores(as) e líderes que desejam tornar a inovação curricular uma realidade em seus contextos locais?

Eles precisam garantir que a liderança em todos os níveis seja transformadora. Ou seja, que as pessoas em posições de liderança tenham as habilidades e disposições necessárias para inovar. Em essência, as pessoas precisam:

  • estar dispostas a considerar pontos de vista alternativos e pesar os benefícios e limitações de todas as opções antes de decidir;
  • ter foco absoluto nos resultados de aprendizagem necessários para que os jovens naveguem pela vida e prosperem após a escola;
  • ter capacidade de tomar decisões impopulares, mas corretas, quando necessário;
  • ter confiança para correr os riscos certos;
  • ter inteligência emocional suficiente para reconhecer que outros podem se sentir ansiosos com a mudança — e saber como apoiá-los nesse processo;
  • reconhecer que sempre haverá algum nível de resistência e, por isso, ter capacidade de sustentar os aspectos essenciais da reforma diante disso;
  • ser capazes de gerar confiança nos caminhos que estão sendo trilhados;
  • e comunicar-se com confiança e clareza com os diferentes públicos envolvidos.

Bett Brasil

*A Bett Brasil é um dos maiores eventos de inovação e tecnologia para a educação da América Latina. Em 2025, acontece de 28 de abril a 1º de maio, no Expo Center Norte, SP. E nós, da Educação, estamos fazendo uma cobertura especial. Clique aqui para ficar por dentro de tudo.

Nossa cobertura jornalística tem o apoio das seguintes empresas: Epson, International School e FTD Educação.

——

Revista Educação: referência há 30 anos em reportagens jornalísticas e artigos exclusivos para profissionais da educação básica

——

Leia também

Como implementar a BNCC da Computação no currículo escolar

‘A gente somos’ e a compreensão do coletivo

 


Leia Bett Brasil

phil-lambert-curriculo

Phil Lambert: currículo escolar deve formar cidadãos globais

+ Mais Informações
literatura-infantil-raquel-alves

Novo livro de Raquel Alves aborda literatura infantil como espaço de...

+ Mais Informações
inteligencia-natural-bett

Inteligência artificial: equilíbrio e uso crítico são fundamentais

+ Mais Informações
School,Psychologist,With,A,Group,Of,School,Children,Conducts,A

Saúde mental e competências socioemocionais: um diálogo necessário na...

+ Mais Informações

Mapa do Site