NOTÍCIA

Bett Brasil

Autor

Adriana Fóz

Publicado em 28/04/2025

Saúde mental e competências socioemocionais: um diálogo necessário na implementação de ações promotoras na escola

Essas práticas não podem ser tarefa de um professor, ou de um componente curricular, mas um projeto da escola, da Secretaria, do estado, do país e, quem dera...do mundo

Por Adriana Fóz, Alcione Marques e Carla Leite* | Quando há mais de 15 anos falávamos nas escolas sobre a importância de se abordar o tema da saúde mental com educadores e gestores escolares, frequentemente encontrávamos grande resistência. Ou porque afirmavam não ser papel da escola lidar com este aspecto, cabendo apenas à área da saúde, ou pela desconfiança de que fosse uma tentativa de medicalização da educação escolar.

No entanto, isso mudou recentemente, especialmente a partir de 2020, com a pandemia de Covid-19. Tanto em razão do aumento no cotidiano escolar do enfrentamento de problemas relacionados à saúde mental, com os quais professores e gestores têm dificuldades de lidar, como por uma crescente compreensão de que talvez os educadores tenham alguma atuação nesta dimensão — ainda desconhecida pela maioria deles.

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Agenda Bett

A neuropsicóloga Adriana Fóz , uma das autoras deste artigo, palestrará na Bett Brasil 2025*. Em 28 de abril, às 15h30, estará no painel Educação integral: cuidando do ser para transformar o aprender, no 1º andar; e em 1º de maio, às 11h30, no painel Tendências e desafios da tecnologia educacional, também no 1º andar

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A formação inicial do professor praticamente não aborda a temática e, ainda que a disciplina de psicologia seja oferecida nas licenciaturas, a ênfase recai sobre a relação entre desenvolvimento e aprendizagem.

Logo, a maioria dos educadores não tem oportunidade de se apropriar das concepções mais recentes sobre o que seja saúde mental, transtornos mentais mais comuns entre crianças e adolescentes, qual o papel do educador e da escola nesta dimensão e quais seus limites.

Este contexto gera enorme angústia, aumentando o estresse de professores e o sentimento de impotência, o que leva a ações pouco assertivas frente às questões relacionadas à saúde mental dos estudantes.


– 50% dos transtornos mentais se iniciam na infância ou adolescência

– Transtornos mais presentes entre crianças e adolescentes são os transtornos de ansiedade, depressão e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH).

– Estima-se que entre 10% e 20% das crianças e adolescentes desenvolverão algum transtorno mental.

MA, K.; ANDERSON, J..; BURN, A.; 2023

ROSA, A; FÓZ, A., 2021

UHLHAAS, P. et al., 2023


Cabe também mencionar que o pouco conhecimento sobre saúde mental entre gestores e educadores se torna um fator de risco para os atores escolares, diminuindo a probabilidade de a escola desenvolver ações para a promoção da saúde mental dos docentes e colaboradores, assim como aquelas de autocuidado, prevenção e busca de apoio, tratamento e parcerias intersetoriais.

Pensar a saúde mental envolve diversos atores sociais, com papéis diversos. A escola tem um papel privilegiado na prevenção e promoção da saúde mental, podendo fortalecer fatores de proteção — aqueles que contribuem para o desenvolvimento das bases de uma boa saúde mental — assim como minimizando fatores de risco, isto é, os que podem contribuir para o adoecimento.

saúde mental e socioemocional

Saúde mental e competências socioemocionais na escola devem ser prioridade (Foto: Shutterstock)

Fatores de proteção relacionados à escola:

– Engajamento escolar e mais anos de estudo;

– Sentimento de pertencimento e apoio;

– Reconhecimento e valorização do esforço;

– Interações sociais positivas;

– Estímulo a bons hábitos;

– Percepção de segurança e proteção;

– Acesso a práticas esportivas e artísticas.

 

Fatores de risco relacionados à escola:

– Discriminação/exclusão;

– Violência escolar ou bullying;

– Agressão verbal dos adultos da escola;

– Experiências e percepção de frequentes fracassos acadêmicos.

ROSA, A; FÓZ, A., 2021

O educador tem assim um papel importante nessas ações, mas é preciso conhecimento para que possa, intencionalmente, atuar sobre esses fatores. Além disso, pode mais conscientemente contribuir para a construção de um clima emocional positivo, que se relaciona com diversos fatores de proteção mencionados, estando mais apto para levar aos estudantes informações de qualidade sobre saúde mental.

Não é demais lembrar que não é papel do professor diagnosticar e menos ainda tratar transtornos mentais, porém, dada a convivência diária com os estudantes, o professor é um ator privilegiado na identificação de sinais de que a criança ou o adolescente não está bem, podendo a escola comunicar a família e orientá-la para os devidos encaminhamentos, se necessário.

Temos atuado na formação de milhares de educadores brasileiros da rede pública e privada. Dentre os impactos observados nos programas de formação continuada em saúde mental estão maior segurança do educador em abordar o tema da saúde mental com os estudantes; aumento da percepção de sua habilidade de identificar sinais e comportamentos que demandam cuidados da área da saúde e aumento da percepção da capacidade de acolher estudantes em sofrimento emocional, ou que sejam vítimas de bullying.

Além disso, a percepção dos professores é de melhora de sua própria saúde mental, possivelmente em razão de maior conhecimento sobre a relação das emoções com as diversas esferas do viver e de ações de autocuidado.

Vale lembrar que é necessário oferecer aos professores, para além do conhecimento na promoção da saúde mental, estratégias para a implementação dessa promoção. O clima escolar positivo é fator predisponente à saúde mental e, embora o conceito de clima escolar compreenda desde a estrutura física até as relações interpessoais, nosso recorte recai sobre a importância do diálogo entre o desenvolvimento de competências socioemocionais e a saúde mental. Isso se dá pela possibilidade de os docentes visualizarem os aspectos que podem dificultar, ou contribuir na qualidade das suas relações consigo, com o outro e com o contexto.

Dessa maneira, a formação continuada compreende a discussão robusta sobre os constructos da saúde mental aliados a:

  • Construção coletiva de uma visão acerca da complexidade dos desafios da formação integral, considerando a questão paradigmática que envolve a inclusão da emoção nas práticas escolares, a saúde mental, a desigualdade social e a diversidade.
  • Compreensão da dinâmica das habilidades socioemocionais no contexto escolar e o impacto no clima escolar, de acordo com o referencial teórico da CASEL. O modelo CASEL permite vislumbrar os aspectos relacionados ao desenvolvimento intrapessoal (autoconhecimento e autorregulação) e interpessoais (consciência social, habilidades de relacionamento e tomada de decisão responsável), bem como sua interdependência e retroalimentação.
  • Construção de subsídios para a construção de ações, projetos e metodologias com vistas ao desenvolvimento de habilidades socioemocionais na escola.

Uma formação continuada exitosa pressupõe teoria robusta, possibilidades de transposição didática, avaliação de impacto, acompanhamento, monitoria e escalabilidade. O contexto exige atenção para o tema, é necessário aproximar cada vez mais saúde, educação e assistência social para a construção de uma epistemologia complexa, mas cabe à Educação definir as bases do tratamento pedagógico.

Acreditamos que essa é a possibilidade de interromper ações pontuais, desvinculadas do currículo e do projeto pedagógico, sem intencionalidade definida que pouco contribuem para reversão do quadro. Saúde mental não pode ser tarefa de um professor, ou de um componente curricular, mas um projeto da escola, da Secretaria, do estado, do país e, quem dera…do mundo.

*Adriana Fóz é mestre em ciências pela Faculdade de Psiquiatria e Psicologia Médica da Unifesp

Alcione Marques é mestre em saúde pela Faculdade de Enfermagem da Unifesp 

Carla Leite é doutora em educação pela USP

Bett Brasil

*A Bett Brasil é um dos maiores eventos de inovação e tecnologia para a educação da América Latina. Em 2025, acontece de 28 de abril a 1º de maio, no Expo Center Norte, SP. E nós, da Educação, estamos fazendo uma cobertura especial. Clique aqui para ficar por dentro de tudo.

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