NOTÍCIA
Na visão do espanhol Xavier Aragay, mesmo frente a urgências, gestão precisa de tempo para preparar o futuro, o que também inclui formação específica para exercer bem esse cargo
Para quem acha que as escolas já mudaram muito nos últimos anos, o espanhol Xavier Aragay, consultor internacional de transformação educacional, avisa: o processo está ‘só começando’. Em entrevista exclusiva à revista Educação, ele aconselha os agentes da educação brasileira a olharem além das fronteiras, porque os problemas — e as possíveis soluções — são muito parecidos nas instituições de ensino de todo o mundo.
Xavier Aragay será um dos palestrantes da Bett Brasil, evento de inovação e tecnologia para a educação que acontece de 28 de abril a 1º de maio no Expo Center Norte, em São Paulo. Seu painel, intitulado Estamos preparados para liderar a transformação educacional que está por vir?, acontecerá em 30 de abril, das 16h às 17h, na área Fórum de gestores, 2º andar.
Confira a entrevista.
Xavier Aragay é presidente e consultor de transformação para instituições de ensino da Reimagine Education (Foto: arquivo pessoal)
Sim — e essa é uma das coisas que mais surpreendem as pessoas. Temos equipes trabalhando em 17 países; do México ao Uruguai, por toda a América Latina, e na Europa. Nosso foco é ajudar as equipes das escolas e universidades a passar por uma transformação profunda no seu caminho de inovação. Sempre há diferenças culturais, mas o essencial é o mesmo. Porque a escola e a universidade que conhecemos nasceram na segunda metade do século 19; elas têm uma raiz comum. Portanto, os problemas são os mesmos.
Sim, e é algo que acontece em todo o mundo. A mentalidade predominante é que um professor deve passar 20 anos na sala de aula para poder se tornar um bom gestor. Mas, na prática, acabamos transformando bons professores em maus gestores. Alguns países desenvolveram carreiras de formação para gestores e já começam a surgir formações específicas, mas ainda é incipiente. Um professor pode se tornar um bom gestor, mas é necessário um treinamento específico.
Muito difícil. Eles dizem: ‘Sim, tenho que parar, mas espera. Primeiro, preciso resolver isso. Depois, aquilo’. Estão apagando incêndios o tempo todo e têm a ilusão, vã, de que na próxima semana terão algumas horas para pensar. O problema é que um ano se passa, depois dois anos, e há diretores que se aposentam depois de 25 anos confessando que sempre acreditaram que ‘no próximo mês’ teriam tempo para planejar. As escolas se transformaram em um buraco negro de problemas cotidianos que absorvem tudo e impedem qualquer planejamento de futuro.
Eu uso ‘presentismo ativista’. Significa que estamos presos ao presente, sempre fazendo alguma coisa, sem tempo para pensar no futuro. Mas se eu repito todos os dias o que fiz há um, dois, cinco anos, e sinto que cada vez está mais difícil, qual é a conclusão? Que alguma coisa precisa mudar. É necessário investir tempo agora para projetar um futuro diferente para a educação.
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Direção escolar: um turbilhão também passou por aqui
Direção escolar impacta a aprendizagem do estudante
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A questão aqui é que, na mentalidade do século 20, o bem-estar e a aprendizagem eram vistos como coisas separadas. Mas não são. O que um aluno vive em sala de aula ou no pátio está diretamente ligado à aprendizagem.
Minha resposta sempre é: estamos só começando. Ainda há muito a fazer. Os professores e diretores falam a partir da própria experiência, mas o que acontece se olharmos para a experiência do aluno? Vamos imaginar um aluno do ensino médio: ele entra na sala, senta-se e o professor começa a falar. Explica o que fazer, como será a prova, como responder para tirar boas notas. Uma hora depois, esse professor sai e entra outro, com outro conteúdo e outro método de avaliação. Depois, outro. Será que daqui a 10 anos continuará igual? O descompasso entre o que um aluno vive fora da escola e o que obrigamos ele a viver dentro da escola é impressionante. Seguimos repetindo inercialmente o modelo do século passado.
No início, acreditava-se que a tecnologia resolveria todos os problemas; agora o pêndulo foi para o outro extremo e culpamos a tecnologia por tudo. Mas a pedagogia e a tecnologia não foram integradas de forma eficaz, então não houve mudança real. O processo de ensinar e aprender ainda ficou por ser transformado.
Outro dia fui assistir a uma aula de matemática na Espanha e vi o mesmo problema, abordado da mesma forma de quando eu era estudante, 52 anos atrás. Não é à toa que a educação está em crise.
Sim, mas para isso a mudança precisa vir tanto de cima, dos sistemas, quanto de baixo, das escolas. Porque uma mudança imposta pelos governantes não funciona, vai sofrer muita resistência. Uma mudança que parte da escola fica limitada, porque as normas e leis vão ser um freio. Quando há conexão, as reformas educativas dão mais autonomia às unidades. O segredo é aumentar a confiança e a autonomia nas instituições de ensino.
O Brasil é um país enorme e às vezes olha muito para dentro. Isso tem vantagens, mas também é importante olhar para o mundo, conectar-se com outras experiências. Na América Latina, os países estão cada vez mais conectados entre si, mas o Brasil fica isolado. A barreira linguística pode ser superada facilmente, basta haver boa vontade. O Brasil tem um enorme potencial e pode aprender muito com o que acontece fora.
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