NOTÍCIA

Olhar pedagógico

Autor

Redação revista Educação

Publicado em 26/03/2025

A minissérie britânica ‘Adolescência’ em 15 pontos para refletir: juventude, dor e responsabilidade intergeracional

A série propõe questões como: é possível punir sem abandonar? Como equilibrar justiça e escuta, responsabilização e cuidado?

Por Rubens Bollos*, médico e presidente da Associação Brasileira de Medicina Personalizada e de Precisão | Lançada em março de 2025 na Netflix, a série Adolescência destaca-se por seu olhar contundente e sensível sobre as dores da juventude contemporânea. Ao retratar um caso de violência extrema envolvendo adolescentes, a série vai além da ficção e propõe uma análise profunda sobre a desconexão entre gerações — entre adultos e jovens, pais e filhos, professores e alunos, justiça e sociedade.

Inspirada em fatos reais, a trama britânica gira em torno de Jamie Miller, um garoto de 13 anos acusado de assassinar uma colega de escola. Ao explorar esse enredo, a série evidencia como o ambiente familiar, a escola e os espaços digitais moldam trajetórias juvenis e silenciam sinais de sofrimento. 

A narrativa convida o espectador a perguntar: Estamos escutando nossos jovens? Ou apenas reagindo quando é tarde demais?

  1. Masculinidade tóxica e repressão emocional

A série aborda como normas culturais impõem aos meninos uma identidade baseada em força, insensibilidade e controle. Jamie e outros personagens lidam com a dificuldade de expressar emoções — consequência direta da chamada ‘masculinidade tóxica’. Essa repressão se manifesta em comportamentos violentos e na dificuldade de criar vínculos afetivos.

A figura do influenciador digital fictício Victor Krane representa líderes reais que, nas redes, disseminam ideologias misóginas e radicais. Eles promovem discursos de dominação que encontram eco em jovens vulneráveis à procura de pertencimento e sentido.

  1. Incel: identidade digital e ressentimento

Jamie se aproxima de discursos incel (‘involuntary celibate’), comunidade online que abriga homens frustrados afetivamente e que expressam ódio contra mulheres. Em uma cena simbólica, o pai de Jamie é reconhecido como pai de um ‘mártir da causa incel’ — revelando como essas redes operam à margem da compreensão adulta, criando sistemas de apoio perigosos e silenciosos.

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  1. Bullying e exclusão social

O bullying aparece como catalisador da tragédia. A jovem assassinada havia sido vítima de exposição íntima não consensual e, ao tentar criar vínculo com Jamie — também excluído —, o rejeita posteriormente. Esse gesto aprofunda a sensação de humilhação de Jamie, revelando como rejeição, isolamento e dor se acumulam silenciosamente até o colapso. A série também revela que o próprio inspetor de polícia, pai de outro adolescente, não se dá conta de que o filho está sendo vítima de bullying, algo que se manifesta em suas tentativas de evitar a escola e em queixas físicas pouco claras. É justamente esse jovem quem, mais adiante, revelará ao pai que Jamie também era alvo de bullying, contribuindo para desvendar a complexidade da situação e aproximar gerações separadas por um abismo de linguagem e percepção.

  1. Códigos, emojis e linguagem criptografada

A série revela como adolescentes usam símbolos e códigos para comunicar intenções sem que adultos compreendam. Um emoji de peixe seguido por uma pílula azul, por exemplo, representa fraqueza e exclusão. Esses códigos funcionam como linguagem emocional e política, revelando alianças e rejeições em comunidades digitais.

Essa cena expõe um abismo geracional: o que os jovens dizem (ou não dizem) escapa à escuta dos adultos. Como pais e educadores podem proteger aquilo que não compreendem?

  1. Parentalidade e desconexão entre gerações

A série denuncia a ausência afetiva dos adultos. Pais e mães que ‘não veem’ que seus filhos saem de madrugada, que não controlam o retorno, o destino, nem fazem a pergunta básica: onde vai? Com quem? Que horas volta? Está autorizado ou não?, que não escutam dores disfarçadas em enxaquecas ou crises de raiva. A desconexão não é só digital, mas emocional.

A pergunta central é: Estamos presentes o suficiente para perceber o sofrimento antes que ele exploda?

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  1. Escola, professores e crise da autoridade

A série retrata o colapso da autoridade docente. Celulares em sala, discursos de ódio replicados nas redes, desrespeito à figura do professor — especialmente do sexo feminino — revelam como a escola deixou de ser espaço apenas de aprendizagem para se tornar campo de batalhas ideológicas e culturais. De acordo com dados recentes, os casos de violência contra professoras têm aumentado significativamente em diversos países, incluindo o Brasil, os Estados Unidos e nações europeias, refletindo uma mudança preocupante no comportamento juvenil em relação à autoridade e ao respeito no ambiente escolar.

Como advertiu Theodor Adorno em sua obra Educação após Auschwitz, a principal missão da educação é impedir a repetição da barbárie. Quando a escola falha em promover vínculos, pensamento crítico e escuta, abre espaço para a reprodução da violência simbólica e da intolerância. Violência contra professoras, desinteresse dos alunos e rivalidades entre ideologias extremas (como as de gênero, por exemplo) se cruzam em um ambiente em que educar se tornou missão quase impossível.

 

Série Adolescência

Série ‘Adolescência’ nos obriga a encarar perguntas incômodas, como: quais sinais ignoramos por medo do conflito? (Foto: divulgação/Netflix)

  1. Polarização ideológica e de gênero

Dados do Pew Research Center indicam que jovens homens têm aderido à ideologias conservadoras e nacionalistas, enquanto jovens mulheres se engajam com pautas progressistas. A série retrata essa polarização como um evento global, que ultrapassa fronteiras e se manifesta em escolas de diversos países — como Brasil, Reino Unido, Alemanha, Hungria e Estados Unidos — alimentando conflitos entre jovens e expondo a fragilidade das mediações adultas ou a inexistência delas. Essa tendência acompanha, em vários desses países, a ascensão de partidos de extrema-direita, autoritários, com discursos nacionalistas, antidemocráticos ou alinhados a valores totalitários. Movimentos inspirados no fascismo, no neonazismo ou em ideologias populistas radicais têm encontrado respaldo entre parcelas da juventude, reforçando discursos de intolerância e contribuindo para o tensionamento social dentro e fora do ambiente escolar.

A série evidencia essas divisões por meio de conflitos entre alunos, agressões verbais e físicas, e a ausência de preparo dos adultos para mediar esses embates. Como lidar com uma escola onde o conflito político e afetivo é reproduzido na relação entre os alunos?

  1. Iniciação sexual e consumo de pornografia

Um tema implícito e urgente na minissérie é o papel do consumo de pornografia como forma precoce e distorcida de iniciação sexual, disseminada livremente nas mídias digitais, sem mediação de adultos. Muitos adolescentes, especialmente meninos, têm tido seu primeiro contato com a sexualidade por meio de conteúdos pornográficos que, frequentemente, apresentam o sexo feminino como submisso ou inferior e naturalizam atos de violência, humilhação e dominação.

Essa representação impacta diretamente a construção da identidade sexual, afetiva e relacional dos jovens, gerando frustrações, expectativas irreais e comportamentos de objetificação e controle. No mundo real, as relações sexuais exigem escuta, afeto, consentimento e vínculo — elementos ausentes nesse tipo de conteúdo. A discrepância entre o que é consumido online e o que é vivido na prática pode gerar confusão emocional, frustração, sofrimento psíquico e reforço de estereótipos que dificultam o amadurecimento relacional e o respeito mútuo.

Esse cenário evidencia a urgência de abordagens mais humanas, educativas e integradas na construção da sexualidade, com base em vínculo, escuta e diálogo entre os gêneros, além do fortalecimento do papel da escola e da família como espaços formativos e protetores.

  1. Tolerância exagerada a comportamentos estranhos ou hostis

Até que ponto devemos tolerar o intolerável? A série mostra como sinais graves de comportamento — raiva extrema, isolamento, misoginia — foram ignorados em nome da liberdade individual.

O filósofo Karl Popper, conhecido por suas contribuições à filosofia da ciência e à teoria política, advertiu sobre o que chamou de ‘paradoxo da tolerância’: sociedades que toleram tudo, inclusive o intolerante, acabam por destruir a própria tolerância. Para ele, a tolerância só é sustentável quando se opõe ativamente ao que ameaça a convivência humana. A relativização de comportamentos hostis, muitas vezes para ‘evitar conflito’, pode ser cúmplice de tragédias anunciadas.

  1. Estigma social e o sofrimento dos pais

O julgamento social não recai apenas sobre os jovens, mas também sobre seus familiares. A série mostra o carro do pai de Jamie vandalizado e a irmã dizendo que não adianta mudar de cidade: a marca os acompanhará para sempre.

Pais são vítimas também. Sofrem a dor pública e a exclusão silenciosa. E mais do que isso: muitas vezes, os próprios adultos estão igualmente expostos ao abandono emocional, à ausência de redes de apoio e à incapacidade de elaborar seus traumas. Assim como os filhos, eles também são atravessados por frustrações, silêncios e solidão. A série revela que não se trata apenas de um problema da juventude, mas de um colapso relacional que atinge toda a comunidade.

Um dos momentos mais marcantes da narrativa é a conversa final entre os pais de Jamie, já após a tragédia. Tomados por dor e perplexidade, eles se questionam sobre o que poderiam ter feito de forma diferente: ‘Será que estávamos mesmo presentes? Será que ele tentou nos dizer algo? Quando foi que deixamos de perceber quem era nosso filho?’. Essas perguntas não encontram respostas fáceis, mas revelam o torpor relacional em que muitos adultos vivem — uma desconexão afetiva que se normaliza em meio às exigências cotidianas. A cena escancara a solidão de pais e mães que, mesmo bem-intencionados, sentem-se impotentes diante da própria incapacidade de contato.

Quem cuida dos pais que perderam filhos para o crime, a doença ou a vergonha? Quem acolhe os adultos que já não sabem mais como se conectar consigo e com os outros?

  1. Radicalização juvenil e violência digital

Jamie representa a escalada da radicalização juvenil — da exclusão afetiva à adesão a fóruns misóginos e discursos de ódio. A série convida à reflexão: Como um menino comum se transforma em símbolo de violência?

Além disso, a série se insere no campo da psicologia da violência, tema abordado pelo neurocientista e psiquiatra social Nafis Hameed, que estuda os processos de radicalização e a descaracterização da personalidade em contextos de exclusão e violência. Hameed aponta que indivíduos podem sofrer uma transformação psicológica intensa quando expostos a narrativas extremistas ou a ambientes de desamparo emocional. A série reforça essa perspectiva ao mostrar como Jamie, um adolescente sem histórico de violência, passa por um processo de alienação e despersonalização ao consumir conteúdos online radicais e se sentir cada vez mais isolado.

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Na narrativa, há outros relatos de bullying, inclusive com o filho do investigador, que exerce papel fundamental ao decifrar os códigos de emojis e trazer racionalidade à motivação do crime — um sinal de que o enfrentamento da radicalização também passa pelo diálogo intergeracional e pela escuta ativa.

Exemplos desse fenômeno foram observados em jovens europeus que, mesmo crescendo em contextos relativamente estáveis, acabaram recrutados por grupos extremistas como o Estado Islâmico ou envolvidos em ações de terrorismo urbano. Esses casos demonstram como a busca por pertencimento, somada à influência de ideologias radicais, pode levar indivíduos a justificar ou praticar atos violentos.

A psicologia da violência aponta três vetores, conforme proposto por Hameed:

  • Senso de injustiça: sentimento de exclusão ou desvalorização.
  • Ameaça à identidade: falta de pertencimento.
  • Percepção de cultura ameaçada: ideia de que seus valores estão sob ataque.
  1. Responsabilidade penal juvenil: entre punição e cuidado

No Reino Unido, a idade penal começa aos 13 anos. No Brasil, a situação das instituições socioeducativas — como a antiga Febem e a atual Fundação Casa — é marcada por denúncias de maus-tratos, abandono e falta de políticas restaurativas. A diferença marcante na minissérie é que ela oferece ao personagem condições de recuperação emocional e responsabilização consciente, mostrando que é possível conciliar justiça com cuidado. Ao invés de recorrer exclusivamente à punição, a narrativa aposta na escuta, no vínculo e na possibilidade real de transformação — algo ainda distante das práticas institucionais brasileiras.

A série propõe questões como: é possível punir sem abandonar? Como equilibrar justiça e escuta, responsabilização e cuidado?

  1. Expectativas dos pais e filhos

Os pais de Jamie relatam que, desde pequeno, ele demonstrava maior sensibilidade e interesse por atividades artísticas, como desenhar, enquanto seu pai tentava incentivá-lo a praticar esportes como futebol e luta. Esse conflito entre suas preferências e as expectativas paternas gerou tensões veladas na relação familiar, influenciando seu desenvolvimento emocional. Um dos momentos mais impactantes da série é quando Jamie revela que, ao errar no gol, sempre buscava o olhar do pai, que, envergonhado, desviava-o. Posteriormente, o próprio pai confessa à esposa que sentia vergonha quando outros pais riam do filho e que, em sua inação, reproduziu — de outra maneira — a indiferença e violência física que sofreu do próprio pai, a qual ele prometera não reproduzir.

Esse ciclo de expectativa, vergonha e frustração é um dos principais elementos psicológicos da série, ilustrando como traumas geracionais moldam comportamentos e relações familiares. Estudos sobre transmissão intergeracional do trauma, como os trabalhos de Judith Herman e Vincent Felitti, mostram que experiências adversas na infância podem ser perpetuadas entre gerações. A série exemplifica esse fenômeno ao retratar como a inação e a vergonha internalizada do pai de Jamie refletem padrões de negligência e expectativas frustradas que ele próprio vivenciou na juventude.

  1. Alienação emocional e teoria do apego

Ao longo da série, torna-se evidente um processo de anestesia afetiva não apenas entre os adolescentes, mas também entre os adultos — pais, professores e comunidade em geral — que demonstram dificuldades em expressar sentimentos, acolher o sofrimento e construir vínculos significativos. Essa desconexão atravessa gerações, revelando o quanto a sociedade atual parece emocionalmente desnutrida, incapaz de sustentar a presença diante da dor. Jamie demonstra comportamentos apáticos diante do sofrimento da colega e dos próprios pais, revelando um estado de desligamento emocional que antecede o ato violento — mas o mesmo também se percebe nos adultos que, apesar de bem-intencionados, não conseguem oferecer um contato verdadeiro ou uma escuta ativa.

Essa alienação afetiva é construída por ausências: de escuta, de validação, de contato emocional verdadeiro. Em um mundo acelerado, hiperconectado e altamente performático, muitos jovens aprendem a não sentir — ou a esconder o que sentem — como estratégia de sobrevivência. Zygmunt Bauman, ao analisar a modernidade líquida, alertava para o esvaziamento dos laços humanos e para a fragilidade das conexões afetivas, que se desfazem com facilidade. Na série, vemos esse esvaziamento manifestar-se em relações frágeis, no medo do vínculo e na incapacidade coletiva de sustentar o contato com o outro.

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A teoria do apego, formulada por John Bowlby, oferece um importante referencial para compreender esse fenômeno. Segundo Bowlby, vínculos afetivos seguros na infância são fundamentais para o desenvolvimento emocional saudável. Quando esses vínculos são frágeis, inconsistentes ou inexistentes, podem gerar padrões de apego desorganizado e inseguro, que se manifestam na adolescência como retraimento, frieza emocional ou comportamentos agressivos. Jamie apresenta sinais claros dessa desconexão afetiva, que resulta tanto de sua solidão subjetiva quanto da negligência emocional sofrida em casa.

Reintroduzir a escuta, o afeto e o reconhecimento emocional na vida cotidiana — especialmente na adolescência — é, portanto, um antídoto contra essa forma de adoecimento coletivo. Wilhelm Reich, ao analisar as origens do autoritarismo e da violência social, descreveu o que chamou de ‘peste emocional’ — um estado de repressão afetiva crônica que bloqueia o contato humano genuíno e favorece a ascensão de comportamentos violentos e autoritários. A série nos mostra como essa peste ainda persiste, agora transfigurada em indiferença digital, torpor relacional e solidão silenciosa.

  1. Perspectivas psicológicas da violência: aprendizagem, estrutura e frustração

A minissérie também pode ser compreendida à luz de teorias clássicas da psicologia social. O psicólogo Albert Bandura, por meio de sua Teoria da Aprendizagem Social, demonstrou como indivíduos podem aprender comportamentos agressivos ao observar e imitar modelos violentos, especialmente quando esses comportamentos são recompensados ou não punidos. Essa teoria se aplica à trajetória de Jamie, que, ao consumir conteúdos online radicais, internaliza padrões de violência e misoginia sem contestação.

Ignacio Martín-Baró, psicólogo social salvadorenho, introduziu o conceito de violência estrutural, que destaca como injustiças sociais e repressões sistemáticas — como a exclusão, a desigualdade e a ausência de vínculos — criam terreno fértil para comportamentos violentos. No caso de Jamie, a falta de apoio emocional e a sensação de abandono familiar revelam esse pano de fundo invisível da violência cotidiana.

Além disso, a teoria da frustração-agressão, amplamente estudada na psicologia da violência, sugere que a impossibilidade de atingir objetivos desejados pode gerar tensão acumulada e comportamentos agressivos. Jamie, ao sentir-se rejeitado socialmente e frustrado com sua identidade e lugar no mundo, canaliza sua frustração para um comportamento extremo — uma radicalização silenciosa, já discutida anteriormente, que culmina na adoção de condutas extremas e destrutivas, muitas vezes legitimadas por comunidades digitais hostis.

Essas três abordagens — aprendizagem social, violência estrutural e frustração-agressão — fornecem uma base teórica sólida para compreender o ciclo emocional que atravessa Jamie. Elas reforçam a urgência de intervenções precoces e estratégias preventivas para mitigar os riscos da radicalização e da violência, evidenciando também a importância de acompanhamento psicoterapêutico para romper padrões nocivos e promover relações familiares mais saudáveis.

  1. Psicoterapia e responsabilização subjetiva

A psicóloga Briony Ariston ocupa papel central na reviravolta emocional de Jamie. Sua atuação vai além da escuta empática: ela sustenta com firmeza, presença e sensibilidade a complexidade da mente adolescente em crise. Em determinado momento, Jamie compara sua experiência com um outro psicólogo anterior, dizendo que o anterior era mais ‘fácil’. Esse contraste revela a profundidade do trabalho de Briony, que não busca agradar, mas sustentar um espaço de verdade, desconforto e crescimento emocional — características de uma ajuda realmente competente.

Desde o oferecimento do chocolate até a conversa firme sobre o morrer e a morte, Briony conduz o processo com delicadeza e autoridade. Ela não apressa as revelações, tampouco minimiza a dor. Sua escuta é ativa, ética e clínica, capaz de acolher sem julgar, mas também de provocar movimentos internos. Conduz Jamie a reconhecer sua responsabilidade, abandonar a negação e iniciar uma jornada de autoconhecimento e elaboração da culpa — aspectos fundamentais no processo de responsabilização subjetiva e reconstrução emocional.

Jamie começa resistente, protegido por camadas de negação, fantasia e raiva. Ao longo das sessões, acessa emoções profundas, revisita mágoas e conecta-se à própria humanidade. Em um momento decisivo, muda seu depoimento e assume a culpa. Não por pressão, mas por consciência.

Essa virada subjetiva marca o início de sua travessia da adolescência para a maturidade: o momento em que a fantasia cede lugar à realidade, e o vínculo terapêutico se torna um espelho seguro para a reconstrução do eu.

Ao projetar idealizações e fantasias na terapeuta, Jamie revela não apenas seu imaginário misógino, mas sua carência afetiva. Briony, com firmeza afetuosa, devolve a ele a possibilidade de elaborar sua dor, responsabilizar-se e vislumbrar outro caminho.

Nesse contexto, a psicoterapia não é apenas tratamento: é também um ato político, clínico e de reparação ética. Ela exige preparo técnico, coragem afetiva e a disposição para mergulhar na dor do outro sem se perder de si — como Briony exemplifica em cada encontro com Jamie.

Adolescência nos obriga a encarar perguntas incômodas:

  • O que estamos deixando de ver?
  • Quais sinais ignoramos por medo do conflito?
  • Será que não estamos também adoecidos como adultos?

Em tempos de radicalização, sofrimento mental e desconexão afetiva, esta minissérie nos recorda que o silêncio diante do intolerável não é neutralidade — é cumplicidade. E que somente vínculos afetivos, escuta ativa e coragem ética podem reconstruir as pontes entre as gerações.

*Rubens Bollos é médico, mestre e doutor (Ph.D) em ciências pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pós-doutorado em biologia do desenvolvimento (USP/ICB). É presidente da Associação Brasileira de Medicina Personalizada e de Precisão (abmpp.org)

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