Artigos escritos por pesquisadores do laboratório de ciências para educação do Instituto Ayrton Senna (eduLab21)
Publicado em 21/03/2025
Ações reforçam a importância do pertencimento e das relações empáticas para garantir o bem-estar e a aprendizagem dos estudantes
Por Karen Cristine Teixeira* e Gisele Alves** | Escolas seguras, acolhedoras e que cultivam relações interpessoais pautadas na amabilidade (na empatia, na confiança e no respeito) são essenciais para o desenvolvimento pleno dos estudantes. Sentir-se pertencente à escola, seguro, acolhido e valorizado é fundamental para a aprendizagem. O pertencimento escolar reflete a percepção de conexão com a escola e de inclusão do estudante, e é influenciado por suas experiências diárias e pelo ambiente escolar.
Um levantamento realizado por uma rede estadual de ensino do Sudeste do Brasil em 2019, com apoio do Instituto Ayrton Senna, revelou que 52% dos estudantes não se sentiam conectados aos adultos da escola e 34% não se sentiam pertencentes ao ambiente escolar.
É na interação social que o pertencimento se desenvolve e se atualiza, quando o estudante se sente seguro, aceito, acolhido e incentivado, seja pelos gestores, professores, colegas ou demais profissionais da escola.
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A literatura científica revela que quanto mais pertencente à escola o estudante se sente, maior é seu desempenho escolar, seu engajamento nas atividades, sua autoestima, sua crença nas próprias capacidades e sua satisfação com a vida.
Além disso, um maior pertencimento escolar está associado a menores índices de bullying, estresse, sintomas depressivos e taxas de evasão escolar. Um estudo realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 16 países (dentre eles o Brasil) e publicado em 2024 também destacou que estudantes que se sentem pertencentes à escola relatam mais emoções positivas, competências socioemocionais mais desenvolvidas e melhor desempenho acadêmico.
O estudo também indicou que estudantes economicamente desfavorecidos e meninas tendem a experienciar mais emoções negativas no ambiente escolar e sentir-se menos pertencentes a ele em comparação a seus pares.
A violência é um fenômeno complexo e influenciado por fatores individuais, familiares, contextuais e sociais e pela desigualdade. Na escola, pode se dar no cotidiano das relações, pode ser institucional (quando políticas ou práticas escolares reforçam desigualdades, preconceitos e injustiças) ou externa, que invade a escola. Suas manifestações vão muito além da agressão física, podendo se expressar de diversas formas, por exemplo, a violência psicológica.
A exposição à violência está associada a menor desempenho escolar, menor engajamento com as atividades escolares, menores indicadores de saúde mental e menor pertencimento escolar, afetando, consequentemente, o clima escolar.
Segundo o mesmo estudo da OCDE, mencionado anteriormente (2024), 30% dos estudantes de 15 anos relataram envolvimento com bullying, seja como vítimas, perpetradores ou ambos, mas diretores relataram uma porcentagem significativamente menor, evidenciando possível subnotificação desses casos.
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A Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE) de 2019, apontou que mais de 11% dos estudantes de 13 a 17 anos afirmam ter deixado de ir à escola por se sentirem inseguros durante o trajeto de ida ou volta. Já o Ministério da Educação registrou mais de 13 mil notificações de violência interpessoal na escola em 2023.
De acordo com o mesmo relatório, os episódios de violência extrema (ataques intencionais e premeditados direcionados à comunidade escolar que atentam contra a vida) aumentaram vertiginosamente nos anos de 2022 e 2023. Todas essas evidências destacam o quanto a violência é presente no contexto escolar e nos fazem refletir sobre o quanto esse panorama interfere no desenvolvimento pleno dos estudantes.
Escolas seguras, acolhedoras e que cultivam relações interpessoais pautadas na amabilidade (na empatia, na confiança e no respeito) são essenciais para o desenvolvimento pleno dos estudantes (Foto: Shutterstock)
A gestão central tem como papel a criação de políticas públicas intersetoriais eficazes, garantindo também o investimento adequado; implementar sistemáticas de acompanhamento e de coletas de dados, de forma a mapear e incidir sobre as evidências levantadas; e oferecer formação continuada a todos os profissionais da escola para que possam estar melhor preparados para atuar diante dessas situações, fazendo mediação de conflitos, oferecendo apoio adequado e promovendo uma cultura escolar de paz.
A gestão escolar tem o papel de participar da implementação das políticas; viabilizar canais de denúncia seguros; implementar projetos e práticas de cultura de paz; realizar o currículo no que diz respeito à educação socioemocional aliada à discussão de temas transversais (por exemplo, o bullying); fortalecer o vínculo entre escola e comunidade, criando e estimulando um clima escolar positivo, seguro e acolhedor, baseado na gestão democrática e na escuta ativa; garantir o apoio, a formação e tempo pedagógico dos professores, para que possam se desenvolver, realizar seus planejamentos e se sentir seguros para atuar.
Já os professores e profissionais da escola precisam receber apoio adequado com formações oferecidas para aprimorar seus conhecimentos e capacidade de ação como mediadores de conflitos; estabelecer relações baseadas na amabilidade, para que os estudantes possam se sentir seguros para relatar situações de violência e ser acolhidos; estar atentos a sinais que possam revelar a ocorrência de situações de violência e, sempre que necessário, fazer os encaminhamentos cabíveis; e utilizar abordagens pedagógicas ativas que incentivem as relações interpessoais pautadas na amabilidade, na colaboração e no diálogo.
É relevante frisar a importância do papel do psicólogo escolar nesses casos. Além de apoiar a gestão escolar nas formações e trabalhar em conjunto com família e comunidade, o psicólogo pode oferecer suporte qualificado aos estudantes, na perspectiva pedagógica, além de apoiar os professores na identificação de sinais de violência e na mediação de conflitos.
A atuação deste profissional ocorre de forma articulada dentro da escola e não deve ser considerada de forma pontual, mas sim estratégica, alinhada com os objetivos da gestão escolar de proporcionar aos estudantes um ambiente seguro e acolhedor. Diante da complexidade da violência escolar, é essencial uma abordagem integrada, envolvendo toda a comunidade educativa para criar escolas verdadeiramente seguras e inclusivas.
Ministério da Educação – Programa Escola que Protege
Prefeitura de Sobral – Projeto Eu posso te ouvir
Ministério da Educação – Sistema Nacional de Acompanhamento e combate à Violência nas Escolas
*Karen Teixeira é gerente de pesquisa do Laboratório de Ciências para Educação (eduLab21) do Instituto Ayrton Senna. Psicóloga, mestre e doutora em psicologia com ênfase em avaliação psicológica em saúde e desenvolvimento pela Universidade Federal de Santa Catarina.
**Gisele Alves é gerente executiva do Laboratório de Ciências para a Educação (eduLab21) do Instituto Ayrton Senna. Chairholder da Cátedra Unesco de Educação e desenvolvimento humano na mesma instituição. Psicóloga, mestre em psicologia com ênfase em avaliação psicológica pelo Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco. Consultora em avaliação psicológica, construção de instrumentos, adaptações transculturais e treinamento na área de avaliação psicológica.
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