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Adriana Fóz

Neuropsicóloga, educadora e diretora da NeuroConecte

Publicado em 20/02/2025

Entre traços e tecnologias, o poder da escrita manual

Quem diria, a escrita manual como uma técnica a serviço até da inteligência artificial e como ponte para o desenvolvimento integral

No intrincado universo da educação contemporânea, a escrita manual emerge não como um vestígio do passado, mas como uma tecnologia cognitiva fundamental, capaz de tecer conexões profundas entre neurodesenvolvimento, competências socioemocionais e as demandas de um mundo em transformação.  

Cada traço manuscrito é uma sinfonia neural, um movimento complexo que mobiliza regiões cerebrais muito além da simples comunicação ou ainda dos estímulos digitais. Estudos recentes como o de Audrey van der Meer e Ruud van der Weel — sobre a ativação cerebral na escrita manual e digital, publicado no Frontiers in Psychology — revelam que escrever à mão não é apenas um ato de registro, mas um processo de construção cognitiva que estimula a plasticidade cerebral de maneiras únicas e surpreendentes. 

A neurociência demonstra que os movimentos precisos exigidos pela escrita cursiva ativam simultaneamente áreas responsáveis pela coordenação motora, memória operacional, percepção visual e processamento linguístico. Essa orquestração neural, sem dúvida, representa um exercício cerebral mais rico e complexo do que a digitação.

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A implementação prática dessa compreensão exige estratégias pedagógicas inovadoras. As rotinas educacionais podem integrar momentos de escrita manual em ambientes predominantemente digitais, propondo atividades que alternam entre tecnologia e registro tradicional. Diários manuscritos, por exemplo, tornam-se ferramentas poderosas para o desenvolvimento de competências socioemocionais, permitindo aos estudantes espaços de reflexão e autoconhecimento.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) oferece um terreno fértil para essa abordagem, ao valorizar a escrita como ferramenta de desenvolvimento das habilidades de comunicação. Implementar sequências didáticas que integrem a escrita manual às competências gerais da educação básica permite uma abordagem mais holística do aprendizado.

 

escrita manual

Escrita manual complementa os ambientes digitais, oferecendo uma dimensão única de processamento cognitivo e expressão pessoal (Foto: Shutterstock)

Por outro lado, experiências internacionais corroboram essa perspectiva, como o caso no Canadá, em que após reintroduzir a escrita manual, escolas observaram melhorias significativas na concentração dos estudantes, aumento nos índices de retenção de informações e desenvolvimento mais robusto de habilidades de organização e planejamento.

Você já percebeu diferenças na capacidade de retenção de informações, atenção e organização das ideias entre seus alunos que escrevem à mão e os que preferem digitar?

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A primeira é um recurso que nos ajuda a equilibrar o excesso tecnológico sem perder de vista os aspectos fundamentais do desenvolvimento humano, garantindo que cada letra manuscrita continue também sendo um traço vivo de nossa complexidade neural.

Longe de ser uma competição entre digital e tradicional, trata-se de criar pontes que permitam experiências multissensoriais de aprendizagem. 

A escrita manual complementa os ambientes digitais, oferecendo uma dimensão única de processamento cognitivo e expressão pessoal. Os desafios contemporâneos da educação exigem justamente essa capacidade de transitar entre diferentes linguagens. 

No aspecto neurocognitivo, cada letra manuscrita representa mais do que comunicação: é um investimento no desenvolvimento cerebral, na construção de memórias e na formação de sujeitos capazes de transitar entre diferentes formas de expressão.

Como educadores, nossa missão transcende métodos. Trata-se de compreender que cada traço carrega a potência de transformação, o poder de ir além. Quem diria, a escrita manual como uma técnica a serviço até da inteligência artificial e como ponte para o desenvolvimento integral.

Fontes

Audrey van der Meer e Ruud van der Weel – Estudo sobre a ativação cerebral na escrita manual e digital, publicado no Frontiers in Psychology.

Daniel Oppenheimer, pesquisador da Carnegie Mellon University, estudo sobre anotações manuais e aprendizado.

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Revista Educação: referência há 30 anos em reportagens jornalísticas e artigos exclusivos para profissionais da educação básica

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