NOTÍCIA
Helder Guastti, que atua na rede pública dos municípios de João Neiva e Aracruz, ES, fala sobre a carreira e iniciativas dentro e fora de sala de aula; além disso, destaca importância da participação das crianças. Ele chegou à final do Global Teacher Prize
A docência não estava nos planos de Helder Guastti, professor na rede pública de João Neiva e de Aracruz, ambos municípios do Espírito Santo. Na verdade, filho, irmão e sobrinho de educadoras, ele tinha na cabeça que essa não era uma carreira que gostaria de seguir, até por compreender suas dificuldades. Mas o destino acabou por levá-lo para esse caminho e, hoje, Helder não se vê fazendo outra coisa. Apaixonado pelo que faz, mas sem perder a visão realista da profissão, ele tem colhido frutos. Neste ano, chegou ao top 50 do Global Teacher Prize, considerado o ‘Nobel da Educação’ — e foi o único brasileiro a conseguir o feito em 2025. No ano anterior, já havia sido premiado como educador do ano no Educador Nota 10, além de ter vencido também na categoria Inovação e Tecnologia.
As premiações reconhecem o trabalho feito dentro e fora de sala de aula. Em 2023, Helder desenvolveu o projeto ‘Como diz o outro’ com alunos do 5º ano da EMEF Pedro Nolasco, em João Neiva, ES, que o levou à premiação do Educador Nota 10 e foi destacado também pelo Global Teacher Prize (que avalia a atuação geral do docente). A proposta era de resgatar contos populares; mas, com a participação dos alunos — algo que Helder valoriza e instiga —, passou a abranger outros textos e utilizar, também, a inteligência artificial (IA).
“O ‘como diz o outro’ foi um projeto que tinha como mote central realizar um resgate das tradições populares da cultura oral, muito centrado nos contos populares, aqueles passados de geração para geração, de avó para mãe, mãe para filho — o que, hoje em dia, infelizmente, tem se perdido um pouco com as novas gerações”, explica o educador, que também dá aulas para o 3º ano na EMEF Mário Leal Silva, em Aracruz.
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A partir de pesquisas e leituras realizadas com as crianças, elas propuseram que o projeto abarcasse também quadrinhas e adivinhas, por exemplo. E também partiu dos estudantes a ideia do uso da inteligência artificial para ilustrar o livro produzido por eles.
A proposta surgiu após um dos alunos levar para o debate em sala de aula uma notícia de mau uso da IA. Após discussão sobre o tema, mediada pelo professor, veio a ideia de usar o recurso tecnológico no livro, de forma positiva. “Então, ‘Como diz o outro’ teve essa dualidade, vamos dizer assim. Ao mesmo tempo que resgatava o tradicional, tinha a contemporaneidade do uso da inteligência artificial”, resume Helder.
Essa participação dos alunos é, para ele, fundamental. “Para mim, não se faz educação se não houver a participação das crianças”, afirma. “Nas minhas salas de aula, as crianças são participantes de todos os processos, de todas as tomadas de decisão. É um processo bem democrático mesmo.”
Desta forma, a experiência com ‘Como diz o outro’ foi, para ele, uma representação da prática que deseja e na qual acredita, daquilo que vê como ideal. “A minha turma também era muito brilhante, não posso deixar de dizer isso. Então, tudo que eu sempre sonhei vezes 100 é o que eu consegui realizar nesse projeto com essas crianças, porque elas me davam esse retorno”, afirma.
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Fora da sala de aula, o educador é responsável pelo projeto social Espaço de Leitura Confabulando, que tem como palco a sua própria casa. A mãe dele também conduz a iniciativa, descrita por ele como sua ‘menina dos olhos’, já que seu sonho de criança era ter uma biblioteca.
“Nós temos esse espaço em que realizamos ações de fomento à leitura e formação de leitores voltados para literatura de qualidade, com olhar crítico para o mundo”, conta Helder. “Realizamos ações culturais, empréstimo de livros, atendimento em escola, mediação de leitura, tudo de maneira voluntária.” O programa é aberto para todas as idades.
Embora fale da docência com orgulho, Helder não deixa de lado uma visão realista sobre o que representa seguir essa carreira. “O magistério ainda é muito romantizado aqui no Brasil, socialmente. Muita gente fala em dom, em sacerdócio, no cuidar. Eu não vejo assim, não, para falar a verdade. Precisa de muito empenho, de muito estudo, de muita pesquisa.” Como maior desafio, ele destaca a desvalorização profissional. “É o não pagamento do piso salarial, salas inadequadas, falta de estrutura. Coisa mínima”, resume.
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