NOTÍCIA
O futuro exige profissionais que compreendam não apenas a lógica da tecnologia, mas também o impacto social e ético de suas ações
Por Gilberto Garcia*, gerente de desenvolvimento do Senac São Paulo: A inteligência artificial (IA) está promovendo uma transformação profunda nas carreiras técnicas. Funções que antes se baseavam em atividades operacionais repetitivas agora exigem competências em análise de dados, pensamento crítico e domínio de tecnologias. Essa nova dinâmica desafia o modelo tradicional de formação técnica e impulsiona instituições de ensino e empresas a repensarem suas práticas.
A Quarta Revolução Industrial, descrita por Klaus Schwab (2016), já previa esse cenário de transformação. O autor destaca que o avanço tecnológico modificaria profundamente a forma como as pessoas vivem, trabalham e se relacionam. Isso já pode ser observado no mercado de trabalho, cuja IA não só substitui algumas tarefas humanas, mas também cria novas ocupações.
No setor de saúde, por exemplo, a IA está presente no registro de exames, na automação de dispensação de medicamentos e nos procedimentos de triagem. Essa mudança não elimina o papel dos técnicos da área de saúde e dos profissionais de apoio, mas modifica suas funções. Com os processos operacionais automatizados, esses profissionais podem dedicar mais tempo ao cuidado direto com os pacientes, fortalecendo o atendimento humanizado.
No setor de turismo, a IA personaliza roteiros e cria itinerários individualizados, propondo experiências mais alinhadas aos interesses do viajante. Isso não elimina a necessidade de guias de turismo, mas amplia suas possibilidades de atuação. Já no setor financeiro, a automatização de processos de crédito e a análise de risco com base em IA permitem decisões mais rápidas e precisas, o que transforma o perfil dos profissionais da área.
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Para que o mercado de trabalho técnico acompanhe essas mudanças, é essencial que as instituições de ensino técnico atualizem seus currículos e metodologias de ensino. Segundo um estudo da IBM, 41% das empresas brasileiras já implementaram ativamente a IA em seus negócios, o que sinaliza a urgência de formar profissionais capacitados para atuar nesse cenário.
No entanto, ensinar o uso técnico das ferramentas não é suficiente. A nova realidade exige competências mais abrangentes, como o pensamento crítico, a criatividade e a adaptação constante.
Outro aspecto crucial é a ética no uso da IA. Para garantir que os algoritmos sejam justos e imparciais, os futuros profissionais técnicos precisam ser formados para reconhecer e corrigir eventuais vieses nos sistemas.
Segundo a consultoria KPMG, o Brasil está entre os países que mais confiam na aplicação da IA no ambiente de trabalho, mas isso exige a adoção de práticas transparentes e responsáveis. A formação ética torna-se, assim, uma peça central nos cursos técnicos, pois futuros analistas de IA e técnicos que operam sistemas automatizados devem ser capazes de identificar riscos éticos e propor soluções para mitigá-los.
Embora o senso comum aponte que os jovens, por serem ‘nativos digitais’, possuem fluência natural em tecnologias, essa lógica não se aplica ao contexto das profissões técnicas. O domínio de redes sociais e aplicativos de uso pessoal não se traduz em conhecimento técnico sobre IA. Professores precisam ser formados para trabalhar com IA e orientar seus alunos no uso crítico e responsável dessas tecnologias.
Além disso, a exclusão digital ainda é uma realidade no Brasil e pode se tornar um obstáculo para a democratização do acesso à educação técnica de qualidade. Pesquisa encomendada pela Lenovo à consultoria IDC revela que, embora o Brasil seja o maior investidor em infraestrutura de IA na América Latina, muitas regiões ainda carecem de acesso à internet de qualidade e de equipamentos adequados. Superar esse desafio exige investimentos e políticas públicas que garantam a inclusão digital para todos os estudantes.
Apesar desse cenário, as oportunidades oferecidas pela IA no ensino técnico são amplas, mas a formação técnica precisa ser repensada, não podendo ser mais um aprendizado estático. É preciso formar agentes de mudança, pessoas capazes de criar soluções inovadoras e de interagir com tecnologias inteligentes de maneira ética e responsável. Isso exige uma educação mais inclusiva, baseada na democratização do acesso à tecnologia, na capacitação contínua de professores e no desenvolvimento de currículos dinâmicos.
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Com os investimentos em IA crescendo exponencialmente e as previsões de aumento na oferta de empregos, o Brasil tem a oportunidade de se posicionar como uma potência na capacitação de profissionais técnicos. Isso só será possível se a formação for capaz de preparar trabalhadores para os desafios de um mundo automatizado e, ao mesmo tempo, mais humano.
O futuro exige profissionais que compreendam não apenas a lógica da tecnologia, mas também o impacto social e ético de suas ações. Nesse sentido, o desafio está em equilibrar o uso eficiente da IA com uma formação crítica, inclusiva e humanizada.
Profissionais bem formados decidirão os rumos da tecnologia. Eles serão os agentes de uma nova era do trabalho, onde a IA não será uma substituta, mas uma aliada para transformar o mercado de trabalho em um espaço mais justo, eficiente e inclusivo.
*Gilberto Garcia é mestre em educação, arte e história da cultura e atua no Senac há 28 anos. Atualmente é gerente de desenvolvimento do Senac São Paulo e responsável pela gestão do portfólio de cursos de inteligência artificial.
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