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José Pacheco

Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)

Publicado em 23/12/2024

Uma pedagogia com humanidade

O sistema de ensinagem falhou, mas há a possibilidade de se criar um sistema de aprendizagem — uma nova construção social

Ceilândia, 31 de outubro de 2044

Netos queridos, para compreenderdes vicissitudes por que a educação passa neste ano de 2044, tereis de conhecer as do passado. Há uns 20 anos, encontrei no YouTube (recordais-vos desse velho site de compartilhamento de vídeos?) uma entrevista com António Nóvoa. Nessa entrevista, assim se manifestava o amigo António: 

“Palestras? Seminários? Isso serve pouco!”

Naquele tempo, ninguém duvidava da sabedoria do amigo António. Ninguém poderia pôr em dúvida a competência profissional e a autorizada palavra desse mestre. Ele tinha sido o representante de Portugal na Unesco e uma das vozes teóricas mais coerentes e consistentes, no campo da educação. E o que nos dizia o António nessa entrevista?

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Afirmava que o modelo educacional centrado no professor, na sala de aula, na turma, deveria acabar. Que seria necessário estabelecer uma nova relação com o conhecimento e definir outro papel do professor. Este não deveria ser mais o professor individual, solitário, em sala de aula, mas integraria um coletivo, trabalhando em equipe.

Dizia que a informação estava em todo o lugar: na biblioteca, na natureza, nas pessoas, na internet, mas de forma caótica, desorganizada, semeada de fake news… que seria necessário desenvolver senso crítico, autonomia moral e intelectual, ensinar a pesquisar, a aprender.

O papel do professor já não deveria ser o de transmitir informação, mas o de ajudar a dar sentido ao conhecimento, para que os alunos dele se apropriassem.

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“Não aquela coisa de… dar aula!” – exclamou António, ao referir-se ao “panorama da formação no Brasil, muito problemático, tal e qual no mundo” (sic). Seria preciso colocar o foco na formação profissional dos professores:

“Há universidades que têm uma formação extraordinária… do ponto de vista teórico. Mas, não têm um espaço de formação de professores, onde se produza a profissão”.

Sábias palavras. A universidade deveria estar ligada à profissão e às escolas. Os três ou quatro primeiros anos da vida de professor eram os mais importantes, definiam a sua profissionalidade. Por isso, a formação continuada deveria ter como locus principal a escola, na produção de novas práticas. E o mestre Nóvoa acrescentou:

“Não é preciso reinventar a roda. Temos de evoluir de uma lógica de disciplinas para uma lógica de problemas da Terra, das cidades, respeitando as dimensões estruturantes das disciplinas. Não adianta ir a cursos, seminários, ações de formação. Tudo isso é um negócio imenso, que existe no mundo, que existe no Brasil, também. É um negócio que serve de muito pouco para a formação dos professores. A gente ouve umas pessoas falar de umas coisas, mas pouco adianta.

A formação de professores não é ir ouvir palestras. Isso de pouco serve”.

Talvez porque a entrevista não fosse conveniente a podres poderes, não ‘viralizou’. Não conviria que as famílias, a sociedade, os professores e as escolas se apercebecem da falência do sistema de ensinagem e da possibilidade de se criar um sistema de aprendizagem — uma nova construção social.

Isso acontecia, 20 anos atrás. Se, hoje, os vossos filhos aprendem o necessário para viver uma vida decente, o devem a anônimos educadores daquele tempo, educadores éticos, que souberam escutar o mestre Nóvoa.

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