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Edição 308

Interdisciplinaridade: currículo que dialogue com a vida e dê sentido

Professores apresentam experiências de conexão entre as áreas de conhecimento no ensino médio

Publicado em 22/11/2024

por Redação revista Educação

*Por Juliana Ligorio: A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Médio define o conjunto de aprendizagens essenciais que todos os estudantes devem desenvolver ao longo dos três anos. Divide ainda o currículo em quatro áreas de conhecimento (linguagens e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias, ciências da natureza e suas tecnologias e ciências humanas e sociais aplicadas), além de ofertar itinerários formativos com componentes curriculares construídos pelas escolas e que deem a oportunidade de aprofundamento nas áreas definidas.

Com esse formato, o documento induz a uma maior interdisciplinaridade entre as disciplinas que estão acopladas em cada área de conhecimento bem como nos itinerários. Mas como isso pode e está sendo feito nas escolas? Quais são os benefícios para os estudantes? Quais são os desafios para os professores?

Para conversar sobre as possibilidades da interdisciplinaridade no ensino médio entrevistamos Marizete Matiello, professora de graduação que coordenou a implantação de um currículo formado pelas áreas de conhecimento em um colégio em Santa Catarina, Marquilandes Borges de Sousa, professor de história em duas escolas de São Paulo, e Fernando José de Almeida, professor de pós-graduação em educação e currículo na PUC-SP.

Experiências de interdisciplinaridade 

O ensino médio do Colégio Unochapecó foi inaugurado em 2020 já com um currículo construído com as áreas de conhecimento definidas pela BNCC. Marizete Matiello, professora na Universidade Unochapecó e que coordenou a implementação do currículo, conta como a escola é estruturada. “Os alunos têm aulas a manhã inteira de ciências da natureza; ali dentro vão ter os saberes de química, física e biologia com três professores organizando e mobilizando esse conhecimento ao mesmo tempo na sala de aula. No caso de linguagens, a gente tem duas professoras que dominam as quatro áreas de conhecimentos; em humanas também são duas. A área da matemática é a única que está sozinha, mas em muitos momentos ela se articula com a área das ciências da natureza.”

 

interdisciplinaridade

Marizete Matiello coordenou a implantação de um currículo por áreas de conhecimento no Colégio Unochapecó: o maior desafio foi na formação docente (Foto: arquivo pessoal)

Para que isso fosse possível, Marizete Matiello explica que “desde o primeiro momento, o maior desafio que enfrentamos foi o processo formativo dos professores. Investimos em formação, em tempo de trabalho. Hora remunerada para planejamento coletivo, compromisso de estar em formação contínua e acompanhamento semanal da orientação.” Ou seja, o tempo de troca entre professores e orientadores mais planejamento coletivo são essenciais para um bom trabalho interdisciplinar.

Na garantia da interdisciplinaridade entre as áreas de conhecimento, ela conta que desenvolvem projetos. Um deles foi com o tema Cidades Inteligentes.

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Sobre o processo de aprendizagem dos estudantes, Marizete Matiello explica que “durante os primeiros anos percebemos que os alunos tiveram dificuldade de se adaptar no primeiro ano, pois vieram de currículos disciplinares. Mas já no primeiro trimestre decolaram, pois entenderam como se constrói conhecimento”, sendo esse, segundo ela, um dos grandes benefícios para os jovens em relação a um currículo interdisciplinar.

Marquilandes Borges de Sousa, professor de história do Colégio Waldorf Micael e do Colégio Beatíssima Virgem Maria, ambos em São Paulo, acredita que para o estudante do ensino médio é mais interessante ele aprender a partir da interdisciplinaridade das áreas de conhecimento, mas que não é algo simples de fazer no cotidiano da escola: “isso depende de tempo de planejamento. É preciso tempo para sentar e pensar como o aprofundamento das áreas pode se dar em relação a cada tema. Olhar onde há cruzamentos possíveis. Se os professores não têm esse tempo de planejamento, as melhores ideias acabam se perdendo”.

A experiência de Marquilandes mostra que os itinerários formativos podem se transformar em um momento no qual os professores pensem em um planejamento comum, por um semestre, por exemplo, dentro de um grande tema. “Os itinerários podem trazer essa oportunidade para as instituições escolares.” Ano passado, o Colégio Waldorf Micael ofereceu dois itinerários para os alunos do 2º ano e do 3º ano do ensino médio. O grande tema, nas áreas de ciências humanas e sociais aplicadas e linguagens e suas tecnologias, foi Dinâmicas sociais na contemporaneidade, e a partir dele foi definido um tema por semestre e um planejamento interdisciplinar. Marquilandes de Sousa observou que “os alunos se beneficiam por olhar para um grande tema a partir de diferentes perspectivas”.

 

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Aprender a partir da interdisciplinaridade depende de tempo e planejamento escolar, diz Marquilandes Borges de Sousa, professor no Colégio Waldorf Micael e Colégio Beatíssima Virgem Maria (Foto: Simone Scaglione)

Quais os objetivos da educação?

Fernando José de Almeida, professor de pós-graduação em educação e currículo na PUC-SP, também avalia que “a interdisciplinaridade é boa”. Mas, para ele, “o que une as disciplinas em torno de algo comum são os objetivos que a gente tem e, ao criá-los, vou juntando as áreas. Tem muita coisa em comum entre as áreas do conhecimento. Não quer dizer que eu faço ao mesmo tempo.”

O que o professor da PUC quer apresentar é que a educação tem grandes objetivos humanos, “os quais são objetivos da interdisciplinaridade. Porque todos os professores podem ensinar a observar, a comparar, a catalogar com o rigor científico, com linguagem cientifica”.

Membro do conselho editorial da revista Educação, Fernando já orientou mais de 100 teses sobre currículo, é convidado para atualizar currículos de escolas e foi nomeado, recentemente, pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) — órgão vinculado ao Ministério da Educação —, para compor o grupo de trabalho que visa reorganizar a reforma do novo ensino médio.

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A escola, segundo Fernando, é a ponte que orienta o estudante a compreender onde ele está no mundo e que mundo é esse. “Estou no Brasil, nesse grupo social, nessa economia e cultura”, exemplifica. “Quando fazemos um currículo abstrato, dá a entender que a física é abstrata. E não, tem que ser do concreto da vida, de onde as pessoas estão”, acrescenta.

Nessa linha, um bom currículo nacional para o ensino médio, reforça Fernando José de Almeida, é aquele que descreve e analisa o que a sociedade está vivendo, percebe as causas e a história, e faz alguma proposta de inovação. “A preocupação com a aprendizagem não é a do jovem [apenas] trabalhar. As pessoas que aprendem têm de querer aprender cada vez mais, e achar no trabalho do conhecimento algo prazeroso”, defende, ao pontuar que conhecimento não é deslocado do trabalho. “Na escola, o garoto precisa pensar sobre o trabalho, pensar novas modalidades de trabalho. Pensar mais sobre o significado do trabalho e sua melhoria. O trabalho do pensamento é como outro qualquer. O trabalho intelectual é um tipo de trabalho. Afinal, o pensamento é uma necessidade humana.”

Ele acrescenta a preocupação com o tempo também na aprendizagem dos jovens no ensino médio. “O tempo da aprendizagem como um tempo de humanização é o que me distingue da máquina.” O educador, o currículo, a política pública devem valorizar o tempo da escola para que o aluno tenha prazer em aprender.

“O tempo para a escola não é dinheiro, é vida. Então, quanto mais tempo eu tiver na vida, melhor. Aprendizagem é um trabalho que com o tempo se torna humanizante e prazeroso”, finaliza.

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O currículo tem de ser concreto, abordar a sociedade, porque “a educação tem grandes objetivos humanos”, defende o professor da PUC-SP Fernando José de Almeida (Foto: arquivo pessoal)

 

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