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Incentivo à leitura conscientiza meninas sobre violência sexual

‘Em busca dos jardins’, projeto criado por estudantes da rede pública de Porto Alegre, promove discussões sobre saúde menstrual e combate à violência sexual. Iniciativa venceu o Prêmio Escolas Sustentáveis deste ano

Publicado em 10/09/2024

por Maria Eugênia

Ao entender que suas mães deixaram oportunidades de lado para darem conta das demandas da vida familiar, além de outras questões problematizadoras, estudantes da rede pública de Porto Alegre, RS, com o intuito de reverter esse cenário, têm promovido encontros na biblioteca da escola, além da criação de projetos voltados para os direitos das crianças, meninas, adolescentes e mulheres. Nasce em 2019, então, o projeto Em busca dos jardins, cujas idealizadoras são alunas da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Saint-Hilaire, localizada na Lomba do Pinheiro, zona periférica de Porto Alegre.

Essas jovens compreenderam a necessidade de práticas pedagógicas que as façam se planejarem e se projetarem para o futuro, tanto que nos encontros na biblioteca da escola elas promovem leituras que dialogam com temas como: saúde mental, dignidade menstrual, trabalho de cuidado não remunerado, combate à violência sexual, entre outros assuntos. Como forma de conscientização e representatividade, a literatura indígena e a literatura negra também fazem parte da iniciativa. 

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O nome do projeto foi inspirado na leitura do ensaio Em busca dos jardins de nossas mães (ed. Bazar do Tempo), da escritora afro-americana Alice Walker, e nasceu dentro do Coletivo Luísa Marques, um grupo de meninas da escola preocupadas com questões que as prejudicam nos estudos. 

Reconhecimento dentro e fora

“No nosso território, a maioria das meninas, desde pequenas, realizam o trabalho de cuidado, perdendo oportunidades de viver a infância e também a vida escolar. Além disso, a quantidade de casos de violência sexual na comunidade escolar era algo que nos preocupava enquanto educadoras. É nesse contexto que nasce o Coletivo Luísa Marques”, explica Maria Gabriela Pires de Sousa, professora dos anos iniciais e finais e que hoje atua na biblioteca da EMEF Saint-Hilaire com os projetos de aprendizagem que envolvem a mediação de leitura, como o Em busca dos jardins. Diante do cenário, a escola também passou a apoiar as ações propostas pelo coletivo. 

O projeto é vencedor do Prêmio Escolas Sustentáveis 2024 na etapa Brasil e finalista na etapa internacional (resultados ainda serão divulgados), uma iniciativa da Santillana, Organização de Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) e a Fundação Santillana, que busca valorizar e divulgar projetos de educação e gestão socioambiental no Brasil, México e Colômbia, que realizem mudanças significativas dentro e fora do ambiente escolar, e mobilizem a população sobre a necessidade de preservação e recuperação socioambiental do planeta.

Impacto na comunidade escolar

Segundo a professora Maria Gabriela, a partir da implantação do projeto, é possível notar diversas mudanças na comunidade escolar, como romper o tabu da menstruação dentro da escola. Quando as alunas falaram sobre a menstruação, todo o ambiente escolar se mobilizou para acolher as meninas em situação de vulnerabilidade e também incentivá-las a adotar estratégias sustentáveis para a saúde menstrual, por exemplo, a recomendação do uso da bolsa térmica de sementes dentro da sala de aula no caso de cólica.  

O Em busca dos jardins também impactou os meninos. Muitos passaram a pedir informações para acolherem suas mães, namoradas e mulheres que convivem. Já as crianças que passam pelo período menstrual entenderam que são crianças e são incentivadas a viverem sua infância. Como adiantado, a valorização da literatura indígena e negra também é uma das conquistas trazidas pela iniciativa. Antes a biblioteca não tinha livros de escritores indígenas, e graças ao projeto, a EMEF Saint-Hilaire conseguiu incluir a literatura indígena e negra no repertório literário das crianças e adolescentes. 

O projeto ainda teve um papel importante no combate à violência sexual. Maria Gabriela destaca que nas mediações de leitura para o combate à violência sexual, somente este ano, cerca de 300 estudantes denunciaram o crime. 

Principais desafios

A falta de recursos financeiros para a compra de livros foi um grande desafio encontrado durante a execução do projeto. Para enfrentá-lo, as alunas fizeram doações para comprar os livros, venderam doces e até criaram a feira da empreendedora, que reúne não só as estudantes, mas também suas mães. 

“Na feira, as meninas têm uma banca e vendem itens de papelaria para arrecadar recursos financeiros visando a realização das ações do projeto. Foi com o dinheiro de doações, venda de doces e itens de papelaria que as alunas conseguiram costurar absorventes para todas as estudantes da escola”, revela a professora Maria Gabriela Pires de Sousa. 

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Tragédia no RS

A enchente que afetou o Rio Grande do Sul entre abril e maio deste ano também foi outro obstáculo para o projeto, e fez com que os alunos e professores ficassem afastados da rotina escolar. Porém, isso não impediu as estudantes do coletivo de seguirem com suas ações cidadãs. 

“As alunas foram aos abrigos temporários contar histórias para as crianças, arrecadaram alimentos, roupas e itens de higiene para as pessoas que foram afetadas pelas chuvas. Nosso bairro é alto, não tivemos alagamentos. Por isso, abrigamos muitas pessoas no nosso território e levamos nossas práticas afetivas para as crianças e adolescentes que tiveram suas vidas afetadas”, conta Maria Gabriela. 

Outras iniciativas da EMEF Saint-Hilaire

A Saint-Hilaire também foi finalista do mesmo Prêmio Escolas Sustentáveis em 2023, com o projeto Garotas de vermelho, iniciativa que teve entre os objetivos dar voz às meninas para falarem sobre a menstruação e apresentar alternativas sustentáveis para o período menstrual. Por meio de conversas com uma ginecologista, professora de design, idas até a horta comunitária do bairro, as alunas aprenderam mais sobre a menstruação, como abordá-la de forma sustentável, e como os chás, por exemplo, podem aliviar as cólicas.

A partir da aprendizagem, as estudantes escreveram o livro De onde é esse sangue, Joana?, criaram kits de saúde menstrual e com o valor da venda doarem itens sustentáveis para as pessoas em situação de vulnerabilidade. Também conversaram sobre o assunto com toda a escola.

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Maria Eugênia


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