Alexandre Le Voci Sayad é jornalista, educador e escritor. Mestre em inteligência artificial e ética pela PUC-SP e apresentador do Idade Mídia (Canal Futura)
Publicado em 12/08/2024
Estimulados, jovens brasileiros se destacam em competições e projetos internacionais, inclusive no MIT
Em julho, o MIT (Massachusetts Institute of Technology) tornou–se a mais brasileira das escolas de engenharia dos Estados Unidos. O “AI & Education Summit” reuniu estudantes de ensino médio de todo o mundo, que apresentaram projetos envolvendo inteligência artificial para soluções comunitárias. Pesquisadores do próprio MIT, além de lideranças das big techs, analisaram centenas de projetos, e elegeram o aplicativo Land Slide, criado pelos estudantes Felipe Ferraz, Henrique Ambrogi e João Vitor Battiferro, da Escola Lourenço Castanho, de São Paulo, como o vencedor na categoria “Inovação e Criatividade”.
A questão que o sistema se propõe a solucionar não poderia ser mais verde e amarela: alertas para áreas com riscos de deslizamento de terra. A tragédia de São Sebastião, litoral norte de São Paulo, ocorrida em 2023, estimulou os estudantes a realizar uma pesquisa em campo e pensar em uma solução envolvendo programação, inteligência artificial e internet das coisas. Com sensores, um sistema de monitoramento de umidade aciona um alerta com recomendações de ações de segurança, estas criadas por inteligência artificial — afinal, o sistema está integrado ao ChatGPT. O desenvolvimento do protótipo foi orientado pelo professor André Lozano.
—–
Brasil enaltece juventude, mas a abandona à própria sorte
Inteligência artificial e o jogo geopolítico
—–
O prêmio acontece justamente no ano em que o Brasil ocupa a 44ª posição entre 57 países-membros e parceiros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) na avaliação do Pisa, que mede a criatividade. A nota média dos brasileiros foi 23, enquanto a média dos países da OCDE foi 33, em uma escala de 0 a 60 pontos.
Iniciativas como a do MIT abarcam duas questões contemporâneas de uma vez só, de forma transversal: a incapacidade de disciplinas isoladas lidarem com questões complexas (como a ética da inteligência artificial) e o desenvolvimento de criatividade, aqui compreendida como uma competência. Alvo de críticas, o que a avaliação do Pisa trouxe de positivo foi apresentar a criatividade não como um dom inato, ou mágico, mas como uma competência que a escola deve desenvolver no estudante, e deve também avaliar.
Além disso, a conferência no MIT está no âmbito da iniciativa Raise (Responsible AI for Social Empowerment and Education) do MIT Media Lab, em colaboração com MIT Schwarzman College of Computing e MIT Open Learning. A faculdade foi uma das primeiras a desenvolver um currículo aberto de letramento algorítmico e a se preocupar com a chegada da inteligência artificial na vida dos estudantes.
É possível enumerar algumas centenas de razões que tornam a compreensão de como funcionam sistemas de inteligência artificial um elemento fundamental para a educação hoje. Se o filósofo e comunicador canadense Marshall McLuhan acreditou que a eletricidade tenha sido um fator decisivo para impactar as relações humanas e sociais, hoje alguns pesquisadores acreditam que o impacto da inteligência artificial será tão grande quanto. Novamente, a lâmpada elétrica se torna um ícone de nossas extensões humanas — “a tecnologia do homem é o que ele tem de mais humano”, acreditava o canadense.
O pós-humanismo não é uma declaração anti-iluminista na sua essência, e tampouco retira da educação a responsabilidade de formar seres humanos responsáveis e éticos. Pelo contrário, é um sinal de alerta contundente de que artefatos e técnicas exercem uma influência na vida da sociedade que não pode ser ignorada, ou estaríamos exercitando um pensamento crítico que ignora o ‘todo’ (sistêmico). A criatividade, como a aplicada ao projeto dos estudantes brasileiros, ainda é um atributo humano.
—–
Rita Coelho: “educação infantil não tem meta de alfabetização”
Sem celular na sala de aula, alunos convivem mais entre si
—–
Difícil encarar a contemporaneidade sem estar interconectado. A complexidade e interconexão entre os fenômenos que acontecem no mundo hoje, muito bem estudada e divulgada pelo francês Edgar Morin, exige respostas à altura. Muitas vezes a construção de pontes entre elementos pouco prováveis tem sido uma reação das escolas para esse desafio. Por outro lado, educadores e outros profissionais que não tiveram formação para a criação dessas ‘travessias disciplinares’ podem sentir-se impotentes e até frustrados diante das questões que os cercam. O mesmo vale para os familiares que procuram nos modelos educativos do passado, como nos currículos rígidos, soluções para o presente.
A educação pública, que alcança 90% dos estudantes do Brasil, também cultiva boas práticas. O mineiro Gabriel Rocha, de 14 anos, estudante da rede pública até o ano passado, e hoje bolsista do Sesi, tornou-se uma das crianças mais prolíficas em matemática graças ao seu envolvimento com a disciplina e a criatividade. Foi estimulado pelas Olimpíadas Científicas — é vencedor de mais de 30. Começou no Concurso Canguru de Matemática, em 2021, e hoje é um ‘caçador de asteróides’ do programa Cidadão Cientista IASC/MCTI, parceria entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e o International Astronomical Search Collaboration.
Retirar a aura mística da ‘criatividade’, e posicionar essa competência como elemento de outras disciplinas, sobretudo nas exatas, é uma tarefa já prevista na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), mas precisa tornar-se uma realidade no chão das escolas. Isso inclui fortalecer a criatividade humana, inclusive, na interação com outros objetos, como os algoritmos de inteligência artificial, para a construção de sistemas transparentes e éticos — ou seja, criar pontes imprescindíveis entre a competência e a ciência, no cotidiano dos estudantes.
—–
Revista Educação: referência há 28 anos em reportagens jornalísticas e artigos exclusivos para profissionais da educação básica
—–