Filha do educador Rubem Alves, foi presidente do Instituto Rubem Alves. É escritora, palestrante e fundadora da Arquitetura do Sensível
Publicado em 04/12/2023
Uma alternativa para dar sabor ao saber; das diretrizes da BNCC às atividades e brincadeiras em sala de aula
Desde 2018, com a implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como eixo norteador e regulador da educação básica brasileira, a educação ganhou força técnica para a transmissão do saber (conhecimento). Contudo, saber sem sabor é enfadonho, além de ser candidato ao desprezo pelos estudantes que, por ainda estarem dentro do processo, ignoram sua relevância.
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Para a educação equilibrar a técnica com o prazer, ou seja, o saber com o sabor, além de conhecer alguns princípios básicos da BNCC e ter subsídios para ‘adoçar’ o conhecimento, atribuindo-lhe o prazer, precisamos reconhecer que ela foi construída a partir de uma malha complexa e milimetricamente detalhada, que deve ser adotada e consultada como um manual organizador, regulador e orientador da educação básica, disponível para consulta pelo site http://basenacionalcomum.mec.gov.br/.
Afinal, se vivemos num país que reúne em seu território grandes metrópoles e centros tecnológicos, regiões ribeirinhas, caatingas e serrados, e assim por diante, de alguma forma ou de outra, mesmo que a prioridade suprema seja reconhecer e valorizar as características regionais e locais, há de se encontrar um denominador comum que possibilite que uma criança escolarizada numa região se encontre em outra caso necessário.
A despeito de toda malha técnica e indigesta, a Base Nacional Comum Curricular levanta, reconhece e valoriza a importância do desenvolvimento das habilidades socioemocionais — e eu, que coloco o cuidado com os sentimentos e o equilíbrio entre razão e emoção em primeiro plano, aprecio.
Sempre afirmo que para os dias atuais, o mais audacioso que temos a fazer é justamente sermos humanos. E o desenvolvimento das habilidades e competências socioemocionais é o princípio disso.
Penso que uma solução para a equação entre a dureza aritmética da BNCC e a poesia do desenvolvimento humano seja a educação pautada em projetos pedagógicos.
Planejar e desenhar um projeto pedagógico permite que as experiências sensíveis se construam sem que o direcionamento se perca. E para isso, resgato na minha memória os anos 2000, quando meu pai Rubem Alves (1933-2014) foi visitar a Escola da Ponte em Portugal, evento que reacendeu nele a chama da esperança na possibilidade de uma educação saborosa e sensível.
Era ocasião dos 500 anos do ‘descobrimento do’ Brasil (embora o correto seja invasão). Ele viu crianças e jovens aprendendo e pesquisando simultaneamente sobre geografia, astronomia, história, física e assim por diante com motivação e companheirismo. Creio que de alguma forma ou de outra havia um projeto pedagógico que estruturava todas as áreas de interesse possíveis em torno do tema principal. E penso que essa seja a grande graça de pautar a transmissão e a aquisição de conhecimento sobre projetos pedagógicos: poder ‘dançar’, ir e vir sobre as mais variadas pesquisas, vivências e experiências com poesia e sensibilidade sem perder o fio da meada.
Para que isso aconteça, precisamos levar em consideração que o corpo humano tem uma ‘lógica de consumo” de conhecimento e respeitá-la é condição sine qua non para que os projetos aplicados obtenham bons resultados. Rubem Alves, apoiado no pensamento de Santo Agostinho, dizia que essa lógica se divide em duas caixas: a caixa de ferramentas e a caixa de brinquedos. Ou seja, conhecimentos que nos dão instrumentos e ferramentas para viver melhor (caixa de ferramentas) e conhecimentos que nos dão prazer (caixa de brinquedos).
Trazendo para o cotidiano, podemos comparar esse ‘consumo’ de conhecimento como o ato de fazer compras no mercado: apenas escolhemos para colocar no nosso carrinho de compras aquilo que realmente precisamos ou aquilo que teremos o prazer de ter ou de comer. Caso algum item do supermercado não nos seja necessário e nem nos dê satisfação, não o compraremos.
Quando nos vemos diante dos conhecimentos que precisam ser atribuídos aos alunos, precisamos nos perguntar se, para a realidade e a vida deles, o conteúdo entrará na lógica de ‘consumo’. Caso não se enquadrem, os projetos pedagógicos podem atuar como agentes transformadores, atribuindo sabor e prazer para que o conhecimento seja apreendido com mais eficiência.
Além disso, no âmbito técnico, projetos pedagógicos podem contemplar todas as áreas de conhecimento e respectivas ramificações estipuladas na BNCC, nos mais variados ‘moldes’, atendendo as necessidades do educador.
Abaixo, apresento etapas que organizei para a construção de projetos, independente do ano letivo, disciplina e tempo disponível. Contudo, acredito que bastam poucas experiências de elaboração e aplicação de projetos bem-sucedidos para que o processo comece a se dar de forma intuitiva, articulando a técnica, a criatividade e o prazer. Espero que gostem e possam fazer bom proveito!
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Em primeiro lugar, é preciso determinar a ‘espinha dorsal’ do projeto, para que todas as ações conduzam ao objetivo sem que se percam no meio do caminho. Essa etapa, de caráter misto, pois interliga a(s) demanda(s) pedagógica(s) com inspiração, pode ser determinada a partir de alguns tópicos:
Nesta fase de construção de um projeto, estabelece-se o começo, meio e fim, bem como o prazo da sua aplicação e concretização.
O projeto terá como base algum livro? Filme? Atividade fora da escola? Em caso de pesquisas, quais recursos e fontes confiáveis (digitais ou não) podem ser apresentadas para os alunos?
A BNCC é o eixo norteador que a educação básica brasileira deve seguir afim de assegurar que os processos de ensino e aprendizagem estejam alinhados e contextualizados em todo o território nacional. Para isso, o projeto deve ter claro alguns tópicos:
Muitas possibilidades e alternativas novas aparecem a partir do momento em que começamos a estruturar um projeto. Ao adotarmos um livro, por exemplo, podemos perceber que a mesma história pode contemplar outras áreas de conhecimento, além da escolhida para um projeto, de forma que um mesmo livro pode abarcar língua portuguesa, ciências da natureza e ciências humanas por exemplo. Tudo depende do conteúdo.
Da mesma forma, novas ideias podem abrir a possibilidade para que mais indicadores da BNCC sejam contemplados. Retomar a construção do projeto desde o início, quando está sendo finalizado, permite que outras iniciativas pedagógicas de qualidade se estruturem a partir dele e, assim, muitos objetos de conhecimento que inicialmente seriam ensinados separadamente, podem passar a fazer parte de um grupo muito maior que um projeto bem estruturado pode contemplar, sem contar as ideias para novos projetos que podem surgir.
Cada profissional que acompanha seus alunos deve adotar por si sua ‘métrica’ avaliativa. Houve participação, interesse e envolvimento? Houve aprendizado efetivo a partir das vivências e pesquisas? Houve o despertar de habilidades e competências? Houve cooperação? A execução do projeto tocou nos quatro pilares da educação (Unesco): aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a conviver?
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