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Nos EUA, abordagem coletiva tem melhorado o desempenho escolar

Por John Kania e Mark Kramer*: O tamanho e a complexidade do sistema de ensino público dos Estados Unidos frustraram por décadas as tentativas de reforma. Os principais financiadores, como a Fundação Annenberg, a Fundação Ford e a Pew Charitable Trusts abandonaram muitas de suas […]

Destaque - Stanford

Por John Kania e Mark Kramer*: O tamanho e a complexidade do sistema de ensino público dos Estados Unidos frustraram por décadas as tentativas de reforma. Os principais financiadores, como a Fundação Annenberg, a Fundação Ford e a Pew Charitable Trusts abandonaram muitas de suas iniciativas ao reconhecerem que seus esforços foram infrutíferos. Outrora líder global — depois da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos tinham a mais alta taxa de conclusão do ensino médio do mundo —, o país ocupa agora o 18º lugar entre as 24 maiores nações industrializadas: no ensino médio, a evasão escolar ultrapassa anualmente 1 milhão de alunos. 

Os esforços heroicos de incontáveis professores, administradores e organizações sem fins lucrativos, e bilhões de dólares em contribuições beneficentes, ainda que tenham aperfeiçoado o ensino em escolas individuais, estão longe de produzir o aperfeiçoamento do sistema como um todo, meta esta que permanece virtualmente inalcançável. Contra essas probabilidades desalentadoras, uma exceção notável emerge na cidade americana de Cincinnati. A Strive, subsidiária sem fins lucrativos da KnowledgeWorks, reuniu líderes locais para enfrentar a crise de desempenho dos alunos e melhorar a educação na Grande Cincinnati e no norte do estado de Kentucky. Nos quatro anos desde que o grupo foi criado, os parceiros da Strive melhoraram o desempenho dos alunos em dezenas de áreas-chave em três grandes distritos de escolas públicas. Apesar da recessão e dos cortes no orçamento, 34 dos 53 indicadores de sucesso que a Strive acompanha mostraram tendências positivas, como altos índices de conclusão do ensino médio, boas pontuações de leitura e matemática no quarto ano e elevado número de crianças em idade pré-escolar bem preparadas para o jardim de infância.

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Por que a Strive avançou quando tantos outros falharam? Porque um grupo central de líderes comunitários decidiu abandonar suas prioridades individuais em favor de uma abordagem coletiva capaz de melhorar o desempenho escolar. Mais de 300 dirigentes de organizações locais concordaram em participar, incluindo chefes de influentes fundações privadas e corporativas, funcionários do governo municipal, representantes de distritos escolares, presidentes de oito universidades e faculdades comunitárias e diretores executivos de centenas de instituições sem fins lucrativos na área da educação.

Esses líderes perceberam que fixar um ponto no percurso educacional — como melhores programas após as aulas — não faria muita diferença, a menos que todas as partes do processo melhorassem ao mesmo tempo. Nenhuma organização, por mais inovadora ou poderosa que seja, seria capaz de realizar isso sozinha. Daí o esforço conjunto: a missão desse grupo passou a ser o acompanhamento do jovem, de modo coordenado, nas várias etapas de sua vida, do “berço à carreira”.

A Strive não tentou criar nenhum programa educacional novo nem buscou convencer os doadores a gastar mais dinheiro. Por meio de um plano cuidadosamente estruturado, optou por enquadrar toda a comunidade educacional em um único conjunto de objetivos, medidos da mesma maneira. As organizações participantes são agrupadas em 15 diferentes Redes de Sucesso do Estudante (SSNs, na sigla em inglês) por tipo de atividade, como educação infantil ou tutoria. Nos últimos três anos, de 15 em 15 dias as SSNs se reúnem com orientadores e facilitadores por duas horas com o intuito de desenvolver indicadores de desempenho compartilhados. Elas avaliam seu progresso e, o mais importante, aprendem umas com as outras e se apoiam mutuamente convergindo esforços.

A Strive, tanto a organização como o processo que ajuda a facilitar, é exemplo de impacto coletivo, de comprometimento de um conjunto de atores importantes de diferentes setores em prol de uma agenda comum a fim de solucionar um problema social específico. Colaboração não é nenhuma novidade. O setor social está repleto de parcerias, redes e outros esforços conjuntos. Mas as iniciativas de impacto coletivo são visivelmente distintas. Ao contrário da maioria das colaborações, estas requerem infraestrutura centralizada, equipes dedicadas e processos estruturados com agenda comum, mensuração compartilhada, comunicação contínua e ativa e harmoniosa participação de todos os integrantes.

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Embora raros, existem exemplos bem-sucedidos de impacto coletivo com foco nas questões sociais que, como a educação, exigem mudanças de comportamento de muitos atores para resolver questões complexas. Em 1993, Marjorie Mayfield Jackson ajudou a fundar o Projeto Rio Elizabeth com a missão de despoluir, no sudeste do estado americano da Virgínia, o Rio Elizabeth, que por décadas servira como depósito de lixo industrial. Mais de 100 partes interessadas  deram-se as mãos para desenvolver um plano de 18 pontos com a finalidade de restaurar a bacia hidrográfica: a prefeitura de Chesapeake, Norfolk, Portsmouth e Virginia Beach, no estado da Virgínia; o Departamento de Qualidade Ambiental da Virgínia; a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA); a Marinha americana; e dezenas de empresas locais, escolas, grupos comunitários, organizações ambientais e universidades.

Quinze anos depois, mais de 400 hectares de terras de bacia hidrográfica tinham sido conservados ou restaurados; a poluição, caído em mais de 100 mil toneladas; as concentrações de carcinógeno severo, reduzidas em seis vezes; e a qualidade da água, melhorado significativamente. Ainda há muito a ser feito antes que o rio seja totalmente recuperado, mas 27 espécies de peixes e ostras já estão se desenvolvendo nos pântanos recuperados, e as águias-de-cabeça-branca voltaram a nidificar nas margens.

Outro exemplo é a Shape up Somerville, uma iniciativa para reduzir e prevenir a obesidade infantil em crianças do ensino fundamental nesse município, localizado em Massachusetts. Liderado por Christina Economos, professora associada da Escola de Ciência e Política da Nutrição Gerald J. e Dorothy R. Friedman, da Tufts University, e financiado pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças, pela Fundação Robert Wood Johnson, pela Blue Cross Blue Shield de Massachusetts e pela United Way of Massachusetts Bay e Merrimack Valley, o programa teve a participação de funcionários do governo, educadores, empresas, organizações sem fins lucrativos e cidadãos na definição coletiva de práticas de prevenção de ganho de peso e prol do bem-estar.

As escolas concordaram em oferecer alimentos saudáveis, ensinar nutrição e promover a atividade física. Os restaurantes locais recebiam certificação se servissem alimentos com baixo teor de gordura e alto valor nutricional. A prefeitura organizou um mercado de agricultores e ofereceu a quem adotasse um estilo de vida saudável incentivos como inscrições em academias de ginástica a preço reduzido para os funcionários da municipalidade. Até mesmo as calçadas foram modificadas e as faixas de pedestres repintadas para incentivar as crianças a ir para a escola a pé. O resultado foi a diminuição estatisticamente significativa no índice de massa corporal nas crianças pequenas da comunidade entre 2002 e 2005.

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As empresas começam igualmente a explorar o impacto coletivo para enfrentar problemas sociais. A Mars, fabricante dos chocolates M&M’s, Snickers e Dove, está atuando em parceria com ONGs, governos locais e até mesmo concorrentes diretos para melhorar a vida de mais de 500 mil produtores de cacau pobres na Costa do Marfim, onde a empresa obtém grande parte dessa matéria-prima. A pesquisa indica que práticas agrícolas mais eficazes e melhores estoques de plantas podem triplicar a produção por hectare, aumentando consideravelmente a renda dos agricultores e impulsionando a sustentabilidade da cadeia de suprimentos da Mars. Para tanto, ela terá de contar com a colaboração efetiva de governos, grupos e instituições: o governo da Costa do Marfim haverá de fornecer mais equipes agrícolas de treinamento; o Banco Mundial, financiar novas estradas; e doadores bilaterais, apoiar as ONGs na área da saúde, nutrição e educação nas comunidades produtoras de cacau. A Mars tem de encontrar maneiras de trabalhar com seus concorrentes diretos em questões pré-competitivas para chegar até agricultores que estão fora de sua cadeia de suprimentos.

Todos esses casos variados guardam um ponto em comum: a mudança social em grande escala vem da melhor coordenação intersetorial, e não da intervenção isolada de organizações individuais.
abordagem coletiva
Imagem: shutterstock

As evidências da eficácia dessa abordagem ainda são limitadas, mas os exemplos indicam que, se organizações sem fins lucrativos, governos, empresas e o público se unissem em torno de uma agenda comum para criar impacto coletivo, muitos de nossos sérios e complexos problemas sociais poderiam ser minimizados de modo substancial. Isso não acontece com frequência, e não por impossibilidade, mas por falta de tentativa. Financiadores e organizações sem fins lucrativos negligenciam o potencial de impacto coletivo porque estão acostumados a se concentrar na ação independente como o principal veículo de mudança social.

*John Kania é diretor administrativo da FSG, onde supervisiona a prática de consultoria.

Mark Kramer é cofundador e diretor administrativo da FSG, cofundador e primeiro presidente de conselho do Center for Effective Philanthropy e membro sênior da John F. Kennedy School of Government da Harvard University.

**Este artigo faz parte da Stanford Social Innovation Review Brasil (SSIR). Leia o artigo completo no site da SSIR: clique aqui.

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Autor

Stanford Social Innovation Review Brasil


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