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Por Wallace Morato*: Sustentabilidade, custos, gestão de fluxo de caixa: raros momentos em minha carreira percebi espaços abertos a esses tipos de reflexões como no painel da Bett Recife Como manter um fluxo financeiro saudável, evento que aconteceu entre 5 e 6 de outubro, voltado […]
Publicado em 24/11/2022
Por Wallace Morato*: Sustentabilidade, custos, gestão de fluxo de caixa: raros momentos em minha carreira percebi espaços abertos a esses tipos de reflexões como no painel da Bett Recife Como manter um fluxo financeiro saudável, evento que aconteceu entre 5 e 6 de outubro, voltado ao setor da educação e do qual fui convidado a palestrar.
Gestão administrativa/financeira sentada lado a lado de gestão pedagógica é um movimento novo nas escolas.
Tenho muito claro que a educação é uma atividade econômica. Um segmento nobre do qual tenho muita alegria e orgulho em participar, que requer muita atenção e carinho de seus gestores, mas que assim como qualquer outra atividade econômica precisa do emprego de técnicas de gestão e recursos financeiros para se perpetuar.
Leia: Escolas Waldorf trocam mensalidade por contribuição “livre”
Ao preparar minha contribuição para o evento, tendo como premissa o tema ‘fluxo financeiro saudável’, pensando no tempo de fala e na dinâmica da exposição, conclui que a melhor maneira de colaborar seria abordar o conceito e a prática da gestão do fluxo de caixa, dada sua importância para a perpetuidade de uma escola e qualquer outro empreendimento.
Instituições educacionais economicamente sólidas podem se ver em dificuldades para saldar seus compromissos se o planejamento de seus fluxos financeiros de recebimento não coincidirem com os momentos nos quais os bens e serviços são adquiridos.
Não tenha medo de precificar. Precifique de maneira consciente. Não se pode calcular valor de mensalidade olhando somente para a concorrência. É preciso conhecer muito bem os custos, índices que corrigem folha de pagamento, condições especiais de convenção coletiva e contrato com fornecedores.
Projete receitas, despesas e margem de lucro desejada, compatível com o segmento. Se o resultado for positivo e estiver seguro de seu diferencial competitivo, vá em frente e estruture uma proposta de comunicação consistente que permita aos pais, antigos e novos, percepção sobre os diferenciais da escola.
Se o resultado for deficitário, procure por oportunidades de otimização de espaços e equipes. Tente identificar sobreposição de horários, colaboradores, espaços e contratos. Não se pode ‘pensar’ em elaborar um orçamento deficitário. Se a aplicação do índice de reajuste estiver no máximo economicamente aceitável e, ainda assim, a projeção financeira continuar desfavorável, é necessário um compromisso sério com a redução de custos que leve ao resultado positivo.
Escolas que oferecem vagas da educação infantil ao ensino médio, ao precificar, devem estabelecer coerência entre os valores das mensalidades dos segmentos. A jornada das famílias nas escolas costuma ser de longo prazo. Educação infantil com mensalidades muito competitivas e ensino fundamental anos finais com mensalidades muito mais caras podem contribuir para a evasão de alunos.
Outras receitas possíveis: além da mensalidade escolar, identifique instalações e fornecedores com potencial para geração de receitas. Parcerias com livrarias, lojas de uniformes, lanchonete e cantina, locação de instalações para cursos e atividades contraturno, peças de teatro, shows e eventos corporativos.
Recomenda-se cautela na estratégia de captação baseada em concessão de bolsas de estudo e descontos. A agressividade financeira deve ser prevista em orçamento e acompanhada regularmente.
É importante incentivar a entrada de novos alunos, principalmente em segmentos cujas classes apresentem capacidade ociosa. Também é importante pensar em descontos para irmãos e garantir a fidelização das famílias, contudo, descontos muito agressivos podem promover classes em que não há oportunidade de captação e, se não acompanhados durante o exercício, e não controlado, o percentual de descontos em relação ao orçamento total pode gerar desequilíbrio, principalmente se a entrada de um novo aluno gera custos variáveis para a escola.
É preciso estabelecer políticas de desconto claras e observar a isonomia de tratamento entre famílias que já fazem parte da comunidade educativa, além das novas famílias.
A inadimplência deve ser assunto de todos os dias. Não se trata de ‘fazer cobrança’, mas estabelecer relacionamento e comunicação contínua com as famílias devedoras. Esperar o final do ano para cobrar pode representar virada de caixa no fim do primeiro semestre.
Publiquei, há alguns meses, um texto especificamente sobre este tema. Para tratar a inadimplência, é preciso conhecer a realidade das famílias, criar alternativas de recebimento e parcelamento que viabilizem fluxo de entrada das famílias com dificuldades.
Conseguir apoio da comunidade educativa e/ou criar fundo de apoio com doadores recorrentes pode ser uma boa alternativa para ajudar em casos mais críticos. Outro caminho é estudar leis e incentivos fiscais que possam ser atrativos para novos doadores.
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Folha de pagamento, verbas de projeto, bonificações coletivas, eventos, contratações em moeda estrangeira, projetos não programados, demissões.
Trabalhe com a maior disponibilidade de carga possível de cada colaborador. Ao fazê-lo, além de ter um profissional mais integrado com a cultura da organização, são eliminados custos adicionais com plano de saúde, alimentação, transporte e outros benefícios concedidos. Ainda sobre folha, é importante considerar as verbas de projeto e bonificações coletivas no orçamento que precifica a mensalidade.
Para o professor também é uma excelente opção, pois não precisa perder tempo se deslocando de escola em escola, se adaptando a diferentes metodologias, cultura organizacional e ferramentas de software.
Demissões devem ser planejadas. Escolas só têm duas oportunidades para demitir e ambas acontecem em momento de caixa sobrecarregado. O primeiro momento por pagamento de férias e, o segundo, pelo 13º salário.
O índice de rotatividade de colaboradores deve ser acompanhado pelo gestor que deseja fluxo de caixa saudável. Optar por terceirizar alguns serviços também pode representar uma excelente possibilidade de redução de custo. A contratação de uma empresa especializada pode trazer mais profissionalismo para determinados serviços, reduzir problemas com absenteísmo, turnover e passivos trabalhistas. A gestão ganha tempo para focar em sua primeira função: educar.
Cursos extras e eventos podem ser uma excelente possibilidade de receita, mas, também um potencial desestabilizador de fluxo de caixa, em especial se for contratado em moeda estrangeira, sujeita a flutuação de câmbio. Pagamentos devem ser programados de modo a iniciar após o recebimento total ou parcial das receitas.
Fornecedores também merecem atenção. Os reajustes contratuais de serviços precisam ser menores ou iguais aos índices previstos em orçamento. Contudo, é saudável a cada dois ou três anos realizar cotação com novos fornecedores. O mercado muda, e por vezes, é possível encontrar, em função do aumento da oferta, o mesmo serviço com preços abaixo do contrato vigente que segue reajustado por índice. Não é aconselhável contratos de longo período em serviços de baixa complexidade.
Estabeleça fluxo de pagamentos a fornecedores proporcionais com os valores de compras e tempo de reposição de mercadorias. Quanto maior o valor comprado, maior o parcelamento. Se possível, para itens de uso recorrente, combine quantidades e valores anuais com entregas e pagamentos pontuais. Controle bem o estoque e não permita estoques paralelos. Determinar o ponto de ressuprimento de itens de grande consumo ou grande valor ajuda a evitar compras urgentes, sem tempo para cotação ou negociação.
Faça e acompanhe o orçamento juntamente com diretores e/ou coordenadores, aqueles que têm dotação orçamentária. Quem tem caneta para autorizar gastos deve ajudar no planejamento. Convide-os a serem corresponsáveis pela sustentabilidade e saúde financeira da escola.
Estabeleça índices de desempenho e acompanhe com regularidade a performance da escola.
Orçamento bem feito, gestão de fluxo de caixa e acompanhamento constante dos índices formam a tríade do bem-estar financeiro de qualquer organização.
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Já ouvi muitas vezes que entidades filantrópicas não podem ter lucro e, não poucas vezes, observei escolas gastarem dinheiro descontroladamente no final do exercício fiscal para que os resultados financeiros fossem perto de zero, sem haver crescimento de caixa.
Neste ponto, penso que há desinformação. Para que seja possível ampliar atendimento, reformar estrutura física, adquirir equipamentos, construir novas instalações e constituir fundos para suportar situações adversas, como pandemia ou fraco desempenho econômico que atinja nossas famílias, é importante que a operação gere caixa a partir de seu resultado operacional e este resultado positivo passe a incorporar os ativos e reservas patrimoniais da entidade.
O que é vedado às instituições filantrópicas é remunerar seus dirigentes que não exerçam função executiva, aplicar recursos em atividades não previstas em seus objetivos sociais, remeter lucro para fora do país e distribuir lucros.
O resultado operacional positivo é permitido, é desejado, entendido como princípio de governança e eficiência no emprego de incentivos governamentais. Ter lucro não é pecado nem para confessionais nem para laicos.
Após 30 anos de gestão, saio deste evento com a alma em festa. Como foi bom perceber que sustentabilidade é pauta nos eventos de educação. Como é bom observar administração e pedagogia caminhando de mãos dadas, lado a lado. Tenho plena convicção que o resultado desta união é a perpetuidade de centenas de instituições e a construção de uma nação mais sábia.
O corpo pedagógico tem o direito de demandar a melhor escola imaginável; o corpo administrativo tem o dever de viabilizar a melhor escola possível.
Longe dos tempos da gravata e terno engomado, em que o gestor de finanças era o profissional de cara amarrada encarregado de dizer não para os projetos, o diretor financeiro de uma escola precisa conhecer de pedagogia, ser sensível às suas demandas e ajudar, de forma criativa, responsável e colaborativa, a encontrar soluções que permitam o desenvolvimento do projeto pedagógico da escola.
*Wallace Morato é diretor financeiro e tecnologia na Escola Beit Yaacov. Tem 28 anos de carreira profissional, sendo 20 anos em gestão administrativa/financeira em escolas de educação básica