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Faltam escuta e participação das crianças nas cidades

Oferecer recursos para a criança assumir seu papel de cidadã, e ocupar os espaços públicos de sua comunidade é um desafio a ser alcançado. Como seria uma cidade se as crianças fossem ouvidas e envolvidas nas questões sobre a utilização dos espaços públicos?  As relações […]

Publicado em 18/07/2022

por Mariana Gonzalez

Michelle e Juliana

Oferecer recursos para a criança assumir seu papel de cidadã, e ocupar os espaços públicos de sua comunidade é um desafio a ser alcançado. Como seria uma cidade se as crianças fossem ouvidas e envolvidas nas questões sobre a utilização dos espaços públicos? 

As relações e interações têm fundamental importância no processo de aprendizagem, qualquer que seja a etapa da vida. Com os pequenos, a interação com a comunidade e com os espaços públicos deveria proporcionar a eles a possibilidade de protagonismo na construção de sua identidade, de sua relação com o lugar e os conterrâneos. 

Mas o que se vê, mesmo com avanços visíveis sobre os olhares das crianças como cidadãs, é que o país ainda está longe de dar protagonismo e pertencimento a elas. Apesar de direitos garantidos, ainda está à margem desta construção.

Contudo, os olhares sobre esse público melhoraram nos últimos anos – mudança que teve início com a promulgação de importantes documentos nacionais, como a Constituição Federal, em 1988, e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, e mais recentemente com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O objetivo em comum dessa lei é garantir à criança seu espaço de direito na sociedade, incluindo uma educação de qualidade. 

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Leia: Ao excluir professor homem, educação infantil limita convivência com diferentes modos de ser

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Transformações implicam em tempo

A educação infantil constrói, aos poucos, a sua trajetória e vai ao encontro do seu lugar de direito. Ainda assim, o caminho é longo. “É preciso olhar a nossa história. A educação infantil tem sua origem próxima ao movimento de luta de mulheres, movimentos sociais e feministas, e carrega junto dela o lugar social que as crianças ocupam. Obviamente, sempre foi difícil consolidá-la como uma etapa importante da educação básica. No entanto, é inegável que vivemos tempos importantes para a educação infantil no país. Quando falamos do reconhecimento dela como primeira etapa da educação básica, da necessidade de formação de professores, do aumento da rede pública de educação infantil, da promulgação de diretrizes curriculares, nos referimos a um tempo histórico fundamental para a identidade dessa etapa. O desafio, hoje, é pensar como avançamos a partir daí”, diz Juliana Diamente Pito, pedagoga, doutoranda em educação, membra do Grupo de pesquisa sobre e com bebês, crianças e infâncias- ACRIANÇAR (Unifesp) e do Grupo de Estudos e Pesquisas Crianças, Relações de Gênero, Cidade e Imagens (FEUSP). 

O abismo entre as páginas desses documentos e o que, na prática, acontece, impede que a educação infantil, as crianças e os profissionais envolvidos avancem para a melhoria geral e efetiva na qualidade do processo. “A educação infantil no Brasil está no caminho bom. E, comparando com políticas internacionais, o país se destaca na garantia do direito. Agora precisamos exercer esse direito com qualidade”, disse Beatriz Abuchaim, gerente de conhecimento aplicado da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, em entrevista exclusiva à Plataforma Educação (clique aqui e leia a entrevista).

Diante deste cenário envolvendo a educação infantil, como pensar nos espaços públicos inspirados no educador italiano Francesco Tonucci, criador da iniciativa Cidade das Crianças, que enxerga as transformações das cidades a partir da participação efetiva das crianças? 

“Quando pensamos nas crianças num contexto dos espaços públicos, temos de pensar no quanto, de fato, esses espaços foram pensados para serem públicos para todos e todas, considerando a presença das crianças, desde bebês”, diz Juliana.

“Tivemos um avanço do ponto de vista legal, que não corresponde efetivamente àquilo que acontece na prática. Apesar das crianças terem garantido o status de sujeito de direito, sabemos que há uma lacuna enorme daquilo que é previsto em lei e do que efetivamente acontece na prática”, completa.

Hoje, não há espaços onde as crianças tenham seus direitos respeitados, por exemplo. Faltam nas cidades ambientes que garantam o direito delas brincarem. É necessário que os meninos e meninas sejam incluídos no processo de planejamento desses espaços. “É preciso ouvir as crianças, estar com elas, todas elas”, enfatiza Juliana.

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Leia: Crianças refugiadas: longe da pátria e longe da escola

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Na prática

A apropriação do seu território incentiva a criança a se relacionar e perceber seu pertencimento àquele lugar. Ela interage com os espaços, com as pessoas, com o meio ambiente. Ela se torna parte do cenário.

O desemparedamento foi o caminho encontrado pela EPG José Jorge Pereira, da rede municipal de Guarulhos, SP, para aproximar as crianças da comunidade delas. A escola está localizada dentro de um CEU (Centros Educacionais Unificados) e eles aproveitaram essa estrutura para propor interações com o entorno. “As crianças se transformaram. Mudaram o conceito de individual e coletivo. Elas vivenciam uma aprendizagem que nenhuma folha, nenhum caderno, vão possibilitar que elas desenvolvam. Vive e experimenta, em todos os sentidos, e aí acontece uma aprendizagem significativa. A criança já é uma cidadã de direitos e precisa conhecer seu território, se apropriar dele, para que o ocupe desde pequena”, relata Michelle Tambroni, coordenadora pedagógica da escola. 

A cidade é potencialmente educativa na medida em que ela é o lugar do encontro, do possível, da troca, da criação.

Para que essa apropriação e pertencimento aconteçam, assim como a garantia de outros direitos, inclusive o cumprimento das diretrizes da BNCC, políticas públicas devem ser desenvolvidas e efetivamente executadas. Dentro desse escopo estão, principalmente, a valorização dos docentes que atuam na infância, não só com remunerações mais adequadas, mas com formação e condições de trabalho que possibilitem a elaboração de propostas que atendam essa questão. “Nosso desafio é fazer uma educação cuidadosa e um cuidado que educa.  São conceitos que não podem e não devem estar indissociáveis. Não tenho dúvida que falamos de problemas muito complexos”, conclui Juliana.



Evento gratuito

Este debate sobre as crianças cidadãs e a apropriação do seu território será tema do painel Educação infantil, BNCC e o diálogo com o território, no Grande Encontro de Educação, em 16 de agosto, às 9h45, com transmissão online e participação presencial, no Inteli (Instituto de Tecnologia e Liderança), localizado na USP do Butantã, SP. As inscrições são gratuitas e devem ser feitas no site www.grandeencontrodaeducacao.com.br/

Promovido pela Plataforma Educação e pela Plataforma Ensino Superior, o evento irá ocorrer entre 16 e 19 de agosto, sendo híbrido nos dias 16 e 17 de agosto e somente online nos dias 18 e 19. Confira a programação completa no site oficial.

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Autor

Mariana Gonzalez


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