O início do na letivo, os impactos de quase um ano de isolamento e uma pausa para Edgar Morin são destaques deste artigo de Ricardo Tavares
Escrevo este texto numa Quarta-Feira de Cinzas, em um mês de fevereiro diferente. Há um silêncio no ar. Depois de 11 meses de escolas fechadas por causa da quarentena para conter o novo coronavírus, a tradicional volta às aulas ocorreu com regras de distanciamento e poucos alunos em sala. No estado de São Paulo, onde moro com minha esposa e filhos em fase escolar, os colégios privados retomaram as atividades presenciais logo no início do mês e a rede pública, tem feito o retorno entre os dias 8 e 22, dependendo da capacidade das escolas em se adaptarem às exigências sanitárias para evitar o contágio do vírus.
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A discussão sobre a volta às aulas presenciais é extensa e possui muitas camadas de complexidade. Após quase um ano de pandemia, com a retomada de todas as demais atividades econômicas, menos as escolas, há um profundo processo de readaptação nesta volta às aulas. Recente reportagem da Folha de S. Paulo relatou crianças e adolescentes com estranhamento e ansiedade em níveis superiores aos anos anteriores, como sequelas do longo período de confinamento. Há também contrapontos: meu caçula que ingressou esse ano no ensino médio, está bastante animado em reencontrar os amigos e, apesar da escola ter liberado a não obrigatoriedade do uso do uniforme neste mês, ele e seus amigos decidiram usá-lo, expondo um legítimo sentimento de pertencimento.
Tornam-se evidentes as consequências do uso excessivo de tecnologia, que não surgiu com a pandemia, mas foi agravada pelo confinamento compulsório que ela provocou, especialmente para os pequenos. Casos de crianças que desenvolveram depressão, que antes eram isolados, passaram a ser mais frequentes neste retorno. Nas escolas municipais de São Paulo, devido às restrições da pandemia, as crianças não poderão brincar nos parquinhos no intervalo, ambiente fundamental de socialização e que se fixa na memória como um dos maiores prazeres desta idade, o brincar.
Os professores também se viram obrigados a se reinventarem durante a pandemia para dar conta das aulas online, muitos dos quais mães e pais de crianças em idade escolar que estavam em casa. Dos problemas graves aos que parecem simples, a hora é de voltar.
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Há um necessário cuidado em acompanhar também as famílias nessa retomada. Essa parceria escola e família ajudará muito neste processo de ressocialização das crianças e jovens, num desafiante movimento de ressignificação dos espaços de aprendizagem.
É neste momento de crise e de exposição das fragilidades que nos vemos diante de uma das grandes verdades humanas, como destaca o sociólogo francês Edgar Morin: “A chegada do coronavírus nos lembra que a incerteza permanece um elemento inexpugnável da condição humana. Todo o seguro social em que você pode se inscrever nunca poderá garantir que você não ficará doente ou será feliz em sua casa”. Mantendo a reflexão sobre as incertezas, acredito que Morin cita “sua casa” para o espaço onde você reside, um local. Quando penso na palavra “local”, me vem à mente aquele alfinete do GPS, representando um ponto no mapa, um endereço. Prefiro a palavra “lugar”, num sentido mais amplo, remetendo a espaços abertos. Lembro-me dos lugares onde passei a infância, onde construí a minha história, das pessoas que amei e que me ajudaram a ser quem sou.
Assim, arrisco afirmar que voltar à escola também é como voltar para casa e a frase que mais gostaria de ouvir é: “que bom que você veio”.
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