Seria interessante que o espírito dos fundadores de escolas dos anos 1970 se juntasse à capacidade administrativa das grandes corporações
Uma das tendências nos últimos anos na educação básica é a aquisição de escolas privadas por grupos de investimento. Esse é um processo que pode fortalecer pequenas escolas e contribuir para que redes estabelecidas ganhem eficiência na gestão. Muitos desses estabelecimentos surgiram nos anos 1970, em um primeiro boom de consolidação do setor privado educacional, período de forte expansão urbana e crescimento populacional, quando a escola pública não conseguia ofertar vagas a todos e a classe média crescia influenciada pelo “milagre econômico”.
Leia também
Gestão coletiva em tempos complexos
Diálogos por distanciamento social entre aluno e professor
Na maioria dos casos, esses fundadores eram professores, conhecedores do mundo da educação, que aprenderam a administrar a partir da experiência cotidiana e não nas faculdades de negócios. Os novos investidores dominam os processos de gestão, mas, em muitos casos, conhecem pouco o mundo da educação básica.
Nesse cruzamento entre corporações e escolas é preciso que se faça uma reflexão sobre a cultura de negócios e a cultura escolar. Os tempos dos acionistas e os tempos escolares são diferentes. A necessidade de retornos monetários muitas vezes difere do longo tempo de amadurecimento de projetos pedagógicos.
Muitos desses investidores se encantam com o mundo da educação, mas a linguagem, os valores e as práticas empresariais diferem dos modelos de gestão e das motivações do ambiente educativo. Quem deseja empreender em educação deve levar em consideração essas particularidades, de tempos e propósitos.
Focar o desenvolvimento humano e a sociedade deve ser a primeira orientação. Evidente que um projeto economicamente sustentável é imprescindível para a continuação da escola. Seria muito interessante que o espírito dos fundadores de escolas dos anos 1970 se juntasse à capacidade administrativa das grandes corporações para pôr, em conjunto, projetos educacionais valorosos, sustentáveis economicamente e transformadores da sociedade.
Nesse sentido, também começa um movimento de fundação de cooperativas de educadores que montam escolas regulares, de contraturno e mesmo o estabelecimento de escolas democráticas, associadas a profissionais de educação e outros agentes da comunidade. Em vez de uma placa de Missão, Visão e Valores, frases de Jean Piaget, Paulo Freire e Lev Vygotsky. Se é legitimo o desejo de grandes grupos em atuar na educação, também é legitimo que educadores e a comunidade criem seus próprios projetos.
O fenômeno do novo coronavírus tem demonstrado o esforço de educadores em manter o processo educativo vivo e focado nos propósitos de desenvolvimento humano. Mesmo com tantas dificuldades, em espaços virtuais com conexões on-line precárias, a busca da manutenção dos vínculos comunitários e o desejo de contribuir com a formação dos jovens pautam os esforços dos educadores. Por que não imaginar educadores tocando seus próprios projetos?
Muitos desses novos empreendimentos escolares surgem de ações coletivas, que buscam manter e valorizar o trabalho dos especialistas, como preparar aulas, organizar as finanças ou estruturar a comunicação, mas também colocam todos os agentes envolvidos atuando colaborativamente em outras funções do cotidiano escolar. São projetos muito instigantes para o mundo complexo, formando profissionais da educação que dominam seus conteúdos de formação, mas sabem agir na urgência, atuando para resolver os mais variados problemas em busca do bem comum.
Para exemplificar esse modelo de gestão conversei com o professor Antônio José Lopes, o “Bigode”, um dos participantes do recém-fundado Colégio Arco Escola-Cooperativa, para saber mais sobre essa promissora cooperativa educacional autogestionária. A gestão é feita coletivamente, isto é, todos fazem todas as funções, da portaria à limpeza, da manutenção à secretaria, da tesouraria à cozinha, da biblioteca à elaboração de peças de comunicação.
Dessa forma, professores, pedagogos, psicanalistas e artistas cooperados dividem as aulas com as atividades não docentes, distribuídos em dez grupos de trabalho divididos por diferentes tipos de atividade. A composição destes GTs é rodiziada a cada ano ou semestre em função das necessidades emergentes, a fim de que todos vivam várias experiências de gestão.
Os cooperados do Colégio Arco Escola-Cooperativa acreditam que a escola deva cumprir seu papel de devolver ao conhecimento seu sentido coletivo e de partilhar – com os estudantes de todas as classes e culturas diversas – as experiências, aventuras, sonhos e descobertas da história da humanidade, para formar sujeitos cientes de seu passado, que atuem ativamente no presente e inventem seus futuros.
Como vimos, escolas de poucos fundadores, cooperativas comunitárias ou grandes investidores estão participando de um intenso movimento do setor privado da educação. Que sejam projetos inclusivos e de alta qualidade educativa. Lembro sempre que o sonho é termos um sistema público de alta qualidade e que as escolas particulares sejam uma opção democrática das famílias, baseada em suas crenças e valores.
Projeto baiano indica a importância dos gestores escolares para o sucesso escolar
Covid e a escola: alguns vitrais se quebraram; favor não substituí-los