NOTÍCIA
Ensino fundamental II e o ensino médio da escola da Casa Hope foram desativados por falta de condições financeiras. Espaço acolhe mais de 200 pessoas e oferece de forma gratuita moradia, alimentação e atividades
Publicado em 06/04/2019
Imagine crianças — inclusive recém-nascidas — e jovens enfrentando um câncer e tendo que parar de estudar e ainda trocar os amigos, família e toda vida diária pela rotina hospitalar de exames e quimioterapia em outro estado.
Nesse universo invasivo e cheio de choques de realidade a Casa Hope, ONG localizada na Zona Sul da capital paulista, se torna um ponto de luz. O espaço acolhe mais de 200 crianças e jovens acompanhados de um responsável legal de todo Brasil e América Latina que estão em tratamento em hospitais públicos contra o câncer e ainda transplantados de fígado, rim e medula óssea.
São 196 quartos, cinco alimentações diárias — só de carne há um gasto mensal de R$ 22 mil —, higiene pessoal como fralda e sabão em pó para lavar roupa, transporte ida e volta a hospitais, cursos profissionalizantes para o acompanhante, apoio psicológico, teatro e o Centro Educacional Pró-Hope, escola reconhecida pelo MEC. Tudo oferecido de forma gratuita pela Casa Hope que vive de doação e corre risco de ter parte de suas atividades fechadas.
“Temos em mente que a criança está doente ela não é doente. É uma fase e vai passar e ela vai se tornar uma pessoa que vai buscar mercado de trabalho. A gente acredita na vida. Tentamos incentivá-las porque são crianças carentes com realidades distintas”, explica Janice Schmidt, coordenadora pedagógica da escola.
O Centro Educacional possui brinquedoteca, educação infantil e fundamental I. Já o fundamental II e o ensino médio estão desativados desde 2015 por falta de condições financeiras.
“Acho ótimo [a escola] porque enquanto eles estão fora eles estão aprendendo aqui. Não perdem. Acho que a escola que a casa criou ajuda bastante crianças. Só não dá para o Franklin porque ele está no fundamental II, ele precisa estudar, mas aqui não está tendo”, relata o indígena Cristino Anastácio Wapichana, pai de Franklin, 19 anos, que saíram de Roraima para o tratamento. “Eu fiz bastante curso aqui. Até perdi a conta porque quase todo tipo fiz aqui. Fiz de informática, curso de chinelo, curso de doce”, acrescenta o indígena da comunidade Pium.
A escola funciona de manhã e à tarde e se adapta à rotina hospitalar do aluno — e talvez esse seja o maior diferencial. As classes são multisseriadas, cuja divisão não é por idade, mas por grau de conhecimento. Há casos de jovens de 20 anos que chegam na Casa e ainda não foram alfabetizados. Outro fator é que o aluno que possui imunidade baixa por conta da doença e vive em isolamento a professora vai até o leito dele. Janice revela que há uma criança que está há três anos isolada, tendo uma rotina de hospital e quarto.
Hoje são quatro professores, mas no passado já foram 13. Os encontros entre docentes ocorrem duas vezes por semana. “Eu faço formação com os professores porque cada um tem suas dúvidas e questões. Estamos sempre em treinamento porque eles precisam ter essa flexibilidade e entender as necessidades das crianças. Muitas são sindrômicas, que vêm com uma série de dispositivos como câncer no olho, dificuldade auditiva, problema motor, câncer no cérebro, comprometendo o funcionamento cognitivo”, detalha Schmidt.
Na região de origem a maior parte dos jovens não vão à escola e quando frequentam são colocados de canto. Eles ficam muito hospitalizados, o que gera atraso nos estudos. “Tem dias que temos 15 alunos e tem dia que temos dois. Depende da rotina hospitalar e do tratamento que a criança está fazendo. Não é uma escola regular”, explica a coordenadora, que é psicóloga, pedagoga com especialização em pedagogia hospitalar e MBA em gestão hospitalar.
Rosângela Ferreira André é mãe do Lucas, que chegou na Casa Hope com 14 anos e hoje possui 21. Eles também vieram de Roraima, mas da capital, Boa Vista. O jovem é transplantado renal, deficiente físico e possui um transtorno mental, gerando uma mentalidade bem abaixo da sua faixa etária. Há sete anos a vida deles é um vai e volta entre a ONG em São Paulo e a casa em Roraima, a depender dos exames de saúde.
“Quando o Lucas conseguia ir para a escola ele passava mal, tinha sonolência, diarreia, então eu não tinha mais como manter ele na escola e acabei tirando porque se ele ficasse dois dias na sala de aula era muito. Era metade do ano correndo para o hospital”, explica a mãe. “E quando a gente veio para a Casa Hope foi quando ele conseguiu acompanhar, estudar direitinho, conciliar os dias da consulta com os dias aqui e a gente conseguiu avançar com o Lucas. Ele chegou aqui analfabeto mesmo. Não sabia nem assinar o nome, não sabia ler. Sempre com muita dificuldade. Hoje ele sabe ler e escreve texto”, detalha Rosa, como é conhecida.
Por conta da rotina instável, na aula o professor faz atividades que devem acabar no mesmo dia. O trabalho em sala é coletivo só que com olhar individual, despertando interesse ao mostrar à criança que ela é capaz de aprender. Além disso, não há provas, as avaliações são diárias, afinal, “uma criança que fez quimioterapia está extremamente debilitada. Como você vai fazer uma avaliação com uma criança dessas?”, questiona Janice.
O Centro Educacional Pró-Hope busca decentralizar a doença e chamar os jovens para brincar e seguir a vida. “Enfrentar uma doença como essa tão invasiva, que você fica tão fragilizado não é fácil. Nesse momento você levar isto para a criança: que sua obrigação é brincar e estudar é um fator modificador de vida”, desabafa a coordenadora.
Para fazer parcerias com a Casa Hope e ajudá-la a se manter entre em contato pelo e-mail mkt@hope.org.br ou pelo telefone (11) 5056 9700.
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