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A definição sobre qual a idade mínima para matrícula no ensino fundamental foi, novamente, adiada. A discussão, que chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro de 2017, foi retomada em maio deste ano,
mas acabou sendo suspensa após pedido de vista (mais tempo de análise) do ministro Marco Aurélio Mello.
A decisão do STF – que ainda não tem data para acontecer – será importante para solucionar uma batalha judicial que se estende desde 2010, quando o Conselho Nacional de Educação (CNE) definiu, por meio de resolução, que apenas crianças com 6 anos completos até o dia 31 de março do ano da matrícula podem ingressar no ensino fundamental. Se a criança faz aniversário depois dessa data, deve ser matriculada na educação infantil.
A data-limite foi questionada na justiça por meio de diversas ações, gerando um impasse que resultou, em alguns locais, na derrubada da resolução por meio de decisão judicial. Atualmente, ela é válida em 19 estados, mas já chegou a ser suspensa em 12 deles, de acordo com levantamento da advogada Alessandra Gotti, que desenvolveu consultoria sobre a judicialização da educação para a Unesco e a Câmara de Educação Básica do CNE em 2016.
Criar um padrão nacional é importante para não prejudicar crianças que mudem de cidade ou de estado durante o ano letivo. Além disso, educadores defendem que permitir que crianças que ainda não tenham 6 anos completos sejam matriculadas no ensino fundamental pode ser prejudicial, já que a etapa tem configuração distinta da educação infantil.
Discussão legal
A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) determina que o ensino fundamental deve ser iniciado aos 6 anos. Apesar disso, não há o estabelecimento de uma data-limite para que a criança complete a idade estipulada.
Em 2010, na tentativa de indicar um padrão aos sistemas de ensino, o Conselho Nacional de Educação (CNE) editou duas resoluções (nºs 1 e 6) que estabelecem a data-limite de 31 de março do ano corrente. Com essa data, garante-se que a criança iniciará a etapa com 6 anos completos.
A definição não foi bem aceita por algumas famílias, que passaram a questioná-la na justiça. O impasse chegou ao STF por meio de duas ações: a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 17, que defende a fixação da idade mínima de 6 anos prevista na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 292, que questiona a resolução do CNE e a data-limite de 31 de março.
A questão divide a Corte do Supremo. Uma corrente defende a idade mínima de 6 anos, como determina a LDB, mas não o estabelecimento de uma data-limite; a outra entende que o CNE, por ser um órgão técnico, está mais habilitado que o judiciário para definir a questão – e, portanto, que o corte de 31 de março é válido.
Antes do adiamento do julgamento, a votação acabou empatada. Os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli entenderam que a resolução do CNE é inconstitucional. Já Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes votaram pela sua legalidade.
“Esse julgamento é muito importante. Primeiro por prever que questões técnicas devem ser adotadas por órgãos especializados e não pelo Judiciário, especialmente quando não houver nenhuma flagrante ilegalidade ou inconstitucionalidade, e também por garantir o direito das crianças e evitar que sejam puladas etapas que possam prejudicar o seu desenvolvimento no futuro”, disse a advogada Alessandra Gotti em entrevista à
Educação.
A resolução de questões educacionais na justiça é, de acordo com Gotti, um tópico que deve receber mais atenção, sendo necessário ampliar o diálogo entre os especialistas de educação e o Poder Judiciário. “Os juristas têm conhecimento da lei, mas não de impactos pedagógicos e psicológicos que determinada decisão pode acarretar na vida de uma criança. É fundamental que exista um espaço de diálogo para soluções de conflitos. No caso da saúde, isso já existe. Nós já temos o Fórum Nacional da Saúde no âmbito do Conselho Nacional de Justiça desde 2010”, diz a advogada.
Discussão pedagógica
Mais do que um embate judicial, a definição do corte etário envolve um grande debate pedagógico. Se uma criança que completa 6 anos apenas no fim do ano é matriculada no ensino fundamental, isso significa que ela cursará todo o 1º ano com apenas 5 anos de idade. Na visão de especialistas, isso pode ser prejudicial.
O MIEIB (Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil), que reúne os Fóruns Estaduais de Educação Infantil do país, chegou a enviar um ofício ao STF defendendo a data-corte de 31 de março.
Em
nota de posicionamento, o movimento destaca as especificidades da educação infantil que tornam a etapa mais adequada para as crianças de até 5 anos e 11 meses.
“Classes menos numerosas, organização do tempo e dos espaços que possibilite um equilíbrio adequado entre situações de aprendizagem com níveis variados de concentração e dispersão, maior oferta de atividades que envolvam o uso do corpo e de movimentos amplos são alguns exemplos que concretizam uma prática pedagógica apropriada às crianças nessa faixa etária”, diz um trecho da nota.
Em 2015, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) também se posicionou
a favor do corte etário, destacando que as instituições de educação infantil e ensino fundamental “organizam-se de formas bastante distintas”. Enquanto as primeiras “priorizam a ludicidade e a interação”, as segundas seguem a “lógica disciplinar”. O CFP destaca, também, que essa estruturação dos níveis educacionais tem fundamentação científica e “ancora-se nas concepções de desenvolvimento e aprendizagem de que dispomos na atualidade”.
No caso da educação infantil, essa estruturação é feita especialmente para acolher crianças durante a chamada primeira infância (dos 0 aos 5 anos e 11 meses), fase crucial para o desenvolvimento, que exige uma educação mais holística. Nesse período, as crianças se apropriam do mundo de maneira total, não fragmentada em áreas ou conteúdos.
“Se olharmos para os bebês, teremos mais facilidade para compreender. Os bebês aprendem interagindo com outros seres humanos, colocando muita atenção no que veem, ouvem e experimentam. Podemos dizer que essa característica ‘holística’ permanece durante a primeira infância, até que, num momento posterior, essa criança vai se tornando capaz de obter conhecimentos de forma mais específica, um pouco mais fragmentada”, explica Mônica Baptista, professora da Faculdade de Educação da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Durante a entrada no ensino fundamental, também é preciso que haja um processo de transição, pensando nas crianças de 6 anos completos. Essa faixa etária foi incluída no ensino fundamental apenas quando a etapa teve sua duração ampliada de oito para nove anos.
Na avaliação da professora Mônica Baptista, mesmo essas crianças não foram, de fato, incluídas. “Não houve um movimento de compreender que a chegada dessas crianças precisava ser acompanhada de uma mudança nas práticas pedagógicas que acolhesse e contemplasse as crianças e suas infâncias”, diz a docente. “Teria sido fundamental uma ampla formação dos professores, que os ajudasse a compreender a lógica dos ciclos de idade de formação, a criação de uma lógica de avaliação processual e diagnóstica, a adaptação das escolas para ampliar espaços externos, colocar equipamentos lúdicos, mobiliários adequados, manter o mesmo número de crianças por professor que orienta a organização da educação infantil etc.”
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