NOTÍCIA

Edição 249

Escolas se abrem para o digital e adotam novas ferramentas e práticas pedagógicas

Tecnologia pode influenciar a qualidade da educação. Mas, para isso, é preciso inovar

Publicado em 02/05/2018

por Luciana Alvarez

digital

Escolas se abrem para o digital e adotam novas ferramentas e práticas pedagógicas | Crédito: Divulgação/Colégio Bandeirantes

Dentro da biblioteca, adolescentes estudam sozinhos ou em pequenos grupos, acompanhados por livros, cadernos e dispositivos digitais portáteis — entre os quais se destaca o celular.  A poucos metros dali, na lanchonete, graças ao wi-fi com sinal de qualidade em toda a escola, a cena se repete — a única diferença é que há também alguma comida sobre as mesas. Na sala dos professores, as pessoas são mais velhas e os laptops mais frequentes, mas novamente o digital e o analógico são vistos lado a lado. “O tablet, o smartphone e o notebook convivem com o papel. Nossa realidade é híbrida”, relata Emerson Bento Pereira, diretor de tecnologia do colégio Bandeirantes.
Assim como em outras esferas da vida cotidiana, a tecnologia já se instalou definitivamente nas escolas, roubando espaço de outras mídias e formas de convivência, sem necessariamente acabar com elas. Mas a naturalidade com que hoje as tecnologias digitais e analógicas dividem espaços no Bandeirantes vem sendo conquistada aos poucos, com um esforço coletivo e intencional desde 2014, ano em que a instituição começou a implementar seu plano de se tornar uma escola digital. Para Emerson, um ponto importante da proposta para criar uma mudança de cultura foi nunca impor nenhuma medida de “cima para baixo”, o que só criaria resistências. “A tecnologia tem de servir para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Quando elas percebem isso, elas vão querer usar”, garante.
Na escola não faltam exemplos de como as resistências fazem parte do processo, e de como elas podem ser vencidas com tranquilidade. “Em toda implementação de tecnologia, 20% das pessoas vão gostar de cara e adotar, 20% vão detestar e reclamar. Os que reclamam estão sentindo uma dor, por isso falam mais alto. Nosso papel é acolhê-los. Mas se queremos que dê certo, não podemos deixar de ouvir os que estão na frente, inovando”, explica o diretor. Ele conta que quando o setor de tecnologia da escola passou a oferecer uma ferramenta de correção digital de provas, poucos professores aderiram. Mas os poucos que experimentaram perceberam rapidamente as vantagens e passaram a ensinar aos demais como usar o sistema. “O tempo de correção foi reduzido em dois terços. A tecnologia passou a fazer uma parte ‘chata’ do trabalho do professor. Hoje quase todos fazem a correção digital”, diz o diretor.
Mesmo os alunos, que são nativos digitais, estranharam a mudança e, no início do processo de receber as provas corrigidas apenas nos dispositivos digitais, muitos queriam voltar a receber a correção em papel. “Pedimos um voto de confiança, que dessem mais tempo para a novidade. Logo se acostumaram e ninguém mais reclama”, conta.
Mas, quando se trata de tecnologias, “se acostumar” é uma expressão que deve passar longe. A adesão a uma cultura digital acabou provocando impactos que vão muito além de proporcionar novos suportes para conteúdos didáticos. A tradicional divisão dos alunos por salas de acordo com suas notas — os “melhores” alunos ficavam na turma A, os “piores” na E — foi eliminada.
Na busca por proporcionar um aprendizado colaborativo, o Bandeirantes uniu os laboratórios de física, química e biologia em um só, e colocou grupos para trabalhar em projetos multidisciplinares de um ano de duração. E, assim, até o sistema de avaliação teve de mudar para essa nova disciplina que surgiu, chamada de Steam (Science, Technology, Engineering, Mathematics and Arts). Os alunos fazem autoavaliação, passam por uma crítica dos pares, além de receberem notas de uma banca que analisa os trabalhos. “Ano passado, o desafio era propor formas de possibilitar a vida em Marte. Os resultados são muito diversos. Teve grupo que trabalhou nas propriedades do solo para poder plantar; outro, que estudou como fazer o posicionamento de satélites”, cita o diretor.
O caminho de uma escola tradicional e de elite na capital de São Paulo ilustra o quanto a tecnologia é capaz de transformar profundamente as instituições de ensino, consideradas mais conservadoras em comparação a outros segmentos da sociedade. No entanto, o retrato brasileiro é muito diverso: nem todos seguem no mesmo ritmo, e só alguns colégios têm condições de adotar modelos mais arrojados.
Além da interferência direta nos processos de ensino-aprendizagem dentro das escolas, a tecnologia pode influenciar a qualidade da educação ao otimizar os processos de gestão ou melhorar a qualidade da formação docente. É como pensa Vera Cabral: “Na prática, a tecnologia já está formando os alunos. É hora de investir na formação de professores para o uso da tecnologia — e por meio do uso de tecnologias”. A curadora de conteúdos da Bett Educar (maior feira internacional de educação da América Latina) defende ainda que a incorporação das tecnologias está mudando a própria concepção do papel da escola. “O foco muda do acúmulo de conteúdos para desenvolvimento de competências. É uma mudança profunda de cultura que estamos vivendo”, complementa.
Sombra da desigualdade
O poder de processamento de um celular de ponta da atualidade é maior do que o dos computadores da Nasa durante a missão Apolo 11, que levou o homem até a Lua. Eles, contudo, não resolvem a questão do acesso, ainda que sejam onipresentes em quase todas as classes sociais. “Precisamos ter muito cuidado para não aprofundar ainda mais a distância que já existe”, afirma Lúcia Dellagnelo, diretora presidente do Centro de Inovação para Educação Brasileira (CIEB). Ela defende que as escolas devem oferecer outros equipamentos aos estudantes, para que eles saibam operar diferentes tipos de dispositivos com familiaridade. “Todo estudante precisa trabalhar com as múltiplas telas. Se você falar que para uma rede é só o celular, mas para outras há tablet, laptop, realidade virtual, você cria uma nova divisão”, diz. E a conexão de qualidade é uma questão imprescindível ainda longe de ser resolvida.

Leia mais:

http://www.revistaeducacao.com.br/movimento-maker-alunos-se-tornam-produtores-de-conhecimentos-e-objetos/

Autor

Luciana Alvarez


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