Escolas devem ajudar alunos a identificar fake news (Crédito: Shutterstock)
Desde as últimas eleições presidenciais nos Estados Unidos, em 2016, o termo “fake news” (notícias falsas, em inglês) se tornou extremamente popular. Durante a corrida eleitoral que levou Donald Trump à presidência, muitas notícias falsas foram compartilhadas na rede e, até hoje, dois anos depois, o país ainda investiga e discute a influência dos conteúdos mentirosos no resultado do pleito.
No Brasil, que terá eleições neste ano, há uma grande preocupação de que algo semelhante possa ocorrer. Alguns projetos para combater as fake news já estão, inclusive, em tramitação no Congresso Nacional. Mas os números impressionantes de compartilhamentos das notícias falsas na rede apontam para um problema maior: a falta de visão crítica das pessoas no meio digital.
Apesar de boa parte dos compartilhamentos das notícias falsas ser feita pelos chamados bots – contas automatizadas criadas para replicar as mensagens nas redes sociais e influenciar o debate público -, um estudo do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), o mais extenso sobre fake news até agora, apontou que a difusão de conteúdo mentiroso se dá mais pela ação humana do que dos robôs. A pesquisa, que analisou notícias postadas no Twitter entre 2006 e 2017, também demonstrou que as informações inverídicas se espalham mais rápido do que as verdadeiras.
Nesse cenário, cresce a necessidade de abordar o assunto em sala de aula. “Falta formar o cidadão digital completo”, analisa Cristina Tardáguila, diretora da Agência Lupa, agência de checagem de fatos. “Assim como questões de cidadania off-line, como não jogar lixo no chão, o jovem precisa entender os limites da cidadania on-line, sair do colégio com essa noção.”
Identificando notícias falsas
Algumas medidas simples ajudam a perceber que uma notícia não é verdadeira. Não ficar apenas na manchete, verificar qual o site original da publicação – se é conhecido, confiável -, se outros veículos também publicaram a notícia e pesquisar sobre o autor são alguns dos primeiros passos a serem dados. Às vezes, a informação não é falsa, mas é antiga ou passada de forma descontextualizada: por isso, também é importante olhar a data de sua publicação.
O passo a passo, apesar de simples, nem sempre está claro para os jovens. Mesmo sendo nativos digitais, eles podem não dominar essas habilidades ou compreender sua importância. Um estudo conduzido pela Universidade Stanford, em 2016, mostrou que estudantes americanos do ensino médio não reconheceram, por exemplo, a importância de observar se uma conta no Facebook ou no Twitter possui o sinal de verificação que indica que ela é verdadeira. Em alguns casos, os participantes da pesquisa indicaram que contas falsas tinham mais credibilidade que as verificadas.
Por esse motivo, é importante que a escola dê orientações aos alunos com relação ao uso das redes sociais – especialmente para o acesso à informação. “A escola não pode se eximir do papel de educar crianças e jovens para uma prática cultural – educativa, midiática, tecnológica – responsável, ainda mais numa sociedade cada vez mais protagonizada pelas mídias”, afirma Mônica Fantin, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e líder do grupo de pesquisa Núcleo Infância, Comunicação, Cultura e Arte na mesma instituição.
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Segundo a docente, professores devem discutir com os pais dos alunos sobre como e quando introduzir as tecnologias na vida das crianças, para que elas aprendam a utilizá-las corretamente. Além disso, é preciso saber atuar como mediador. “Um ponto de partida é buscar conhecer os usos que crianças e jovens fazem das tecnologias, observá-los, compreender seus saberes e suas necessidades para propiciar mediações educativas”, afirma.
Formação crítica
Além das informações técnicas, também é importante que a escola ofereça uma formação mais abrangente, que desenvolva uma posição crítica dos jovens com relação ao que leem na internet. Isso porque as principais características das fake news são as manchetes sensacionalistas e o texto alarmista, que apela para o emocional.
Esse tom de alarme se dá para aproveitar a polarização ideológica que tem marcado a atualidade, que leva as pessoas a acreditarem apenas no que dialoga com suas visões de mundo. “Notícia falsa dialoga com crenças, gostos. Quando a pessoa gosta de um time de futebol ou um partido, há a tendência a acreditar quando o texto fala mal dos demais”, explica Cristina Tardáguila, da Agência Lupa.
Assim, é importante que os alunos sejam capazes de compreender que suas opiniões pessoais não devem influenciar na avaliação da veracidade de uma informação. Uma forma de trabalhar o assunto em sala de aula é utilizar o plano de aula gratuito elaborado pelo Instituto Poynter e traduzido pela Agência Pública, que explora a diferença entre fato e opinião, além de oferecer dicas para a checagem de fatos. O projeto Fake ou News, realizado pela Agência Lupa e o canal Futura, também oferece trilhas do conhecimento sobre a identificação de notícias falsas.
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Outro ponto fundamental é não focar apenas os boatos, mas ensinar aos alunos a importância e o valor das notícias verdadeiras e do bom jornalismo para a democracia, sugere Barbara McCormack, vice-presidente do setor educativo do Newseum, museu dedicado ao jornalismo localizado em Washington, nos Estados Unidos. “Isso pode ajudá-los a entender por que não podem simplesmente achar que todas as notícias e informações são falsas – o que é tão problemático na nossa sociedade quanto acreditar em tudo que lemos”, diz.
Vale lembrar que o termo fake news se popularizou não apenas para designar as notícias realmente falsas: ele foi distorcido e passou a ser usado para atacar qualquer informação ou notícia que não se adeque à visão de mundo daquele que a consome. O próprio presidente Donald Trump, por exemplo, usa a expressão reiteradamente para atacar a imprensa americana.
Nesse sentido, é fundamental ampliar a discussão sobre fake news para um debate sobre imprensa e política – especialmente em ano eleitoral. “Discutir como a política constitui a vida social, que sem política é impossível a existência em grupo, o modo como a política é configurada nas sociedades modernas, na democracia; e o modo como informações atuam na participação política dos sujeitos para a eleição de seus representantes são pontos fundamentais a serem debatidos na escola, de maneira que o fenômeno das notícias falsas seja situado também no interior deste debate”, afirma Pedro Oliveira Simões, professor de língua portuguesa e pesquisador sobre mídia e educação.
Para o docente, esses debates podem até mesmo extrapolar a sala de aula. “Talvez não só os professores devam ensinar a pesquisar informações em sites confiáveis, realizar curadoria de fontes, mas também as escolas, como um todo, devam tomar a responsabilidade de promover debates sobre o tema no conjunto da comunidade escolar e para além dela, atuando de forma participativa na identificação, no combate e na denúncia das notícias falsas”, sugere.
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