Nos dias 13, 14 e 15 de março aconteceu, em São Paulo, o Seminário Internacional Arte, Palavra e Leitura na Primeira Infância. Com oficinas de formação pela manhã e mesas de discussão na parte da tarde, o evento aconteceu no teatro Paulo Autran, no Sesc Pinheiros, e contou com a presença de educadores e pesquisadores nacionais e internacionais.
Tendo como tema principal o lugar da cultura na primeira infância, o evento discutiu diferentes eixos como a comunicação com os bebês, a formação de leitores e as formas de explorar os livros digitais, um dos grandes desafios dos educadores. O evento foi organizado pelo Instituto Emília e pela Comunidade Educativa CEDAC, junto com o SESC São Paulo e a Fundação Itaú Social.
Comunicação com os bebês e o apego
Primeira mesa discutiu importância da linguagem e da comunicação com as crianças pequenas. Da esquerda para a direita: Patricia Pereira-Leite, Beatriz Sanjuan, Stela Barbieri e Maria Emília Lopez (Crédito: Sofia Colucci)
Na abertura do evento, a mesa de discussão “Voz, palavra e brincar na primeira infância” colocou no debate a importância da linguagem, do cantar e das brincadeiras no desenvolvimento do bebê.
Maria Emília Lopez, especialista em leitura na primeira infância e diretora do Jardim Materno da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires, destacou o empobrecimento da linguagem e da maneira como pais e educadores se comunicam com as crianças pequenas. Para a educadora, trata-se de uma condição da nossa época, fazendo com que adultos utilizem cada vez menos recursos como mudar a entonação da voz para falar com o bebê ou até mesmo cantar músicas para as crianças pequenas.
“Essa qualidade que tem a linguagem é o que dá significado ao bebê, mesmo que ele não possa decodificar as palavras. E essa primeira relação com a linguagem emotiva e musical é constitutiva também dos vínculos de apego”, afirmou.
Para Stela Barbieri, assessora de artes plásticas na Escola Vera Cruz, mudar esse cenário implica em reforçar a relação de parceria entre pais e educadores. “As comunidades indígenas ensinam para a gente que, para ensinar o menino, a gente precisa da comunidade inteira”, lembrou. “Quando os pais estão mais na escola, obviamente eles opinam mais, participam mais, confrontam mais. Mas também estão mais presentes e colaboram mais.”
Também participaram da mesa Beatriz Sanjuan, professora associada de Didática de Literatura Infantil na Universidade de Oviedo, na Espanha, e Patricia Pereira-Leite, psicóloga clínica e psicanalista.
Formação de leitores
Bel Mayer, do Ibeac, contou sobre experiência da montagem do acervo da Biblioteca Comunitária Caminhos da Leitura (Crédito: Sofia Colucci)
No segundo dia de evento, uma das mesas discutiu a formação de leitores e a importância da mediação. Participaram do debate Bel Mayer (coordenadora do Programa de Direitos Humanos do Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário), Lara Meana (autora de livros infantis e formadora de mediadores de leitura na Espanha) e Patrícia Diaz (diretora de desenvolvimento educacional da Comunidade Educativa CEDAC). A mediação ficou a cargo de Susana Cerveira (mestre em Literatura Brasileira pela Unicamp).
Um dos principais pontos discutidos foi a importância de o mediador incluir o leitor na escolha do acervo, sem se colocar acima daquele que, afinal, irá consumir as obras disponibilizadas.
Bel Mayer, que trabalhou junto a jovens de Parelheiros na criação da Biblioteca Comunitária Caminhos da Leitura, lembrou que a montagem do acervo da instituição contou com a participação da comunidade.
“Nós fomos às livrarias mais bacanas que a gente conhecia. Avisamos que iríamos com um grupo de mais ou menos 30 pessoas para selecionar os livros, e uma das pessoas da livraria sugeriu que mandássemos uma lista dos livros e assim eles poderiam separar as obras. Expliquei: você não está entendendo. A gente quer que esses meninos e meninas aprendam a comparar edições, encontrar e olhar editoras, ilustradores”, lembrou.
No caso das escolas, é importante que o professor esteja apto a selecionar as obras que já estão disponíveis na biblioteca. Foi o que destacou Patrícia Diaz, que atua na formação de mediadores. “Aos poucos o professor percebe que, quanto mais complexa é a obra, mais fácil fica de mediar”, disse, sobre a seleção de livros considerados mais ‘difíceis’.
Literatura digital
No último dia do evento, houve a exposição de trabalhos de ilustração de livros infantis e um grande debate sobre os livros digitais. Participaram da mesa as ilustradoras Issa Watanabe, Laura Teixeira e Paloma Valdívia, além de Lucas Prieto, professor da Universidade Autônoma de Barcelona e especialista no estudo de formas de ficção digital para crianças e jovens. A mediação ficou a cargo da artista e educadora Stela Barbieri.
Apesar do espaço para a discussão sobre o trabalho de ilustrar obras infantis, o centro do debate acabou mesmo sendo os livros digitais, já que a utilização dessas obras ainda é um assunto controverso entre pais e educadores. A ilustradora Issa Watanabe, por exemplo, demonstrou preocupação com o acesso de crianças pequenas aos livros digitais. “Não consigo pensar no digital como forma de exploração mais concreta”, disse, referindo-se à experiência dos bebês.
Lucas Prieto ressaltou que o acesso aos livros digitais não é recomendado para menores de dois anos, e destacou a importância de educadores e pais explorarem mais esse tipo de obra.
“Boas obras digitais buscam quase um ponto de abstração, a reflexão”, afirmou. Para que as crianças acessem essas obras que oferecem uma experiência mais enriquecedora, porém, torna-se fundamental que os adultos atuem como mediadores – e entendam o funcionamento do meio digital.