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José Pacheco

Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)

Publicado em 11/10/2017

Síndromes

Nem sempre práticas educativas que vêm de fora são melhores; leia coluna de José Pacheco

shutterstock_601994843 Foto: Shutterstock

Há meio século, perguntávamos: por que é que nós damos aulas tão bem dadas e há alunos que não aprendem? Éramos competentes dando aula, mas, afetados pela síndrome da Velha Escola, negávamos direitos de aprendizagem a muitos alunos.

A abertura democrática permitiu-nos conhecer e adotar práticas escolanovistas: as barrinhas da Montessori; a proposta antroposófica de Steiner; a individualização de Dottrens; o personalismo de Mounier; os ficheiros do Freinet, as taxonomias do Bloom, a pedagogia por objetivos…

Mais tarde, adotamos a metodologia de trabalho de projeto e fizemos construir uma escola de área aberta. No trabalho em equipe, acabamos com a solidão do professor em sala de aula. E fomos experimentadores dos ciclos de aprendizagem. Tudo em vão: ainda havia quem não aprendesse.

Compreendemos que a nossa escola, como todas as escolas, eram ilhas nas comunidades. E que seria necessário eliminar interfaces feitas de cerca elétrica, câmera de vigilância e guarda de portão.

Modificamos técnicas de gestão e introduzimos no nosso quotidiano as novas tecnologias de informação e comunicação, produzimos uma intranet e uma plataforma digital. Mas, ainda havia alunos que não aprendiam.

Na década de 1980, apercebemo-nos de que a maioria dos formadores nos tratava como objetos em quem debitavam teoria. E que, vítimas da síndrome da incoerência, não praticavam nas universidades tais teorias. Assumimo-nos como sujeitos em autoformação. Fomos precursores do que agora dá pelo nome de ensino híbrido.

Mas concluímos que todas as mudanças operadas não passavam de panaceias, ingênuas tentativas de mitigar a naturalização do insucesso operada pela velha escola. Apercebemo-nos de que o escolanovismo continuava a não garantir a todos o direito à educação. Compreendemos que, como diria o Sartre, seríamos responsáveis por aquilo que fizéssemos com aquilo que fizeram de nós. Éramos competentes, dando aula. Só nos faltava assumir um compromisso ético com a educação.

Dedicamo-nos ao estudo de história, filosofia, sociologia da educação… até chegarmos à conclusão de que tínhamos sido enganados em milhares de horas de uma formação que, enfeitada de propostas teóricas contemporâneas, reproduzia o modelo de escola da revolução industrial do século 19.

Negociamos com o Ministério da Educação a nossa autonomia pedagógica, administrativa e financeira. Fomos a primeira escola pública a celebrar um contrato de autonomia. Fizemos o nosso caminho ao andar, a partir do que nós éramos. Valorizando o que sabíamos fazer (dar aula), operamos a indispensável ruptura com a Velha Escola. Passamos pela Escola Nova, a caminho da Nova Escola, uma construção social de aprendizagem, que a todos garante o que a Constituição consagra: o direito à educação.

Hoje, com pesar, vemos que se confunde inovação com a utilização de novas tecnologias. Fundações e outras agências de financiamento patrocinam projetos com aparência de novidade. A Universidade desperdiça milhões em cursos de “aula invertida”. Professores brasileiros vão à Europa, ver “comunidades de aprendizagem” e deslumbrar-se com a Finlândia, desconhecendo que há muitas finlândias e comunidades de aprendizagem (sem aspas) no Brasil.

Haverá um santo protetor dos educadores, que os livre de padecer da síndrome do vira-lata?

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