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Arte e Cultura

Insultar com precisão

Gabriel Perissé escreve sobre a busca da palavra certa para cada situação - o que significa, na literatura, um dos segredos para produzir uma leitura prazerosa

Publicado em 21/08/2017

por Gabriel Perissé

Insultar com precisão

Foto: Shutterstock

Quem considera normal o que é objetivamente mal perdeu a noção da realidade. É necessário, e é bom, indignar-se diante dos erros e injustiças. A indignação é sinal claro de dignidade.
E uma boa indignação geralmente se traduz em palavras fortes e pesadas. Até mesmo em sonoros insultos. Mas não considero justo insultar sem a devida precisão.
A busca da palavra “exata” na literatura é um dos segredos para produzir leitura prazerosa. Palavras genéricas ou imprecisas dificultam a visão dos leitores. O mesmo se pode dizer com relação aos xingamentos. Se eu xingar sem a devida clareza, talvez até o xingado se sinta ofendido…
É uma falta de respeito não atentar para a delicada relação entre palavra xingadora e elemento xingado. Questão de cuidado com a linguagem. Questão de justiça.
O justo insulto
Para isso existem os dicionários. Eles nos ajudam a encontrar a palavra certa para cada situação. Um insulto justo requer atenta consulta. Não basta xingar com o primeiro termo que vem à cabeça… quente. A escolha do vitupério penetrante exige sangue-frio.
Inteligência verbal, neste caso, consiste em descobrir o insulto que vai ao coração do problema, reflete com exatidão o erro cometido e, o que é essencial na arte de xingar, qualifica o autor do erro, com todo o respeito! Pois o cafajeste não é necessariamente prepotente, e o arrogante não se confunde automaticamente com um calhorda.
Sejamos honestos! Não experimentamos a sensação do dever cumprido ao escolher a injúria perfeita? Não nos dá alegria insultar um sujeito do jeito certo, se ele ao insulto porventura faz jus?
Na hora de insultar, pense com calma, analise as opções, procure no tesouro das palavras aquela que expresse sua indignação. Quem quer insultar bem deve consultar vários dicionários sem ansiedade, sem pressa. Tenho recomendado, porém, uma obra, talhada de molde para nosso objetivo: o Dicionário brasileiro de insultos, de Altair J. Aranha (Ateliê Editorial, 2002).
Vejamos uma situação concreta. Vamos imaginar um político mau-caráter que se apresente como alguém correto (correto não, corretíssimo!), que seja capaz até de considerar-se vítima de perseguição. Consultando o dicionário, encontro uma palavra que me parece adequada: “pilantra”. No entanto, “pilantra”, para alguns ouvidos, é palavra leve demais neste caso imaginário. Talvez seja aconselhável mudar para “embusteiro”, que remete a quem usa a mentira de modo envolvente a fim de ludibriar os outros. Faz sentido? E “impostor”, que tal?
Outra situação: você descobre que um amigo seu acabou de puxar-lhe o tapete, sem dó nem piedade. Que vocábulo escolher para retratá-lo? Você poderá usar a palavra “traidor”, que indica quem engana a confiança nele depositada. Caso queira dar um toque mais dramático, use a palavra “Judas”. Ou então, veja essas alternativas: “desleal”, “pérfido”, ou ainda, em tom mais coloquial, “traíra”.
Na hora do ódio
Temos de ampliar o nosso vocabulário para dar conta da realidade. Convém, por isso, amealhar duas dezenas de insultos e deixá-los por perto. Podem ser úteis a qualquer momento.
Na hora do ódio, um dos insultos mais populares é “desgraçado”. Mas será ele sempre o melhor? Leiamos a definição de Altair Aranha:
A sua força está, exatamente, na maneira como se diz. Em altos brados e com a cara feia é agressivo. Dito suavemente não machuca. No primeiro caso, é para designar um ser miserável, infeliz, infausto; ou abjeto, vil. Provavelmente, o termo é derivado da semântica teológica. Graça é o favor concedido por Deus a uma pessoa. O desgraçado é, pois, aquele que não recebeu a mercê divina, foi abandonado pelo Pai Eterno.
Se for o caso de desejar o inferno para alguém, “desgraçado” é excelente pedida. Há quem goste de “desgramado”, forma atenuada de “desgraçado”, não incluindo necessariamente o desejo de uma condenação eterna.
O insulto é igualmente útil para expressarmos o nosso sentimento de repúdio por alguém que atue de modo desprezível. Pensemos no caso hipotético de um servidor público que fosse um puxa-saco do grande chefe, um bajulador, um adulador, um baba-ovo, um caudatário, alguém que, submisso, fizesse o trabalho sujo em troca de favores espúrios. O insulto sob medida é “fâmulo”, que guarda, etimologicamente, a ideia de que o lacaio tem familiaridade com o poder…
Empregar insultos adequados contribui para a comunicabilidade. E é sempre saudável variar o repertório, para evitar o tédio.
Não sejamos mesquinhos ou tacanhos no ato de insultar. Tampouco exageremos na dose! O ideal é aplicar na hora certa a palavra certeira. O racista assim merece ser chamado. O solapador vive preparando armadilhas contra os outros. O vampiro explora os mais fracos. Cada insulto ao seu ilustre insultado!
Há quem se exercite em insultos eruditos. O “gastrólatra” refere-se ao glutão, o “funâmbulo” é aquele que muda facilmente de opinião, o “grulha” é o camarada que fala sem dar espaço para o interlocutor.
Reservo, para o final, um insulto sui generis: “obnóxio”. Assim cabe ofender aquele que, numa postura masoquista e servil, aceita calado todos os insultos!

Autor

Gabriel Perissé


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