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Arte e Cultura

Historiador inglês mostra caos na Europa depois da Segunda Guerra Mundial

Continente selvagem, obra de Keith Lowe, reúne material que mostra diversas mazelas do período a partir de ângulos pouco explorados

Publicado em 06/07/2017

por Rubem Barros

Família obrigada a deixar sua cidade na Polônia

Família obrigada a deixar sua cidade na Polônia

Passados mais de 70 anos do final da Segunda Guerra Mundial, os ecos do conflito ainda estão presentes e, em vários momentos, nos fazem refletir sobre os limites da nossa humanidade. No início da década passada, como resposta a reivindicações de um grupo de “filhos da guerra” noruegueses – crianças nascidas em meio aos combates –, o governo do país nórdico financiou um grupo de pesquisa para apurar o tratamento dado a essas pessoas em sua infância, vivida num momento de pobreza extrema durante a reconstrução da nação.
Por toda a Europa de então, em maior ou menor escala, crianças em número expressivo foram privadas do convívio de seus genitores, em especial dos pais. No imediato pós-guerra, em 1946, estimava-se que houvesse em torno de 180 mil crianças vagando pelas ruas de Roma, Nápoles e Milão, sobrevivendo como podiam, o que motivou um apelo do papa para que se cuidasse delas. Na Polônia, país que teve 1/6 de sua população ceifada pela guerra, o saldo foi de mais de 1 milhão de órfãos.
Mas se a infância como um todo sofreu duramente as consequências do conflito, às crianças geradas a partir do relacionamento entre os alemães invasores e mulheres dos países invadidos reservou-se verdadeiro martírio. Calcula-se que entre 1 e 2 milhões de crianças viveram essa situação. Na Noruega, onde houve entre 8 e 12 mil nessa situação, elas e suas mães foram vítimas não só da ira da sociedade, mas também de discriminações que partiam de pressupostos similares aos dos nazistas a quem se condenava e odiava.
Primeiro tentaram fazê-las imigrar para a Austrália, sem saber se suas mães – que como elas foram destituídas da cidadania norueguesa – assim o desejavam. Como o intento naufragou, pois os australianos não desejavam ficar com crianças “alemãs”, deram a elas um rótulo macabro: partindo da premissa de que suas mães, por terem se relacionado com alemães, tinham algum tipo de desvio mental, estenderam essa lógica às crianças, como possíveis portadoras de deficiência mental. Assim, calcula-se que cerca de 4 mil delas tenham sido destinadas a instituições para excepcionais. Anos depois, na década de 80, um médico avaliou que, se tratadas como outras crianças, poderiam ter levado vidas normais.
O olhar para a infância e a adolescência é apenas um dos muitos recortes possíveis que Continente selvagem, obra do escritor e historiador inglês Keith Lowe, permite ao olharmos para as devastadoras consequências da Segunda Guerra e o estado de anomia em que a Europa se encontrou nos anos finais do conflito e naqueles imediatamente posteriores a ele.
Deixando de lado certa tendência à romantização da reconstrução europeia, Lowe busca contar a história desse período marcado pelo uso da força e dos expedientes de que cada um dispunha. “Homens armados percorrem as ruas pegando o que desejam e ameaçando qualquer um que procure impedi-los. Mulheres de todas as classes se prostituem por comida e proteção. Não existe vergonha. Não existe moral. Existe apenas sobrevivência”, resume o autor na introdução.
No livro, Lowe reúne farto material que mostra não só a traumática liberação dos campos de concentração, mas diversas mazelas de então a partir de ângulos pouco explorados, em especial de forma conjunta. Num momento em que o equilíbrio de forças estava se refazendo, vê-se em paralelo as limpezas étnicas na Polônia, na Ucrânia e na Iugoslávia, a guerra civil na Grécia, locais em que a guerra exacerbou conflitos internos já existentes. E, também, o impulso de vingança de, entre outros, italianos e franceses, depois de anos subjugados pelos alemães.
Reavivar essas narrativas hoje, em tempos de Aleppo, é um alerta necessário. Na ilusão que a linearidade histórica nos concede, o que há de menos heroico ou louvável acaba sempre obscurecido após algum tempo. Nunca é demais lembrar que, de certa forma, estamos sentados em cima das heranças deste continente selvagem.
Continente selvagem – O caos na Europa depois da Segunda Guerra Mundial, de Keith Lowe, Zahar, 504 páginas, tradução de Rachel Botelho e Paulo Schiller, R$ 89,90; e-book: R$ 49,90.

Continente selvagem – O caos na Europa depois da Segunda Guerra Mundial, de Keith Lowe, Zahar, 504 páginas, tradução de Rachel Botelho e Paulo Schiller, R$ 89,90; e-book: R$ 49,90.

Autor

Rubem Barros


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