NOTÍCIA
Apesar de considerarem errado, estudantes continuam a “trapacear” nas avaliações
Publicado em 20/10/2016
“Ir bem” nas avaliações e passar de ano estão entre os principais motivos apontados pelos estudantes quando perguntados sobre por que a cola vale a pena. Ainda que considerem o ato errado, a maioria já colou pelo menos uma vez.
As justificativas são muitas: não houve tempo para estudar, a matéria era muito difícil, o professor não explicou direito, havia medo de ser repreendido pelos pais ou pelo próprio professor, e também o fantasma da reprovação.
Camila*, aluna do último ano do ensino médio, diz colar com frequência. A estudante tem boas notas em grande parte das matérias, mas admite copiar respostas das provas em que sente mais dificuldade.
“Eu sei que é errado, mas se eu não for bem meus pais vão ficar tristes comigo, e eu vou ficar triste comigo mesma”, diz a aluna de 17 anos.
A maior parte dos alunos diz conhecer alguém que cola sempre que pode. As possibilidades vão de cópias de lições de casa e tarefas diárias a pedidos de respostas em avaliações importantes.
“Aquelas pessoas que vão mal na escola, colam para que os pais não tirem as coisas deles: celular, sair no fim de semana. Elas colam pra ganhar nota, mesmo não estudando. O problema é que as pessoas não se dedicam, não estudam em casa”, conta Laura Gonzales, aluna do 8º ano na rede particular.
Nesses casos, assim como em muitos outros, é cobrado do estudante um resultado final e não o aprendizado, o que quebra a lógica escolar de avaliação. Para a professora Ana Laura Lima, docente na Faculdade de Educação da USP, a questão que se coloca a partir daí é o conflito entre o valor da honestidade e do desempenho.
“Se o aluno percebe que o importante para os pais e para os professores é o resultado da prova e não a dedicação ao estudo, pode ser levado a pensar que a cola é uma alternativa razoável para atingir o objetivo da nota” explica a professora, que estuda psicologia escolar.
Ana Laura ressalta, porém, que as explicações não tornam a atitude dos estudantes menos desonesta. O máximo que a desculpa pode fazer é tornar a cola compreensível em determinadas situações.
Os estudantes costumam enxergar na figura do professor o responsável por inibir a prática da cola e aplicar as devidas punições quando necessário. A aluna Mariana*, de 17 anos, acredita que a instrução deve ser acompanhada do cumprimento das regras.
“Acho que para diminuir as colas é preciso mais fiscalização, principalmente nos corredores e tratar da situação do uso do celular nas provas. Muitas pessoas vão ao banheiro e pesquisam as questões lá” afirma a estudante da rede particular de Maceió.
Os alunos dizem que os professores preferem penas mais brandas, como pedir que o aluno troque de lugar ou chamar sua atenção por estar de olho na prova do colega. Punições mais severas como zerar a avaliação ou tirar a prova acontecem raramente. Para os alunos que seguem as regras, a situação pode soar injusta.
“Devia ter mais punição. O professor fala que vai tirar prova, mas não tira”, afirma Luísa Lacerda, aluna do 8º ano da rede particular do Paraná.
Contudo, a pesquisadora Ana Laura, da Feusp, ressalta que a certeza de punição pode ajudar a combater a cola, mas não chega à raiz do problema. Outras atitudes no campo pedagógico podem ser mais eficazes.
“O professor deve produzir avaliações que correspondam ao que foi de fato ensinado; tornar explícitos e compreensíveis para os alunos os critérios de correção da prova; não usar as avaliações para punir, se vingar ou desqualificar os alunos” descreve a professora especialista em psicologia escolar.
Outra questão levantada pelos estudantes é a falta de aprimoramento didático do professor. A cola poderia ser um sinal de que os estudantes não estão absorvendo o conteúdo da forma como ele tem sido apresentado.
“Tem alguns professores que não ensinam a matéria de um jeito que a gente entende, aí as pessoas colam mesmo”, afirma Júlia*, estudante do primeiro ano do ensino médio.
Como solução alternativa à punição, os alunos indicam mais diálogo com aqueles que estão colando. Para Felipe*, também estudante do primeiro ano do ensino médio, o aluno que cola é antes de tudo alguém que não está aprendendo e precisa de mais atenção.
“Tem de explicar melhor para os alunos que não acompanham as aulas direito. Isso aqui é o futuro deles, e eles estão deixando passar em vão”, argumenta o adolescente da rede pública de São Paulo.
*Alguns nomes foram alterados para preservar a identidade dos estudantes
O que é a “cola”?
“A cola é uma trapaça, só que mais leve.” — Thiago Marsola, 8º ano do ensino fundamental – São Paulo
“Colar é quando a pessoa fica chamando atenção e atrapalhando a prova da outra pra pedir a resposta.” — Luísa Lacerda, 9º ano do ensino fundamental
Qual a sensação de colar?
“A primeira vez foi na 5ª série, foi empolgante. Eu vi todo mundo passando a resposta, aí eu falei: ‘Ah, eu também quero’”’. Júlia*, 1º ano do ensino médio.
“Eu nunca colei, mas deve dar vergonha porque você tá fazendo uma coisa errada e alguém viu, é tipo roubar um pote chocolate.” Guilherme Brocanelli, 5º ano do ensino fundamental
Colar é errado?
“Sim. Se eu copiar a resposta, como a professora vai saber o que eu aprendi?” — Alessandra Badu, 3º ano do ensino fundamental.
“Ah, depende. Você não tem obrigação de saber todas as matérias o tempo todo, então se você não conseguiu entender a matéria direito… Eu não julgo.” — Juliana Bernardo, 1º ano do ensino médio.