NOTÍCIA
Sistema dual alemão, baseado em parceria com as empresas, exige boa formação tanto dos docentes de aulas teóricas como dos instrutores práticos
Um dos países em que o ensino profissionalizante é, reconhecidamente, dos mais bem estruturados no mundo, a Alemanha não oferece um caminho fácil para quem quer se tornar docente na modalidade. Porém, aqueles que conseguiram trilhá-lo e chegar à docência na educação profissional dizem que o esforço vale a pena, corroborando a cultura germânica da recompensa à dedicação.
Isso acontece porque a etapa é a grande vedete da educação alemã. O sistema dual, onde estudam 90% dos alunos da educação profissionalizante, é uma referência de qualidade para outros países, sejam do 1o ou do 3o mundo, pois consegue formar alunos de bom nível de instrução tanto no que tange à cidadania, como também no que diz respeito a seus atributos para o mercado de trabalho. Talvez em especial nesse segundo quesito.
Para se ter uma ideia da potência da modalidade, 54% da força de trabalho de todo o país vem do ensino profissionalizante. Segundo o Departamento Federal de Estatísticas da Alemanha (Destatis), 2,5 milhões de alunos cursam atualmente a modalidade. Além disso, não apenas o Estado mas também as empresas têm um papel decisivo na formação do docente, o que coloca a profissão no centro de um sistema educacional organizado para ser a grande base de desenvolvimento econômico da Alemanha, num modelo com bons níveis de integração.
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E, sim, as empresas têm voz e influência até mesmo nos currículos de formação docente. Para entender as motivações desse processo, é preciso antes conhecer o perfil do docente do ensino profissionalizante alemão. A docência do ensino técnico no país está dividida, basicamente, em duas figuras: o professor e o instrutor.
O primeiro é responsável pelas aulas teóricas, seja de disciplinas gerais, como alemão e inglês, ou específicas da área técnica. Já o instrutor é responsável pela parte prática. Só que esse tipo de docente não ensina na escola e não é contratado pelo Estado. Ele é um profissional de uma empresa privada.
No sistema dual, os alunos passam apenas entre um e dois dias na escola, aprendendo teoria com professores. No restante da semana, recebem treinamento prático em uma empresa, a título de estagiário remunerado. Ou seja, o instrutor é a figura responsável por ensinar, acompanhar e avaliar o aprendizado e desempenho do estudante durante a maior parte do seu curso no ensino técnico.
Empresas em parceira com o Estado
A principal diferença do ensino técnico alemão em relação ao resto do mundo é a participação e influência das empresas em todos os passos da formação de um aluno dessa etapa do ensino.
Se hoje o ensino técnico é o grande motor da economia alemã, foi há mais de 40 anos que as mudanças começaram. Mais precisamente em 1970, com a fundação do Instituto Federal de Formação Profissional (Bibb).
O órgão, subordinado ao Ministério da Educação e Pesquisa, é composto por membros de associações patronais, sindicatos de trabalhadores e representantes do Estado. Em conjunto eles definem e atualizam currículos, elaboram regulamentos e garantem que o aluno está recebendo a educação certa para entrar no mercado de trabalho e ser o tipo de profissional de que o mercado precisa.
As atualizações de currículo costumam acontecer a cada 5 anos. Caso um currículo seja considerado defasado por alguma empresa, ela pode pedir no Bibb uma mudança. “Essa petição é discutida com todos os membros da área. Quando se chega a um consenso, as mudanças são feitas sem perder tempo”, explica Diana Cáceres-Reebs, diretora do Bibb.
Por esses motivos não há lei que exija a participação das empresas no sistema dual. Todas as 447 mil que fazem parte são voluntárias. Elas são responsáveis por 564 mil vagas preenchidas e arcam com todas as despesas do aprendiz, que recebe em média 800 euros (R$ 3.200) por mês para aprender enquanto trabalha.
Tornando-se um professor
Qualquer pessoa que quiser se tornar-se professor do ensino técnico alemão precisa ter um diploma universitário. Há uma pequena exceção, para os chamados “professores práticos”, que dão aulas-suporte específicas na escola a alunos que precisam de reforço. Ainda assim, esse profissional, que é uma minoria no cenário, precisa ter se formado em uma escola técnica, deve ter experiência de vários anos na profissão, passar por um exame de competência e frequentar um curso sobre pedagogia antes de poder ter acesso à sala de aula.
Para a maioria, o caminho é composto por três fases. A primeira envolve o curso universitário, no qual o futuro professor precisa atender disciplinas correspondentes à área que pretende seguir. Mas para escolher a área que deseja é necessário, além do certificado que permite a entrada na universidade, ter experiência ou treinamento comprovado na área. Assim, essa medida faz com que o perfil dos professores de ensino técnico na Alemanha seja de ex-alunos do sistema dual que resolveram seguir a carreira docente.
Além das aulas da área principal, o universitário também precisa frequentar aulas de psicologia e pedagogia. Algumas áreas de estudo e estados do país também exigem que tenha uma experiência prática, dando aulas.
Todo esse período costuma durar entre quatro e cinco anos e é concluído somente após o estudante passar por um exame organizado pelo Estado, que avalia o nível de aprendizagem.
A segunda fase é um estágio probatório, conhecido como Referendariat, no qual o novo professor acompanha as aulas de outros professores, ensina com a companhia de um veterano e, no final, dá aulas sozinho em escolas designadas. Essa fase dura entre um e dois anos e só é concluída quando o professor passa por um segundo exame organizado pelo Estado.
A terceira e última fase dura até o final da carreira do professor e consiste em garantir que o docente receba formação continuada enquanto estiver exercendo a profissão.
Cada um dos Länder, a versão alemã dos estados, é responsável pela formação continuada de seu corpo docente e as regras e objetivos são expressos por lei. Ou seja, a atualização de um professor de ensino técnico na Alemanha não é somente incentivada, como também obrigatória. Só que, em contrapartida, o Estado é obrigado a assegurar a oferta de capacitação.
Os cursos dessa fase da formação acontecem em institutos estabelecidos pelos estados, porém subordinados ao Ministério da Educação. As escolas também precisam organizar eventos. Há grupos de estudo, seminários, colóquios e cursos de formação a distância, em geral com conteúdos que abordam novas tecnologias, atualização pedagógica e mudança de currículos.