NOTÍCIA
Projetos desenvolvidos em instituições de ensino particulares impactam diretamente o projeto de vida dos alunos
Psicologia, economia, corte e costura, programação, robótica, fotografia: essas são algumas das disciplinas oferecidas no contraturno em algumas escolas da rede particular de ensino no Brasil. Com grades mais flexíveis e independência para desenvolver os próprios currículos, gestores e docentes discutem frequentemente alternativas para tornar o espaço escolar mais atraente para os jovens, sem deixar de ensinar os conteúdos que serão cobrados nos vestibulares e no Enem. “Damos espaço, remuneramos e incentivamos a criação e a proposição de projetos”, afirma Harlei Florentino, diretor do Colégio Oswald de Andrade. “Porém, não podemos tratar conteúdos tradicionais como algo chato e a grade flexível como o espaço das aulas legais; precisamos é trabalhar o todo a partir de formas mais interessantes.”
O desafio é grande para pensar em formas de tornar a escola um espaço capaz de formar cidadãos que transitem em diversos contextos, críticos, criativos, sensíveis e competentes como profissionais, o que impacta diretamente o projeto de vida dos alunos. O exercício de reflexão constante sobre tais aspectos torna os colégios particulares mais preparados para as adaptações que as instituições de ensino terão de fazer depois da aprovação da Base Nacional Curricular. “Há um núcleo de conteúdos mais tradicionais que podem ser mais bem aprendidos se forem trabalhados de forma aberta e relacional. É necessário, portanto, atribuir sentido a eles”, diz Silvana Leporace, diretora-geral do Colégio Dante Alighieri, de São Paulo.
Entre os anos de 2014 e 2015, gestores e docentes do grupo Marista de ensino, composto por mais de 80 escolas em todo o país, se reuniram para repensar a base curricular da rede e estabelecer o mínimo que todo aluno deve aprender. Assim como no documento que deve ser aprovado pelo MEC, cerca de 40% do currículo é flexível e adaptável às realidades culturais de cada estado. “Também já oferecemos disciplinas de aprofundamento nas áreas do conhecimento (matemática, ciências da natureza, ciências humanas, linguagens e códigos), que são dadas no contraturno”, diz Alexsandra Camara, assessora educacional da rede de colégios do Grupo Marista. “Os alunos são livres para escolher quais querem cursar.” A obrigatoriedade de frequentar ou não tais aulas é definida pela gestão de cada unidade.
No Colégio Bandeirantes, em São Paulo, o currículo do ensino médio não prevê mais a divisão pelas áreas tradicionais (exatas, humanas e biológicas) e é composto por uma matriz básica, dada no primeiro ano. A partir daí o curso se torna eletivo. “A forma de ensinar também passa por reformulação, trabalhamos cada vez mais em projetos interdisciplinares, com especialistas de diversas áreas em uma mesma sala tratando de um mesmo conteúdo por diversas perspectivas”, afirma Maria Estela Zanini, coordenadora da escola. Trata-se do projeto de aulas Steam, por meio do qual são desenvolvidas sequências didáticas que envolvem professores de física, química, biologia, matemática e artes.
Entre os cursos extracurriculares oferecidos aos jovens do Dante Alighieri estão os projetos de pré-iniciação científica, que permitem aos alunos entrar em contato com o modo de pesquisar do mundo acadêmico. Além disso, a escola possui meios de comunicação próprios, como o Rádio e a TV Dante, que contam com a produção dos alunos e grupos de discussões sobre temas como a questão do gênero na escola, cotas e até mesmo temas mais burocráticos, como horários de provas.
Para Florentino, do Oswald de Andrade, o trabalho com projetos que dialoguem com a grade deve também servir, de um ponto de vista mais amplo, para que os alunos intervenham no mundo social. Por isso, todos os anos, os estudantes do terceiro ano do ensino médio desenvolvem projetos que devem provocar algum impacto positivo na qualidade de vida do lugar onde moram. “Nesse processo, o professor é um mediador e ajuda os alunos a delimitarem problemas, a elaborar planejamentos. Orienta também as etapas de execução e negociação e, por fim, avalia o que precisa ser melhorado”, afirma o diretor.
Mudanças na escola pressupõem apoio aos profissionais e investimentos na formação e na valorização docente. A base nacional, assim que definida, deverá ser interpretada por professores e gestores, que precisarão ter uma postura crítica frente aos novos desafios que um currículo flexível apresenta. “Para isso, é natural que os professores fiquem mais tempo na escola, pensem em metodologias inovadoras para esse ensino médio e trabalhem com os alunos nos projetos pessoais deles”, afirma Alexsandra, do Grupo Marista.
Uma das principais queixas entre os gestores das instituições de ensino particular, quando se trata da criação da Base Nacional Comum, é a forma como o vestibular se configura. “Enquanto os alunos conviverem com vestibulares tão conteudistas será difícil cobrir todas as exigências”, afirma Maria Estela, do Colégio Bandeirantes.
Algumas instituições tentam contornar o problema por meio da oferta de cursos preparatórios para provas específicas. Se, por um lado, tal medida tenta resolver problemas específicos, por outro, torna a escola ainda mais cansativa. “Se o Enem fosse uma avaliação única, por exemplo, teríamos condições de analisar os direitos de aprendizagem mínimos e não precisaríamos olhar tanto para os vestibulares”, diz Silvana, do Dante Alighieri.