Metáforas e analogias em geral são instrumentos didáticos para a explicação de fenômenos naturais e dispositivos científicos
Publicado em 16/06/2016
Átomo. Esta palavra tão trivial e que faz parte do nosso cotidiano com uma naturalidade quase irresponsável já foi motivo de muita discussão. Nas carteiras escolares nem sequer imaginamos o caminho percorrido pela ciência até chegar àquilo que está no livro didático, nas aulas, nas avaliações.
De uma esfera maciça e indivisível, o átomo passa a ter cargas negativas e positivas. No passo seguinte, descobre-se que as cargas negativas orbitam as positivas e que estas não estão sozinhas no núcleo, os quarks formam os prótons e nêutrons.
Lendo esse parágrafo parece tudo muito simples: as descobertas aconteciam e a estrutura atômica ganhava corpo, não há nada mais a descobrir. Não é bem assim, muito se discutiu e várias questões permanecem sem respostas nestes mais de dois mil anos de inquietação.
A ciência é uma construção humana e, como tal, necessita de mecanismos que expressem suas criações. As metáforas, analogias e modelos são grandes aliados nessa missão de expor e divulgar uma ideia, tanto entre os cientistas quanto destes para a sociedade. E, evidentemente, a educação científica se beneficia muito com essas ‘traduções’.
Os modelos e analogias contribuem de forma essencial à compreensão da produção científica, uma vez que aproximam um assunto pouco familiar ou perceptível – o objeto, como por exemplo a estrutura proteica – a um análogo conhecido, como os colares de contas e o fio de telefone. Tornam, assim, a aprendizagem mais significativa, e os conceitos passam a fazer mais sentido a quem os aprende.
O desconforto e a inquietude típicos da ciência também se refletem nos modelos construídos para explicá-la: da mesma forma que uma teoria se modifica com o surgimento de novas evidências (muitas vezes fruto de avanços tecnológicos e altamente relacionadas aos mais diversos contextos históricos), os seus modelos acompanham esse movimento, alteram-se.
A composição da matéria, aquilo do que o mundo é composto, sempre intrigou o homem. A palavra átomo surge na Grécia Antiga e quer dizer ‘indivisível’. Em 1808, o químico John Dalton propôs um modelo atômico maciço, indivisível, e o compara a uma bola de bilhar. O fato de alguns fenômenos, como por exemplo a eletricidade, não serem explicados por esse modelo culminou em uma nova proposta. O físico Joseph Thomson descobriu – utilizando os recém-aprimorados tubos de raios catódicos – a primeira partícula subatômica, o elétron, em 1897. No ano seguinte, Thomson propunha o modelo atômico conhecido como ‘pudim de ameixas’, no qual o átomo seria uma esfera carregada positivamente com alguns elétrons – de carga negativa – submersos.
Este é um clássico exemplo de como uma analogia (convertida em um modelo) pode ajudar a entender uma ideia. Todos nós conhecemos um pudim de ameixas, ou conseguimos imaginá-lo visualmente (o sabor delicioso dessa sobremesa pouco se relaciona com a hipótese de Thomson). Assim, comparando-o com algo que não conhecemos, conseguimos nos aproximar mais da estrutura proposta pelo cientista inglês.
O modelo atômico de Thomson não vigorou por muito tempo. Utilizando as radiações emitidas pelo polônio para projetar as estruturas atômicas, o físico neozelandês Ernest Rutherford retoma o modelo planetário sugerido anteriormente pelo físico japonês Hantaro Nagaoka em 1904. Em 1911, Rutherford divulga seu modelo, considerando que o átomo era composto por um pequeníssimo núcleo (com carga positiva) e por elétrons (negativos) distribuídos ao redor do núcleo em órbitas elípticas, propostas por Sommerfeld em 1916.
A analogia entre átomo e o movimento dos planetas só faz sentido quando se conhece o modelo de Sistema Solar vigente. As representações de Rutherford, comparando um átomo ao sistema planetário, remetem às ideias de Copérnico do início do século 16, já bem estabelecidas e sedimentadas. Ou seja, se a maioria das pessoas entende que vivemos em um sistema com planetas girando ao redor de um sol, podemos, a partir daí, propor um modelo atômico com esta mesma configuração planetária.
A questionada estabilidade do átomo caiu por terra em 1914 com o físico dinamarquês Niels Bohr que, com base nos estudos dos físicos alemães Max Planck e Albert Einstein, descreveu as órbitas ao redor do núcleo como circulares. Surge o conhecido modelo de Rutherford-Bohr, pelo qual a maioria dos livros didáticos encerra o assunto.
Mas muito se avançou nestes quase 100 anos de ciência e tecnologia. Até o início do século passado, o átomo era formado por partículas positivas (os prótons, descobertos em 1920) e negativas (os elétrons, descritos em 1897). Tudo mudaria em 1932 quando o físico inglês James Chadwick, revisando pesquisas com radiação, descreve uma partícula neutra no núcleo, o nêutron.
Décadas depois, em 1964, os físicos norte-americanos Murray Gell-Mann e George Zweig, independentemente, propuseram a existência do quark, outra partícula subatômica. Atualmente são conhecidas cerca de 60 diferentes partículas, e considera-se que os quarks sejam a constituição básica de prótons e nêutrons.
Hoje, assume-se que o átomo é composto por dezenas de partículas nucleares e por uma nuvem de elétrons, distribuídos em órbitas nas quais não se tem certeza de onde estão os elétrons, mas sim, onde há mais chance de eles estarem. O número crescente de pesquisas relacionadas à constituição da matéria evidencia o processo contínuo de construção do conhecimento científico, com a superação de paradigmas e a divisão do até então “indivisível”.
Usamos metáforas e modelos para descrever e explicar muitos conceitos científicos, geralmente aqueles que estão distantes de nós por uma questão de escala: ou são muito pequenos (como o átomo, a membrana celular, o DNA) ou muito grandes, como as placas litosféricas e o universo.
Alguns cuidados devem ser tomados quando lançamos mão de uma analogia ou quando criamos um modelo para representá-la. Estudar e entender o ‘assunto-alvo’ antes de ser apresentado ao seu modelo é a melhor escolha, uma vez que nos possibilita criar nossas próprias comparações.
Depois de criada a familiaridade com a analogia, podemos mapear as suas similaridades com o ‘alvo’ e mais: identificar onde a comparação é falha. Mais do que respostas prontas, as analogias e modelos devem criar a mesma inquietação que alimenta a ciência. Desta maneira, modelos serão reformados, aperfeiçoados e adequados ao contexto que cerca cada explicação.