MERCADO | Edição 202
Cursos de curta duração podem representar uma oportunidade para as instituições de ensino superior ampliarem seus negócios e reforçarem sua marca
por Patrícia Sperandio
ESPM: cursos com duração de um a cinco dias se tornaram iniciativa de sucesso
Em tempos de crise econômica e diante de um mercado que exige atualização rápida dos profissionais, os cursos de curta duração são vistos como saída para aprender uma competência específica ou exercer uma determinada atividade com mais eficiência. Executivos, empreendedores e acadêmicos – que normalmente já têm diplomas de graduação e pós-graduação – formam grande parte do público que procura essa modalidade.
Realizados de forma presencial e virtual, os cursos de curta duração são formatados de acordo com especificidades de conteúdo, carga horária e público-alvo. “São cursos que não precisam de autorização e regulação do Ministério da Educação (MEC) e que, em sua maioria, tratam de um tema específico para fazer o nivelamento, o aprofundamento ou a atualização do estudante”, explica Paulo Presse, consultor da Hoper Educação.
A modalidade representa uma oportunidade para as instituições aumentarem o portfólio de cursos e se aproximarem da comunidade em que estão inseridas.
Na avaliação de Hélio Athia Júnior, consultor associado da Humus, os cursos de curta duração são um trunfo para as instituições de ensino acompanharem o ritmo frenético da criação de novas profissões e atribuições. “Estamos na cultura da urgência. Quanto mais as universidades conhecerem o mercado, maior será sua capacidade de gerenciar novas demandas de ensino”, afirma.
Alta demanda
“Temos cursos que lotam as salas e ainda deixam fila de espera, como o curso de liderança 360 graus”, conta Paulo Lemos, diretor do FGV Management, programa de educação executiva presencial da Fundação Getulio Vargas. Segundo ele, a instituição, que oferece a modalidade há cerca de seis décadas, criou nos últimos anos mais de 80 opções de cursos nas áreas de administração, gestão pública e direito. Com duração que varia de 16 a 32 horas, eles têm o objetivo de atender à demanda do mercado por cursos de qualidade e conteúdo prático.
A Faap voltou a apostar na modalidade há 15 anos. Cursos de curta duração em desenho, pintura e escultura foram oferecidos pela instituição antes mesmo de existirem os cursos universitários da faculdade. Com a retomada, o número de cursos oferecidos pelo Núcleo de Cultura e Beleza da Faap passou de seis por semestre para cerca de 60, com até 45 horas de duração, conta o diretor do núcleo, Silvio Passarelli. Em média, diz ele, passam pelo núcleo 1,3 mil alunos por semestre.
O mercado de cursos livres hoje é vasto e competitivo. A instituição que pretende apostar nesse negócio deve estar preparada para disputar alunos com conceituadas universidades nacionais e internacionais, que oferecem programas de extensão em diversas disciplinas. Além disso, cada vez mais surgem cursos de qualidade oferecidos gratuitamente por instituições tradicionais, como a FGV e a USP – que têm, como estratégia, a cobrança do certificado para o aluno que concluir o curso. Paulo Presse diz que instituições que desejam entrar nesse mercado devem conhecer bem a própria situação e o espaço que ocupam no setor. Assim, é possível se diferenciar.
É o que fez o Grupo Alis Educacional, composto por instituições de ensino no interior de Minas Gerais. Após identificar a demanda dos alunos de graduação por cursos de curta duração, a instituição criou há dois anos o Múltiplos Cursos, uma empresa exclusiva dedicada à modalidade. “A iniciativa surgiu para incrementar o nosso negócio e oferecer uma capacitação a mais principalmente para nossos alunos e funcionários”, afirma Débora Guerra, CEO do grupo. Segundo ela, o programa conta com cerca de 20 cursos e já atendeu mais de 10 mil alunos.
Para competir com os grandes players que estão no mercado há mais tempo, o valor do curso de 20 horas é de cerca de R$ 40.
“O lucro vem da quantidade. É preciso ter um volume alto de demanda”, explica Débora. No entanto, muito mais do que retorno financeiro, o programa traz um ganho indireto para o grupo educacional. “Os cursos de curta duração representam um incremento. São mais um modelo de negócio que reforça a marca da instituição.”
Tendências
Uma aposta das instituições de ensino é oferecer cursos de curta duração durante as férias – uma estratégia para atrair alunos que desejam investir na carreira durante períodos em que a rotina profissional fica mais leve. Também é uma forma de manter as portas da instituição abertas num período em que ficariam fechadas. Esse foi o motivo que fez com que a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) investisse na modalidade há 41 anos. Hoje, trata-se de uma iniciativa de sucesso, que atende pessoas de fora de São Paulo ou que durante o semestre não podem frequentar a faculdade, explica Victor Trujillo, coordenador do programa de férias da insituição.
Com duração de um a cinco dias, os cursos – que podem custar mais de R$ 800 – são densos e concentrados nas áreas de marketing, comunicação digital, gestão, vendas, design e criatividade. “Já passaram por aqui mais de 50 mil alunos”, fala o coordenador.
Outra instituição que oferece cursos de férias para movimentar o campus durante o recesso é a Universidade de Guarulhos. Desde 2009, a UnG oferece mais de 70 cursos em diferentes áreas – de Excel a maquiagem – a preços acessíveis. “Nosso objetivo é trazer a comunidade para a universidade”, afirma a coordenadora de extensão Lis Lakeis Bertan.
Outro nicho importante é o de cursos in company. Com cada vez mais empresas investindo no aperfeiçoamento de funcionários, as instituições de ensino oferecem treinamentos e cursos sob medida. Também estão ganhando espaço preparatórios para OAB, Enem e concursos, além de cursos de idiomas. Muitas IES estão, inclusive, fechando parcerias com escolas de línguas para atender principalmente seu público interno.
Chave do sucesso
Embora exista demanda para a modalidade rápida de ensino, captar alunos para os programas de especialização exige a capacidade de pensar em estratégias de melhoria na qualidade desses cursos, que devem estar respaldadas no conceito institucional e na estruturação do corpo docente, do quadro técnico e da metodologia. Assim como na graduação, se não houver avanço nesse sentido, outras instituições tomarão a frente. “Se a faculdade olhar só para o rendimento, ela não vai ter sucesso. Os cursos de curta duração não podem ser pensados como um tapa-buraco financeiro”, afirma Hélio Athia Júnior, da Humus.
Paulo Lemos, da FGV, diz que o professor pode ser um grande aliado na hora de avaliar a demanda interna e externa dos cursos, já que ele conhece o mercado. Para o diretor, investir na contratação de professores capacitados é uma forma de garantir o sucesso da modalidade. “Temos três tipos de professor na faculdade: o de carreira, o de extracarreira – que dedica à escola um certo número de horas por semana – e o executivo que atraímos e treinamos para ser professor. Esse profissional é muito importante, pois traz conhecimento atual profundo para a instituição”, explica.
Para o professor Silvio Passarelli, da Faap, a melhor forma de aferir a demanda por cursos de curta duração é a instituição estar aberta ao diálogo com a comunidade. “O conceito de universidade está alicerçado no tripé ensino, pesquisa e extensão. Os cursos livres são a extensão com a comunidade.”
EAD: crescimento e custos
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A modalidade que mais vem ganhando adeptos na oferta dos cursos de curta duração é a on-line. Além de baratear custos com a infraestrutura e a contratação de docentes, o ambiente virtual permite uma maior flexibilidade de horário e chama a atenção do aluno por não ser necessário se deslocar até a instituição de ensino. Segundo Paulo Presse, da Hoper, os grandes players da área educacional, em especial, aproveitam a possibilidade de ofertar 20% da carga horária dos cursos na modalidade semipresencial para ganhar um pouco mais em escala. Dessa forma, conseguem atender na maioria das vezes as comunidades interna e externa da instituição, com preços mais baixos. No entanto, o investimento para entrar nesse mercado é alto. A criação de uma plataforma educacional geralmente não sai por menos de R$ 300 mil, e a instituição precisa contar com docentes e especialistas em TI, além de designer, redator, revisor e editor de texto. De acordo com Débora Guerra, do Grupo Alis Educacional, o custo para manter toda a equipe na sua instituição fica em torno de R$ 50 mil por mês, no mínimo. Ainda assim, Paulo Presse afirma que existem estratégias para quem não quer ficar de fora. “A instituição que não tem condições de se adaptar para oferecer cursos virtuais pode procurar parcerias, comprar cursos de terceiros ou, ainda, criar uma estrutura mais enxuta. Na hora de fazer essa avaliação do mercado local e buscar soluções, é importante ter criatividade.” |