NOTÍCIA
É preciso dar relevância ao caráter comunitário da experiência escolar
Em reflexão sobre os rumos das greves de professores deste ano, o sociólogo José de Souza Martins aponta um elemento desagregador que tem recebido pouca atenção das políticas públicas de educação: “A transformação do professor em caixeiro-viajante do ensino para o ganho do que carece para viver como professor – e não ser reduzido a proletário da educação – nega o essencial do magistério. A missão civilizadora da educação só é possível na concepção da escola como uma comunidade de ensino e aprendizado que une em torno de uma causa comum professores, alunos, pais de alunos e a própria sociedade abrangente. A escola do docente enraizado, não a do docente itinerante”.
A evidência e a força de seu argumento saltam aos olhos se compararmos o abismo entre a qualidade da educação pública nos primeiros anos do ensino fundamental – nos quais o docente se enraíza pela sua presença cotidiana e pelos vínculos dela decorrentes – e em suas séries terminais, marcadas pela presença de professores que se veem obrigados a trabalhar em duas, três ou até quatro escolas; que mal chegam a conhecer seus alunos ou a travar contato com seus pais. Não é à toa que neste último segmento as faltas são mais frequentes, os casos de agressão e desrespeito mais agudos, a desmotivação mais intensa.
Pensar a escola como “uma comunidade de ensino e aprendizado” implica que, mais do que uma reunião de indivíduos que perseguem interesses próprios, a instituição escolar deve congregar professores e alunos em torno de um ideal comum: o da formação de sujeitos que, embora singulares, participam de uma tradição cultural compartilhada. Trata-se de um ideal cujo alcance prevê o ensino e a aprendizagem de conhecimentos, práticas e saberes, mas o transcende. Isso porque o caráter educativo desse aprendizado não reside apenas nos benefícios individuais de quem os recebe; naquilo que ele permite fazer ou produzir. A formação – diferentemente da mera aprendizagem – implica a articulação entre saberes comuns, experiências individuais e um núcleo básico de princípios e valores capazes de orientar um modo de vida compartilhado.
A possibilidade de criação e manutenção de uma comunidade nesses termos requer, portanto, duas condições prévias. A primeira é a de que a escola se afaste de um modelo fabril e burocratizado no qual seus agentes – professores, alunos e demais profissionais da educação – sejam alijados da responsabilidade das decisões que dizem respeito a seu “viver-juntos”. A segunda diz respeito à criação de uma estrutura física e profissional que permita àqueles que nela trabalham fazer de seu ofício um modo de vida e não apenas um meio (precário) de subsistência. Submetida à lógica da produtividade máxima com investimento mínimo, a escola jamais logrará se tornar uma comunidade, mesmo que venha a ser uma competente agência de fomento econômico ou de conformação social.
É isso que os teóricos do capital humano jamais foram capazes de compreender. Pensar e gerir a escola como se fosse uma unidade produtora de objetos com valor de mercado é tão inadequado como pensar e gerir uma indústria automobilística como se fosse uma comunidade voltada ao intercâmbio entre gerações diferentes que habitam um mundo comum. Nos dois casos, estaríamos caminhando rumo ao abismo.