NOTÍCIA

Edição 219

Autor

Redacao

Publicado em 08/07/2015

Entre Piaget e Pinochet

O poder público precisa apoiar escolas inovadoras e romper com culturas ditatoriais

Por toda parte, surgem sinais de uma nova educação, de uma nova humanidade. Mas, para que uma educação freiriana seja possível, será preciso introduzir algumas suliações num sistema até hoje colonizado pelo Norte. A prioridade será cuidar das pessoas, no reúso de fraternas tradições. E esse cuidar das pessoas começará no cuidar da pessoa do educador.
Não há semana em que eu não receba dolorosos depoimentos de excelentes educadores. A Virgínia desabafou: O ano passado foi muito ruim. Estresse e tristeza por tudo o que estava vivendo nas escolas e com as crianças. O secretário só entende de tecnologia vazia, repressão à mão grande, podas de criatividades e por aí vai.
A medida 19 do PNE fala de “gestão democrática” e a LDB consagra o direito das escolas à dignidade de uma autonomia freiriana e piagetianamente fundamentada. Porém, em muitos municípios, cargos técnicos como o de diretor são desempenhados por indicados de prefeitos e vereadores. Num desses municípios, uma secretária pinochetiana incumbiu um diretor de escola de destruir um dos melhores projetos que encontrei no Brasil. Quase conseguiu os seus intentos, não fora a reação piagetiana da comunidade. E continua a tentar destruir algo que não entende. Impunemente, à revelia da lei e da ciência, outro secretário de educação ordena: Tem de ser feito igual em todas as escolas. Vocês não podem fazer diferente. Já disse que não gosto de trabalho de grupo. Não autorizo! Lamentáveis manifestações de autoritarismo pinochetiano ocorrem quando professores ousam mudar. Muitos episódios como esses tenho colecionado, mas por estes me quedo, porque não pretendo generalizar e porque sei que há secretários competentes.
É necessário revogar regulamen­tações coronelizantes, que impedem o exercício pleno da autono­mia pessoal e profissional, por exemplo, no que concerne à tomada de decisões nos termos do disposto no artigo 23º da LDB. Enquanto se continuar a impedir que autonomias tomem forma no exercício da profissão de professor, enquanto as decisões freirianas e piagetianas das escolas se mantiverem subordinadas a critérios pinochetianos de natureza burocrá­tica, a mátria educadora não passará de uma miragem. Como poderemos aspirar a viver numa democracia, se a maioria das experiências de vida, na escola, acontecem em estruturas autocráticas, nas quais obedecer é muito mais aceito do que argumentar e construir consensos?
Para que o Brasil tenha a educação que merece, urge que o poder público apoie escolas inovadoras e crie condições para romper com ditatoriais culturas. O Brasil tem tudo o que precisa, tem excelentes profissionais desenvolvendo excelentes projetos. Poderemos adiar uma necessária e possível mudança, quando já muitos professores ousam mudar? Poderemos deixar esses professores inseguros, expostos às arbitrariedades de “superiores hierárquicos”? Quanto tempo esses professores resistirão, constrangidos entre um agir coerente com propostas de educadores iluminados e manifestações de prepotência caraterísticas de ridículos tiranos? Quando será dada expressão concreta ao disposto no artigo 15º da LDB?
Já tivemos um plano decenal fracassado e o novo PNE poderá ter o mesmo inglório destino. Quando deixaremos de hesitar entre Piaget e Pinochet?


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