Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)
Publicado em 04/11/2014
A luta por uma escola autônoma deve ser maior que os burocratas
A cabo de receber boas notícias de uma escola que, há muitos anos, tenta formalizar o seu termo de autonomia: A comunidade se reuniu na escola, para responder a pergunta: como a comunidade poderá direcionar os rumos do projeto da escola? Respostas maravilhosas foram argumentadas. E, no final da reunião, ficou decidido que, nas próximas terças, estaremos reunidos novamente. Cada participante tentará levar mais um integrante da comunidade para envolvê-los cada vez mais (…) com o intuito de resgatar a cultura do bairro. As decisões tomadas refletem a vontade da comunidade (…).
A escola vem tentando assumir o direito à autonomia, garantido pelo artigo 15º da LDBEN. Ela já poderia ter-se transformado na primeira escola autônoma no Brasil, se os burocratas instalados na sua secretaria de Educação não lhe negassem esse direito. Semeiam ardis, colocam obstáculos. Sutilmente, até contornam disposições legais, impedindo que a autonomia dessa escola se concretize.
Quando a autonomia da Escola da Ponte foi questionada pelo ministério de Educação de Portugal, as universidades portuguesas, os sindicatos de professores, os movimentos sociais reagiram. E o ministério recuou perante um Manifesto de que transcrevo excertos:
Há razões de sobra para que qualquer governo interessado na melhoria do serviço público de educação garanta a continuidade do projeto desta escola. As soluções para os problemas da educação passam pela capacidade de tornar mais pública a escola pública, promovendo um serviço educativo justo e de sucesso para todos, num exercício permanente de cidadania. Manifestar solidariedade para com os alunos, pais e professores da Escola da Ponte, defender o direito à continuidade do seu projeto, exigir o apoio do governo ao desenvolvimento desta e de outras iniciativas inovadoras no seio do ensino público, não pode ser visto como uma atitude de mera resistência. O que está em causa é a defesa da escola pública e a busca de modelos de governação da educação. A Escola da Ponte é um exemplo, entre outros, da emergência de novos espaços de produção política, enquanto lugares de legitimação, escolha, invenção de normas, construção de projetos e tomada de decisão. (Excertos do texto de apoio à Sessão Pública realizada na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, em 25 de setembro de 2003.)
As universidades e os sindicatos portugueses reagiram. Por isso, estranho o silêncio dos sindicatos e das universidades brasileiras. Preocupa-me a apatia dos professores, que dispõem de um Manifesto e não agem em defesa de princípios. Políticos para os quais a pedagogia é ciência oculta e secretários nomeados para pagamento de dívida eleitoralista impõem argumentos burocráticos em assuntos em que deveriam prevalecer critérios de natureza pedagógica.
Por que não exigir e mostrar que uma boa educação é necessária e possível? Essa educação já acontece em muitas escolas brasileiras, como a referida no início desta crônica, uma escola que requer autonomia, que é condição e indicador de boa qualidade da educação, mas que sofre o desgaste causado por um poder público autista. Para que serve um Manifesto? Cadê os professores brasileiros? Perderam o dom da indignação?
*José Pacheco é educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)