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Ensino Médio

Jovens de atuação

Abrir espaço para a participação dos jovens e ajudá-los a assumirem um protagonismo na instituição é uma forma de ensinar autonomia, combater a evasão e se aproximar das culturas juvenil

Publicado em 08/09/2014

por Luciana Alvarez

Gustavo Morita
Alunos participam de aula de samba, disciplina eletiva

As turmas são pequenas e as cadeiras, em geral, ficam dispostas em círculos. Os alunos estão reunidos por afinidade e têm abertura para questionar ou propor. Não há pressão por notas altas. Ainda assim os professores se sentem plenamente respeitados. “Gosto de estudar com gente de outras salas e de outros anos. As aulas são dinâmicas, posso sempre participar dando ideias”, conta Giovana Correia de Assis Netto, de 15 anos. “Nada foi imposto. É legal ver que a escola se importa com as coisas de que a gente gosta”, relata Bianca Nascimento Battazza, de 17 anos.

A experiência elogiada pelas jovens ocorre há dois anos no contraturno de uma escola particular de São Paulo, o Colégio Marista Arquidiocesano. Pelo chamado Projeto Escolha, os alunos do ensino médio podem optar entre um leque de disciplinas que pouco têm a ver com o vestibular, mas estão fortemente ligadas a suas vidas e interesses. Iniciativas como essa começam a ser vistas pelo Brasil afora, numa tentativa de dar mais voz aos jovens de ensino médio, de forma que eles se tornem protagonistas do seu próprio aprendizado. No ensino público, muitas vezes as tentativas de mudança são encabeçadas pelo terceiro setor.

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Autoritarismo e autoridade
Para Paulo Freire, a “disciplina é o balanço mais ou menos harmonioso entre a autoridade e as liberdades”. O abuso da autoridade se transforma em autoritarismo; o excesso de liberdade vira licenciosidade. Na visão do educador, a autoridade deve propor limites e os alunos devem interiorizar a necessidade deles pela ética, jamais obedecê-los por medo.

Quem trabalha diretamente com o ensino médio hoje percebe a balança desequilibrada, normalmente para o lado do autoritarismo, que muitas vezes se mostra ineficaz. “Os processos são muito verticais. A escola foi pensada para ser hierarquizada, para controlar os jovens. O que parecia funcionar no século 19 continua funcionando na contemporaneidade?”, questiona Raquel Souza, assessora da ONG Ação Educativa. Ela acredita que a resposta seja negativa.

Na opinião de Raquel, uma escola pode perfeitamente ser aberta ao diálogo, permitir que o jovem se expresse sobre as questões centrais do processo educativo, sem resvalar na licenciosidade. “O professor deveria se colocar num lugar estratégico de mediação entre as demandas do jovem e as exigências da educação. Sua autoridade viria da capacidade de fazer essas conexões, não de ser “o detentor do saber”, ou das práticas autoritárias como mandar o aluno ficar quieto”, avalia.

Com um contato muito próximo a jovens e docentes da rede pública de São Paulo, Raquel afirma que alguns professores praticam essa dinâmica em sua aulas, ao ouvir e debater com os jovens sobre o assunto que precisa ser estudado antes de saírem despejando informações. “Mas é preciso tempo para o diálogo. Em geral, o professor que faz isso tem de “abrir mão” de algum conteúdo. O desafio da escola é pensar numa organização de tempos e espaços que estimulem a particapação.”

Combatendo preconceitos
Com um extenso currículo obrigatório e uma constituição hierárquica bastante verticalizada, é difícil imaginar que o ensino médio no Brasil possa ser oferecido inteiramente dentro de uma dinâmica democrática. Mas ter ao menos alguns momentos de participação efetiva já se mostra um bom começo.

O professor de português do Arquidiocesano Diego Toscano, aquele do começo do texto, diz que a iniciativa do colégio tem se mostrado um sucesso, tanto do ponto de vista dos alunos – que adoram as aulas extras – quanto do ponto de vista do corpo docente, que relata um amadurecimento dos estudantes e uma postura mais participativa durante as aulas. “A intenção é que o aluno fique mais tempo dentro da escola, mas que também possa participar da construção do seu currículo”, explica.

O diálogo constante com os alunos, que sugerem cursos de seu interesse (de aulas de linguagem de sinais a desenho geométrico voltado à arquitetura), fazem avaliações e sugestões de mudanças no esquema, também tem sido fundamental para que as aulas não caiam na antiga dinâmica dos conteúdos impostos de cima para baixo. “Eles são coautores do projeto”, afirma o professor.

Além de uma questão estrutural – de ter alunos divididos em turnos e grades com aulas de 50 minutos – é preciso vencer uma outra barreira: a crença de que o jovem é um possível destruidor da ordem, afirma a pesquisadora Gisela Lobo Tartuce, do departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas. “Gestores e professores precisam combater o preconceito, acreditar na possibilidade de ação responsável por parte dos jovens e abrir vias de comunicação com as culturas juvenis, tanto para enriquecer os conteúdos disciplinares quanto para construir relações sociais mais sólidas e positivas”, diz.

Ao se abrir para as contribuições e anseios juvenis, a escola pode se tornar mais relevante no processo de construção da identidade e autonomia deles, defende Gisela. Ao permitir ser influenciada, ela passaria a influenciar mais. “Várias pesquisas mostram que a instituição escolar tem dificuldades de lidar com os códigos e as culturas que os jovens levam para seu interior. Sem conseguir atender às expectativas dos alunos e incapaz de estruturar relações significativas entre eles e o conhecimento, a escola tem ocupado um espaço menor em sua socialização”, afirma.

Um dos sinais de que um diálogo verdadeiro ainda está longe de ser alcançado é a chamada crise de audiência no ensino médio. Dados de 2011 tabulados pelo Movimento Todos pela Educação indicam que dois milhões de jovens entre 15 e 17 anos estavam fora da escola e apenas 51% dos jovens com 19 anos haviam concluído o ensino médio. O Censo da Educação Básica de 2013, o mais recente divulgado pelo MEC, mostra que o número de estudantes matriculados nessa etapa caiu ainda mais em relação a 2012: são mais 60 mil jovens fora do ensino médio.

“É importante ver o adolescente motivado e aprendendo de modo significativo – isso é uma forma de protagonismo, já que é preciso demanda por conhecimento para haver aprendizagem. Mas essa participação em seu processo de aprendizagem não significa que possamos prescindir dos conteúdos disciplinares e do papel do professor para ensiná-los a seus alunos”, explica Gisela. É preciso ouvir, abrir espaço, sem se submeter, sob o risco de oferecer uma educação cada vez mais simplificada.

Ensinar a participar
Para que a contribuição dos alunos seja efetiva, os jovens também precisam aprender como fazê-lo. “Eles estão sempre ávidos por participar, então a escola deve mostrar como fazer projetos, planejamentos, como comunicar-se bem”, recomenda Wanda Engel, diretora do Instituto Sysnergos, que chefiou a divisão de desenvolvimento social do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Outra ideia é aproveitar melhor as reuniões do Conselho Escolar, que preveem a participação dos alunos. Mas, para os jovens assumirem algum compromisso, deve haver uma participação real, e não um “faz de conta”, como em muitos casos, defende Wanda.

“Concretamente, o aluno deve participar da análise da situação da escola, dar propostas de melhorias e participar da efetivação das propostas.” A educadora cita casos de escolas em que os jovens foram chamados para discutir o problema da evasão, apontar possíveis soluções e participar das medidas de reinserção. “Os próprios colegas iam à casa dos estudantes que se evadiram para conversar”, cita.

Acolher e ouvir as manifestações culturais juvenis é outro caminho para promover um melhor equilíbrio de poderes. Monica do Amaral, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), vê que certas manifestações dos jovens podem ensinar conteúdos e provocar certas reflexões que a escola não costuma promover. “O aluno quer levar essas discussões, mas ninguém escuta”, afirma.

Pesquisadora de culturas juve­vis, Monica cita o hip hop e a capoeira, sobretudo em São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, como maneira de formação de senso crítico que muitas vezes não se vê dentro dos colégios. “Com os mestres de capoeira e pelas histórias contadas nas músicas, eles aprendem sobre a história da escravidão, a diáspora dos negros, enxergam falhas na história oficial. Já que isso faz parte da cultura deles, a escola poderia implantar como parte do currículo”, sugere.

Embora boas iniciativas dos jovens acabem surgindo em diversos lugares, Monica lembra que não se pode culpabilizar o próprio jovem pelos problemas na educação, ou pela falta de participação dele nos processos de aprendizagem.

“Muitas vezes parece que o jovem vira responsável por reverter uma situação da qual é vítima. Ele foi completamente abandonado pelo setor público, mas tem de proporcionar algo positivo para si mesmo”, diz. Segundo a professora, exigir isso é uma visão de protagonismo social com um caráter mais adaptativo – “deem um jeito para aprender mesmo na exclusão” – do que problematizador do sistema.

José Luis Vieira de Almeida, professor da área de Educação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), com experiência em educação de jovens infratores e em situação de rua, alerta que não adianta esperar – e muito menos cobrar – do jovem o pontapé inicial de um projeto de protagonismo. Não se pode ser protagonista sem uma boa orientação.

Energia canalizada
“O jovem tem muita energia, mas isso precisa ser canalizado para virar uma ação criativa e efetiva. O que acontece atualmente é que a ausência do poder público junto com esse jovem faz com que ele vire um ‘vândalo’ aos olhos da sociedade”, critica.

De acordo com Almeida, um jovem só será protagonista se for capaz, primeiro, de conseguir relatar o problema – uma forma de se apropriar da realidade – para depois aplicar o conhecimento de forma inovadora. “Protagonismo não é reação”, afirma. Na aula de ciências naturais, o aluno deveria ir coletar e analisar a água do rio Tamanduateí, cita como exemplo. A partir de então, ele pode escolher ser um protagonista em um projeto de limpar o rio, se assim desejar.

“A escola não tem como ensinar protagonismo, mas poderia estimulá-lo ensinando bem português, matemática, história, etc. A escola deve mostrar a realidade e dar ferramentas para ele atuar. Mas, sem saber o básico, o jovem vai virar massa de manobra, nunca protagonista”, ressalta.

Para Almeida, uma das principais barreiras ao protagonismo jovem é que os próprios professores e gestores não servem de modelo de protagonismo para os estudantes. “Tudo já vem pronto, numa cartilha, seja da secretaria de Educação, seja do MEC. O professor não pode sair daquele roteiro. A escola de hoje não é protagonista na educação.” Uma boa oportunidade para pensar se o problema da verticalização e da falta de democracia vem mais de cima.

A sedução do audiovisual

Os cineastas Laís Bodansky e Luiz Bolognesi fundaram este ano o Instituto Buriti para oferecer oficinas de audiovisual para os jovens e seus professores em escolas públicas. Para começar, foram escolhidas dez instituições, de seis estados diferentes. “Entendemos que, no mundo de hoje, a linguagem audiovisual tem um potencial sedutor. Mas o formato também visa dar possibilidade de novos diálogos, para que a escola deixe de ser um lugar para decorar e ser punido”, afirma Bolognesi.

Bolognesi acredita que a iniciativa ajudará a estabelecer relações respeitosas, mas não distanciadas por poderes. “Ao trabalhar lado a lado, em alguns pontos os alunos vão ajudar os professores – podem saber mais sobre o uso dos programas. Mas o professor tem mais experiência de vida, capacidade de resolver conflitos. Queremos que a relação entre eles se renove, com um novo olhar mútuo”, diz.

Outro objetivo do projeto, que contará com duas semanas de visitas presenciais e a criação de uma rede entre as escolas participantes para que continuem seus trabalhos e troquem informações virtualmente, é estimular o pensamento crítico. “É uma ferramenta para perceber que tudo o que os jovens assistem na TV ou internet é construção, uma montagem, e não “a” realidade”, diz o cineasta.

Autor

Luciana Alvarez


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