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Entrevistas

Desafios globais

Personagem fundamental na reforma do sistema educacional espanhol, o educador Antoni Zabala diz que os sistemas educacionais de todo o mundo enfrentam o mesmo dilema: como passar de um ensino transmissivo para um de caráter participativo

Publicado em 08/09/2014

por Redação revista Educação

O catalão Antoni Zabala é referência para muitos governos e instituições da América Latina quando se discute formação de professores, planejamento e implantação de currículos. Formado em Filosofia e Ciências da Educação pela Universidade de Barcelona, o educador teve uma posição central na reforma do sistema educacional espanhol, executada logo após o fim da ditadura franquista (1939-1975), experiên­cia que lhe conferiu credenciais para prestar consultorias, produzir pu­blicações como A prática educa­tiva – Como ensinar (Artmed) e atuar como formador de professores. De setembro a outubro deste ano, ele recebe gestores educacionais brasileiros durante o curso de Gestão Pedagógica em Portugal e Espanha, realizado pela Humus.

Ricardo Cançado
Zabala: curso para gestores brasileiros

Nesta entrevista concedida por e-mail à revista Educação, Zabala fala que todos os sistemas educacionais do mundo estão diante do mesmo desafio, que é tornar o ensino mais participativo e focado nos alunos. Ele também ressalta a importância de os gestores definirem metodologias claras de ensino para nortear as práticas educativas. Essas metodologias devem ter em conta dois critérios: as finalidades do ensino – que precisam contemplar o desenvolvimento pleno do aluno, independentemente de outros objetivos – e os conhecimentos acumulados sobre como as pessoas aprendem. “A metodologia de uma instituição educacional nunca pode ser a soma dos métodos díspares dos professores da instituição”, alerta.

O educador também falou sobre o debate em torno da implementação, no Brasil, de uma base curricular comum, que em sua opinião deve ser levada adiante, desde que se deixe um espaço para a customização da base às necessidades regionais e socioeconômicas dos alunos e das instituições. Leia a entrevista a seguir.

Tendo como referência os educadores que participam de seus cursos, quais são as principais demandas ou deficiências em termos de formação dos docentes latino-americanos?
Os problemas substanciais dos professores na América Latina são os mesmos que temos na Europa e acredito que no mundo inteiro: a adequação às exigências de um ensino notavelmente distinto daquele que se consolidou no século passado. De forma esquemática, como passar de um ensino centrado nos professores e de caráter transmissivo a um centrado no aluno e de caráter participativo. Atualmente, todos os sistemas educacionais estão enfrentando esse dilema. O processo de transformação é mais ou menos intenso conforme os estímulos e a motivação dos professores, além dos apoios e recursos de que dispõem.

Por que o senhor defende que os professores necessitam de formação continuada? Como isso pode contribuir para melhorar o sistema educacional?
A profissão docente é atualmente a profissão mais complexa que existe. A necessidade de uma sociedade bem formada em todos os âmbitos da vida exige uma constante adequação às mudanças que o mundo está sofrendo. Isto afeta os próprios conteúdos de aprendizagem. A isso devemos somar o conhecimento científico sobre os processos de aprendizagem, conhecimentos que afortunadamente estão cada vez mais consistentes sobre a necessária personalização das aprendizagens. Ambos os fatores demandam uma constante revisão e uma melhoria das práticas educacionais. A qualidade de qualquer sistema educacional recai diretamente na ação dos professores. É imprescindível dispor dos meios, recursos e apoios que possibilitem aos professores viver em uma cultura de desenvolvimento profissional baseado em uma formação contínua e um trabalho colaborativo de aprendizagem entre iguais.

Muitos defendem a aplicação de avaliações aos professores para melhorar a qualidade do ensino. Como o senhor enxerga isso?
Qualquer processo profissional, independentemente do âmbito, precisa de uma constante revisão dos meios e dos procedimentos que são utilizados. Assim como em outras profissões, a necessária melhoria contínua do ensino exige a utilização de procedimentos que permitam identificar os espaços de melhoria. A avaliação dos professores só pode ser concebida nesse contexto: como meio para identificar as melhorias e não apenas como um instrumento sancionador. As avaliações não são ruins por natureza; mas os fins pelos quais elas são utilizadas podem ser.

E o que dizer da meritocracia, outro tema que gera bastante polêmica na educação, especialmente quando a premiação dos professores está condicionada ao desempenho dos alunos?
Evidentemente, o desempenho dos estudantes é um indicador do trabalho dos professores, mas não tanto pelos resultados obtidos pelos alunos. O processo seguido para alcançar esses resultados é mais importante. Portanto, a valorização sobre o trabalho dos professores deve considerar o processo seguido por cada estudante – os avanços pessoais alcançados com relação a seu ponto de partida – e as singularidades do contexto familiar e social de cada um. Em outras palavras, devem ser consideradas as diferenças entre as competências de partida e as de chegada, e a capacidade de se opor aos déficits socioculturais.

Como podemos avaliar a qualidade de uma prática educativa? Quais critérios devem ser observados?
São dois os referenciais teóricos que nos permitem estabelecer os critérios fundamentais para a avaliação das práticas educacionais. O primeiro critério está relacionado com a adequação dos conteúdos de aprendizagem aos objetivos ou finalidades que se pretenda obter e, efetivamente, se eles estão alinhados com um modelo de formação que busque o pleno desenvolvimento da pessoa em todos os âmbitos de intervenção: o pessoal, o interpessoal, o social e o profissional. O segundo referencial teórico é de ordem científica e corresponde ao atual conhecimento de como as pessoas aprendem – conhecimentos que nos aportam as distintas correntes da psicologia da aprendizagem e das neurociências e que nos permitem estabelecer um notável número de indicadores sobre a qualidade da prática educacional. A maioria deles está relacionada com as diferentes características das aprendizagens e como elas se produzem: capacidade de vincular as novas aprendizagens, fomento da atitude que favorece a aprendizagem, ativação mental, funcionalidade e significância da aprendizagem, processo pessoal de metacognição, etc.

O senhor defende que é possível estabelecer critérios únicos de ensino para todos os professores de uma instituição. Como fazer isso considerando as diferenças na formação e nos perfis dos educadores?
Hoje em dia, já na segunda década do século 21, dispomos de suficiente conhecimento para identificar, de maneira suficientemente rigorosa, quais são as metodologias de todo centro educacional, vistos os dois critérios básicos enunciados anteriormente. O perfil do formando e o conhecimento científico sobre os processos de aprendizagem permitem construir uma proposta metodológica singular para cada centro educacional. A obrigação da escola é a de garantir a coerência do processo educacional, o que implica, sem dúvida, o estabelecimento de formas de ensino próprias da escola. A metodologia de uma instituição educacional nunca pode ser a soma dos métodos díspares dos professores da instituição. Pelo contrário: é a metodologia da instituição que deve ser utilizada pelos professores conforme seu estilo pessoal. E essa metodologia não pode ser resultado da arbitrariedade da direção de um corpo docente, mas sim consequência de um processo de elaboração que considere os fins educacionais da instituição e os conhecimentos produzidos pelas ciências da aprendizagem.

No Brasil, atualmente, se discute muito a criação de um currículo mais detalhado, com especificações claras sobre o que ensinar em cada etapa. Alguns educadores acreditam que a medida diminuirá a autonomia do professor, enquanto outros julgam a mudança importante para garantir que os alunos tenham acesso aos mesmos conteúdos. Qual avaliação o senhor faz desse processo?
Na educação temos de considerar dois princípios que aparentemente podem entrar em con­tradição: a necessidade e a obrigação da sociedade de estabelecer uma proposta de cidadania para o futuro, e a necessidade de adequar os processos de ensino às características específicas dos alunos e do contexto no qual atuam as diferentes instituições educacionais. Existe uma tensão entre os dois princípios. Eu entendo que é necessária uma definição clara por parte da sociedade dos fins educacionais para todo o país, mas interpretados e concretizados em cada caso conforme as características específicas dos alunos e de seu contexto. A resposta deve ser a de um currículo suficientemente aberto que permita esta imprescindível adequação contextual.

Outro tema em evidência é o ensino de habilidades cognitivas ou socioemocionais nas escolas. Como ou senhor analisa essa tendência?
Toda sociedade precisa, imprescindivelmente, que seus cidadãos sejam atores ativos para a melhoria ou transformação desta sociedade. Para isso é necessária uma formação que envolva todos os âmbitos do desenvolvimento humano: o pessoal, o interpessoal, o social e o profissional. Em outras palavras, uma formação integral que cubra todas as facetas que formam a personalidade e permitam dar resposta aos problemas que nos coloca a vida, e para a qual são imprescindíveis, entre outras, as habilidades, cognitivas, sociais e, especialmente, emocionais.

Autor

Redação revista Educação


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