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Sobre caçadores e presasNos filmes do diretor e roteirista Thomas Vinterberg, o espectador costuma ser convidado a se posicionar moralmente em relação aos dramas vividos pelos personagens, como se alguém lhe perguntasse “o que você faria na mesma situação?”. A resposta nunca é simples, em […]

Publicado em 06/09/2013

por Sérgio Rizzo

Sobre caçadores e presas
Nos filmes do diretor e roteirista Thomas Vinterberg, o espectador costuma ser convidado a se posicionar moralmente em relação aos dramas vividos pelos personagens, como se alguém lhe perguntasse “o que você faria na mesma situação?”. A resposta nunca é simples, em virtude dos laços delicados que sustentam as tramas e as conduzem a um ponto em que não há mais retorno possível, como demonstra a incômoda história de dor e injustiça protagonizada por um professor em seu mais recente longa-metragem, A caça (Dinamarca, 2012, 115 min).
#R#
O cenário é uma pequena cidade dinamarquesa, onde todos se conhecem – e, portanto, vigiam uns aos outros. Um de seus moradores, Lucas (Mads Mikkelsen), dá aulas na escola local e parece sofrer porque perdeu a guarda do filho adolescente, que está morando com a mãe em outra cidade. Os amigos se preocupam com a sua solidão, mas não têm muito o que fazer, e a vida segue, pacata. Repentinamente, no entanto, a comunidade é abalada por uma denúncia que faz de Lucas um monstro aos olhos de quase todos. Só ele e o espectador têm certeza de sua inocência, e prová-la se torna uma tarefa quase impossível.

Ao descrever o turbilhão em que se transforma uma escola quando uma de suas crianças acende a chama da dúvida e aponta o dedo para um professor, A caça propõe um exercício de reflexão estimulante (e também angustiante) sobretudo para educadores. O alcance da fábula contemporânea proposta por Vinterberg e pelo corroteirista Tobias Lindholm vai muito além, contudo, dos muros da escola. Os mecanismos institucionais voltados para vigiar e punir, a hipocrisia social e a maldade inerente ao ser humano envolvem Lucas (e, com ele, o público) em uma cadeia emocionalmente explosiva.

Entrevista

Cinema falado
Em 1995, um grupo de amigos que gostava de cinema e se reunia periodicamente na casa de um deles decidiu sistematizar esses encontros, que se tornaram quinzenais, com as discussões girando sempre em torno de um filme em cartaz nos cinemas de São Paulo. Quase 20 anos depois, o Grupo Cinema Paradiso – que tem comemorado seus aniversários com projeções e debates no CineSesc – é um exemplo informal e transgeracional de um fenômeno comum em escolas dos EUA, os “clubes de cinema”, como explica uma de suas integrantes, a pesquisadora e professora Claudia Mogadouro.

O que a experiência do Grupo ensinou a você?
Uma das coisas que aprendi ao longo do tempo é que não é complicado “entender de cinema”. Quando começamos o grupo eu não conhecia teoria do cinema, era apenas uma apaixonada por filmes. Eu considerava “cinéfila” aquela pessoa muito entendida, que conhecia todos os diretores, tinha visto todos os clássicos, enfim, eu não compreendia que é perfeitamente legítimo você assistir ao “seu” filme. Fui constatando que cada pessoa negocia um sentido com o que assiste, dependendo da sua formação, do seu repertório cultural e de seus valores. O Grupo Cinema Paradiso sempre manteve um tom de conversa que permite que qualquer pessoa fale qualquer coisa, sem compromisso com saber acadêmico ou conhecimento teórico de cinema. E as trocas são riquíssimas!

O que mais a surpreendeu nesses 18 anos?
No início, eu pensava que aprenderíamos muito sobre cinema e ampliaríamos naturalmente nosso repertório cultural. Afinal, discutimos filmes de países, gêneros e estilos diferentes. Mas percebi que discutir com pessoas diferentes me faz exercitar a tolerância. Aprendi a aceitar e respeitar o outro. E também fui aprendendo muito mais de mim mesma, pois, no confronto com a percepção do outro, eu penso por que eu dirigi meu olhar para um personagem e não para outro, por que tal abordagem me incomodou, por que tal recurso estético me agradou mais ou menos.

A experiência do Grupo pode servir de referência à formação de grupos semelhantes em escolas?
Acredito que sim. Sinto que a discussão de filmes (e não apenas a assistência do filme) pode ser um instrumento poderoso de formação das crianças e adolescentes, tanto do ponto de vista objetivo – conhecimento, repertório cultural, novas linguagens – como também do ponto de vista subjetivo, de autoconhecimento, de projeção de sentimentos, alteridade. Mas acredito também que professores possam criar grupos de discussão de filmes entre eles, antes de discutirem com seus alunos. Percebo que há temas espinhosos para alguns professores, que eles não sabem como trabalhar com os alunos. Se eles discutirem antes alguns filmes, creio que ficarão mais fortalecidos, mais confiantes de levar a experiência aos alunos.

Quais os principais cuidados a tomar?
O que eu recomendo é muita paciência e persistência. É bom que se construa uma dinâmica simples, que possa funcionar com qualquer número de pessoas. Se um grupo começar com quatro ou cinco pessoas, está ótimo. Aos poucos, entram pessoas novas e é comum que alguns parem de frequentar. Se ocorrer alguma desavença, sempre é tempo de discutir e acertar o que não está bom.

Clube de dois

No livro O clube do filme (Ed. Intrínseca, 240 págs., R$ 24,90), o canadense David Gilmour conta a história verídica (e bem-sucedida) de um grupo de discussão de filmes com apenas dois integrantes: ele e seu filho, então um adolescente desestimulado com a escola e um pouco frustrado com a vida que levava. Gilmour sugeriu que ambos passassem a ver filmes regularmente, sempre juntos, e depois conversassem a respeito do que viram. Essa experiência sistemática com o cinema transformou não só o filho, mas também o pai.

Autor

Sérgio Rizzo


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