Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)
Publicado em 02/08/2013
Suas crônicas de educação falam da mesma indignação vista nas ruas
Um poeta português nos diz que, quando um povo acorda, é sempre cedo. E, neste junho do nosso descontentamento, a juventude está nas ruas, para exigir educação no lugar da corrupção. Este Brasil, que renasce de tempos sombrios, lança o apelo que colocaste em versos: Vem, retira as algemas dos meus braços / Porque a vida só é possível reinventada.
Entre a entrega de flores a policiais e o vandalismo de alguns bonsais humanos, um milhão foi para a rua com milhares de micromotivos. E eram muitos os cartazes que reclamavam melhor educação. Mas. qual educação?
Nas bibliotecas das faculdades de pedagogia, nunca encontrei as tuas corajosas “crônicas da educação”. Decorridos 80 anos, elas se mostram atuais, porque nos falam de indignação. Paulo Freire e outros educadores do teu tempo nos disseram que deveremos exercer o dom da revolta perante as injustiças do cotidiano. Como fez o Freinet, nos campos de batalha pela liberdade da Europa, consciente de que os professores foram tão longamente condicionados pela velha pedagogia que permanecem como que enfeitiçados, incapazes de se libertarem de práticas de que conhecem, por experiência, os perigos.
Quem não percebe que a Escola reprodutora de iniquidades perdeu o sentido? Mas ela sobrevive, qual cadáver adiado suportado por enfeites paliativos. Por que mais programas, mais pactos, mais royalties.? Talvez alguns ainda não saibam que ser professor é, permanentemente, viver na idade dos porquês, ousar perguntar: Por que razão há crianças que não aprendem? E, depois, ter a coragem de mudar.
Voltei à leitura das tuas crônicas, à mistura com leituras do Darcy, que fazia eco das tuas palavras, ao denunciar a “canalha”, gente ruim, sem pudor, sem escrúpulos. Foi para evitar a perpetuação de uma educação “canalha”, que os jovens ocuparam as ruas. Foi essa a razão de decidires ser poeta, que é o mesmo que ser educadora. Pelos teus dezasseis anos, te fizeste professora. Mas, quando te candidataste à cátedra de literatura da Escola Normal, foste preterida, porque a tua tese sobre liberdade individual não agradou. Foste alvo de perseguições, porque expressaste a tua rebeldia nas páginas dos jornais do Rio da década de 30, quando pugnavas por uma efetiva renovação educacional. Crê, querida Cecília, que defendeste as mesmas causas de jovens do século XXI, jovens que se aperceberam de que são ensinados por professores do século XX, segundo um modelo epistemológico do século XIX.
Ousaste romper com tabus de uma sociedade tão moralmente doente quanto a de hoje. Defendeste nas páginas dos jornais a mesma prática da democracia, que os jovens brasileiros de todas as idades hoje reivindicam nas redes sociais. Num junho de há mais de oitenta anos, denunciavas um regime, que invocava a Liberdade como sua padroeira, enquanto submetia o povo a velhas situações de rotina, de cativeiro e de atraso. Pugnavas por uma reforma de finalidades, de democratização da escola (.) todas essas coisas que a gente precisa conhecer antes de ser ministro da educação… Porém, depois, veio um decretozinho provinciano, para agradar alguns.Bem mereceste os versos que o Manuel Bandeira te dedicou: Cecília, és tão forte e tão frágil / Como a onda ao termo da luta / Mas a onda é água que afoga / Tu és enxuta.
*José Pacheco é educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)