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De rede em rede

Escolas particulares vão às instituições públicas e dão uma importante parcela de contribuição para a formação de jovens e crianças carentes, numa relação em que todos saem ganhando

Publicado em 07/05/2013

por Juliana Duarte

Divulgação
O João Paulo II recebe doações de escola particular e oferece aulas de reforço aos alunos da rede municipal

Um é bom, dois é melhor, três é excelente. Quando se trata de parcerias público-privadas, as escolas estão percebendo que investir no ensino de toda uma comunidade faz mais sentido do que garantir o aprendizado apenas de seus alunos.  Estima-se que no Brasil cerca de 30% das instituições particulares já ajudaram de alguma maneira uma escola pública. Doações de materiais didáticos, aulas de reforço, atividades culturais realizadas nas dependências do colégio privado e, principalmente, o compartilhamento da metodologia de ensino aparecem entre as formas de auxílio mais comuns. “São acordos que contribuem para garantir uma formação completa, com mais recursos e oportunidades para o futuro dos jovens”, afirma a pedagoga Marilda Mussarra.

Além das questões de aprendizado, esse tipo de iniciativa também pode ser benéfico para o desenvolvimento social dos alunos. “Perceber e entender as diversidades sociais, econômicas e culturais faz parte da formação de crianças e jovens mais solidários e participativos”, afirma Cesar Callegari, secretário municipal de Educação de São Paulo. Na cidade, a união de iniciativa pública e privada é comum, principalmente nos Centros de Educação Unificados (CEUs), que costumam oferecer atividades esportivas e culturais com frequência. “As escolas municipais e particularmente os CEUs estão abertos a essa interação e não são poucos os projetos escolares que buscam esses contatos. Muitos professores trabalham nas duas redes, o que ajuda na divulgação do trabalho”, ressalta o secretário.
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Planejamento e custos
No entanto, da mesma maneira que a parceria traz inúmeros benefícios, se não for bem estruturada pode causar problemas. Introduzir um novo método pedagógico, por exemplo, requer cuidados que vão além de palestras e treinamento de professores. “Diante de qualquer mudança é preciso considerar o contexto sociocultural das duas partes, para que não haja prejuízos acadêmicos ou sociais. Um modo prudente seria conhecer profundamente a escola pública e aos poucos identificar as reais necessidades dela e de seus alunos”, opina Quezia Bombonatto, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia. O próximo passo, segundo ela, é realizar um bom planejamento antes da cessão da metodologia. “Para mudar é preciso planejar e isso deve começar pelo corpo docente. Quando a nova proposta estiver clara e compreendida por eles, será o momento propício de preparar as crianças, que costumam ser menos resistentes às mudanças do que nós, adultos”, diz a profissional.

Os bons resultados das parcerias também podem esbarrar em outra questão: a financeira. Geralmente, há duas maneiras de arrecadar a verba necessária para os projetos e ambas estão relacionadas à boa vontade de empresas e parceiros. A primeira é a mais comum – as escolas particulares acabam arcando com todos os custos, desde a doação de materiais até mesmo o treinamento dos professores. A outra maneira é com doações da comunidade beneficiada ou de empresas interessadas em apoiar a iniciativa, caso do Centro de Educação João Paulo II, em Curitiba (PR). “Empresas e colaboradores nos ajudam com doações mensais ou até mesmo anuais, feitas pelo fundo da infância e do adolescente do município, que repassa o montante para a escola”, explica Alexandra Lima, coordenadora pedagógica do projeto. O custo mensal por aluno, de acordo com ela, fica em R$ 415, o mesmo gasto pelo governo paranaense nas escolas públicas.

Reflexo no Ideb
Em Curitiba, o colégio particular Bom Jesus, a Escola Municipal Júlia Wanderley e o Centro de Educação João Paulo II se uniram ao compartilharem metodologias de ensino e a infraestrutura necessária para oferecer um bom aprendizado. O trabalho, que consiste em aulas de reforço para crianças e jovens carentes, começou em 2010 e já ajudou a formar diversas pessoas que não tinham suporte financeiro para arcar com os estudos.

O Centro de Educação João Paulo II beneficia crianças carentes de Piraquara (PR) e arredores – atualmente, atende 220 estudantes. O objetivo é oferecer aulas de reforço e atividades extracurriculares para os alunos matriculados na Escola Municipal Júlia Wanderley. Além do reforço, a instituição também conta com classes fixas de educação infantil. “Isso demonstra o que o trabalho conjunto entre a educação pública e o voluntariado da sociedade civil pode fazer para melhorar a educação”, afirma o professor Belmiro Valverde Jobim Castor, fundador e atual presidente do projeto.

O material didático e os softwares usados no projeto são doados pelo colégio particular Bom Jesus, que custeia todas as despesas. “Também oferecemos treinamento para que os professores saibam usá-los da maneira correta”, comenta a diretora Solange Inês Dorocinski.

Essa rede de parcerias já apresentou bons resultados. Em 2012, a escola pública obteve o quarto maior Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de Piraquara. Além disso, na Prova Brasil, os alunos superaram as médias das 18 escolas do município. “A parceria fez com que pais e estudantes se interessassem pela escola. Hoje, há uma grande procura por vagas”, comenta a diretora Elisângela de Fátima Luz.

Milene Cristina Pires Mulhenhoff, mãe de Maria Eduarda, 9 anos, sabe bem quais são os benefícios da parceria entre as três instituições. “Depois que passou a frequentar o centro, vejo que minha filha ficou muito mais responsável, com facilidade para aprender e respeito ao próximo”, diz.

Em São Paulo (SP) esse tipo de união também é comum, principalmente na área cultural. Os CEUs contam com diversos parceiros da iniciativa privada. Na unidade do Butantã, por exemplo, escolas particulares disponibilizam suas metodologias e os profissionais para colocá-las em prática. “O CEU é baseado em parcerias para oferecer à comunidade um espaço criativo, sem preconceitos ou discriminação”, comenta Salete Carvalho, coordenadora de projetos CEU Butantã.

Outra iniciativa que ajuda a diminuir a distância entre ensino público e privado partiu do colégio particular Albert Sabin (SP). Ao reestruturar as salas de aula com equipamentos de mídia (telões e projetores), os coordenadores notaram que os mapas impressos já não tinham tanta utilidade. “Doamos 66 mapas e suportes de apoio em ótimo estado de conservação para a escola pública Conde Matarazzo, em SP”, comenta Adriana Vaccari, do marketing do colégio Albert Sabin. Alunos do ensino fundamental foram beneficiados e agora terão aulas de história e geografia mais completas.

Método compartilhado
Há mais de 60 anos, a rede de colégios do Grupo Marista firmou um convênio com o governo estadual de Santa Catarina para auxiliar escolas públicas da região. Uma delas é a Escola de Educação Básica São Bento, localizada em São Bento do Sul (SC). “Na época, só havia um seminário na cidade. Era preciso ter uma escola para atender a todos e evitar que os alunos saíssem da cidade para estudar”, afirma Isabel Cristina Michelan de Azevedo, diretora educacional da rede de colégios do Grupo Marista. Atualmente, 1.120 alunos do ensino fundamental estudam no local, nos períodos matutino e vespertino.

O grupo compartilha o método de ensino usado nas unidades particulares e faz um trabalho sólido para que os alunos consigam se adaptar a ele com facilidade. “Eles têm dificuldades no primeiro ano, mas realizamos orientações, conversamos bastante, organizamos palestras e orientação solidária para que essa fase seja o mais produtiva possível”, afirma Zuleika Voltolini, diretora da escola.

Além de oferecer o sistema de ensino, o grupo disponibilizou as instalações físicas – o governo estadual paga um aluguel simbólico e as despesas com luz, água, telefone, professores, materiais e funcionários da limpeza. O restante é mantido pelo Marista e pela Associação de Pais e Professores (APP) por meio de uma contribuição familiar de R$ 15 por mês. “É uma escola que oferece vários ensinamentos, oportunidades e transformações”, comenta a aluna Amanda Maahs, de 13 anos, matriculada na 8ª série. O material didático também faz a diferença no dia a dia dos estudantes. “Os livros são muito bons. Evoluí bastante como aluna”, ressalta Gabriela Huttl, 14 anos, também da 8ª série.

Dados oficiais também confirmam essa evolução. A escola alcançou o Ideb mais alto do estado, indicador que cresce desde 2005. Em uma escala de 1 a 9, a São Bento chegou ao nível 7 em língua portuguesa na Prova Brasil em 2012.

Direto para a faculdade
Uma parceria entre o Colégio Santo Américo (SP) e o Instituto Social Maria Telles (Ismart) garante que alunos matriculados em escolas públicas tenham a chance de cursar o ensino médio na instituição privada. O projeto Alicerce realiza uma seleção de jovens da rede municipal que apresentem desempenho acima da média. Esses estudantes frequentam um curso preparatório e realizam testes a cada bimestre, que comprovam sua evolução. “Percebemos um crescimento grande não só dos bolsistas, mas também dos alunos já matriculados”, afirma Elenice Lobo, diretora pedagógica do Colégio Santo Américo. Os resultados, segundo ela, são compensadores. “A maioria consegue uma vaga em universidades de renome, como a USP”, comemora.

O colégio Joana d’Arc (SP) também oferece esse tipo de iniciativa. Uma parceria firmada em 2003 com a Escola Municipal Julio de Mesquita Filho garante que seus quatro alunos com melhor desempenho ganhem bolsas de estudos por três anos (ensino médio) na instituição particular – os dois com as melhores notas têm direito a bolsa integral e os seguintes, parcial. “Ao longo desses dez anos a experiência tem sido muito positiva. Observamos uma mudança radical no desenvolvimento das crianças”, explica Ana Cristina Pomarico, diretora do Colégio Joana d’Arc. Desde o início do projeto, cerca de 30 jovens já foram contemplados com as bolsas, como Stefane Gomes, que atualmente cursa Gestão em RH. “Confesso que tive dificuldades ao entrar no Joana. Percebi que precisaria estudar mais, pois a exigência é maior do que em uma escola pública. Então, passei a me esforçar mesmo”, diz.

O estudante Cleber Eugenio também conquistou a bolsa e fez bom uso dela: formou-se no colégio e conseguiu ingressar na Universidade de São Paulo (USP) em engenharia mecatrônica. Terminou o curso e em seguida passou no vestibular de ciências biomédicas. Hoje, está no último ano e apresentará o trabalho final na Itália. “A bolsa me ofereceu oportunidades que eu não teria, me colocou no caminho certo. Consegui me formar, trabalhar na área e ver até onde eu sou capaz de chegar”, afirma.

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Juliana Duarte


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